Federalismo sem juízo: a regressividade da matriz tributária brasileira e os tributos anestesiantes

AutorFrancisco Gassen e Valcir Gassen
Páginas161-196
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FEDERALISMO SEM JUÍZO: A REGRESSIVIDADE
DA MATRIZ TRIBUTÁRIA BRASILEIRA E OS
TRIBUTOS ANESTESIANTES
Francisco Gassen1
Valcir Gassen2
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Matriz tributária brasileira: localizando a discus-
são – 3. Do federalismo ao federalismo fiscal – 4. Regressividade da matriz tri-
butária brasileira e os tributos anestesiantes: construindo um federalismo sem
juízo? – 5. Conclusões.
1. INTRODUÇÃO
Diante das duas coisas certas na vida, morrer e pagar tri-
butos, acreditamos que, como estudiosos na área do direito,
podemos contribuir com a presente pesquisa em relação à se-
gunda questão inafastável: pagar tributos!
Este trabalho tem por tema o federalismo no âmbito
da tributação, mais delimitado, a regressividade da matriz
tributária brasileira e os tributos anestesiantes e a se concluir,
1. Advogado e especializando em Direito Público na Faculdade CESUSC.
2. Professor Associado na Faculdade de Direito da UnB.
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FEDERALISMO (S) EM JUÍZO
dos impactos desta marcante característica da matriz
tributária em um federalismo (s)em juízo.
Optamos no processo constituinte pela forma de Estado
federalista e estabelecemos que os objetivos da República Fe-
derativa do Brasil são os seguintes: (I) construir uma socieda-
de livre, justa e solidária; (II) garantir o desenvolvimento na-
cional; (III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais; e, (IV) promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
Esses objetivos da República federativa podem ser negli-
genciados ou implementados em considerável medida pelas
escolhas que fazemos no campo da tributação. As escolhas são
formuladas diante de duas perguntas basilares postas pelo li-
beralismo filosófico, político e econômico: 1) quem é que paga
o tributo, ou, quem é que suporta o ônus econômico no ato
de pagar o tributo? 2) Com quem é que se gasta o produto da
arrecadação tributária?
A resposta a estas duas questões em muito explica, por
um lado, se os objetivos estabelecidos em nossa Constituição
Federal estão ou não sendo alcançados, e por outro lado, se a
opção política pelo federalismo é ou não uma farsa, visto que
há um conteúdo na ideia de federalismo, não é uma palavra
vazia de sentido.
Para responder a estes questionamentos pretendemos,
em um primeiro momento, verificar alguns conceitos e postu-
ras epistêmicas existentes acerca do fenômeno da tributação.
Isto se faz necessário, visto que a maior parte das pesquisas
na área da tributação, seja na perspectiva política, jurídica ou
econômica, é silente sobre seus próprios fundamentos teóri-
cos, ocultando do (a) interlocutor (a), as vezes de forma propo-
sital, seus pontos de partida e que orientam e constroem um
horizonte de sentido.
Em um segundo momento o federalismo, forma política,
jurídica, econômica e social, será o objeto das nossas reflexões
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FEDERALISMO (S) EM JUÍZO
com o intuito de se fazer notar que não é algo natural e des-
provido de conteúdo, mas sim resultado de convenções esta-
belecidas e que foram naturalizadas, inclusive no que diz res-
peito ao quê, nestas convenções, está contido.
Por fim, sempre utilizando o método de pesquisa biblio-
gráfico, trataremos de vários aspectos da regressividade da
matriz tributária e os tributos anestesiantes, que erodindo,
de forma implacável, a nossa federação com a anuência, al-
gumas vezes incautas, dos juristas que se debruçam sobre as
questões da tributação em nosso país a partir de perspectivas
dogmáticas informadas pelo senso comum teórico dos juris-
tas, sem o necessário rigor de análise.
Neste artigo, resultado de nossas pesquisas, convidamos
o (a) leitor (a) a um diálogo em uma perspectiva de um discur-
so dialógico, em que podemos e devemos participar argumen-
tativamente em relação ao nosso objeto de estudos, visto que
este está sempre em construção. Nesse contexto de diálogo,
agradecemos a interlocução de todos (as) os (as) juristas, em
especial os (as) professores (as) Misabel Abreu Machado Der-
zi, Fernando Facury Scaff e Onofre Alves Batista Júnior, que
em muito contribuem na reflexão de temas tão caros a todos
(as) nós.
2. MATRIZ TRIBUTÁRIA BRASILEIRA:
LOCALIZANDO A DISCUSSÃO
Acreditamos que estamos de acordo sobre uma consta-
tação: nós tributaristas e financistas, bem como, em outras
áreas do direito, muitas vezes não contemplamos em nossas
pesquisas as questões fundamentais, por exemplo, a relação
da tributação com a realidade econômica, social e política em
nosso país. Um dos motivos de não contemplarmos em uma
perspectiva inter e transdisciplinar nosso objeto de trabalho
com as outras áreas se dá pela forma como se entende um
sistema tributário nacional.

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