O federalista e a democracia: revisitando a teoria da separação dos poderes e o papel do judiciário

AutorCristina Foroni Consani
CargoPós-doutoranda em Direito (UFRN/PNPD/CAPES). Doutora em Filosofia (UFSC), Mestre em Direito (UFSC), Especialista em Filosofia Política e Jurídica (UEL), Pesquisadora vinculada ao NEFIPO/UFSC (Núcleo de Ética e Filosofia Política)
Páginas146-181
Rev. direitos fundam. democ., v. 18, n. 18, p. 146-181, jul./dez. 2015.
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
O FEDERALISTA E A DEMOCRACIA: REVISITANDO A TEORIA DA SEPARAÇÃO
DOS PODERES E O PAPEL DO JUDICIÁRIO
THE FEDERALIST PAPERS AND DEMOCRACY: REVISITING THE THEORY OF
SEPARATION OF POWERS AND THE JUDICIARY ROLE
Cristina Foroni Consani
Pós-doutoranda em Direito (UFRN/PNPD/CAPES). Doutora em Filosofia (UFSC),
Mestre em Direito (UFSC), Especialista em Filosofia Política e Jurídica (UEL),
Pesquisadora vinculada ao NEFIPO/UFSC (Núcleo de Ética e Filosofia Política).
Resumo
O presente trabalho analisa as principais teses de uma obra seminal
do constitucionalismo moderno, a saber, O Federalista, concentrando
a atenção na teoria da separação dos poderes, no governo
representativo e na relação dessas instituições com as práticas
democráticas. A partir de uma análise teórica e histórica, busca-se
encontrar neste texto alguns elementos que podem ser retomados e
apropriados pelo debate contemporâneo a fim de lançar luz sobre os
problemas pertinentes à relação entre os poderes na atualidade e,
notadamente, sobre a questão da judicialização da política e das
práticas democráticas. O método de pesquisa utilizado no
desenvolvimento deste trabalho foi o de pesquisa bibliográfica.
Palavras-chave: O Federalista. Separação dos poderes. Democracia
representativa. Judicialização da política.
Abstract
This paper analyzes the main ideas of a seminal work of modern
constitutionalism, namely, The Federalist Papers, focusing on the
theory of separation of powers, on representative government and
also on the relation of these institutions with democratic practices.
From the theoretical and historical analysis, this study seek to find in
this classical text a few elements that can be picked up and
appropriated by contemporary debate in order to shed light on the
problems such as the relationship between the branches of
government and notably on the issue of judicialization of politics and
democractic practices. The research method used in this paper was
bibliographical research.
Key-words: The Federalist Papers. Separation of powers.
Representative democracy. Judicialization of politics.
CRISTINA FORONI CONSANI
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Rev. direitos fundam. democ., v. 18, n. 18, p. 146-181, jul./dez. 2015.
1 INTRODUÇÃO
O Federalista (The federalist papers), considerado por Thomas Jefferson “o
melhor comentário sobre os princípios de governo que já foi escrito” (JEFFERSON,
1944)
1, ainda hoje é tomado como uma obra prima da teoria constitucional e da teoria
política. Seus autores, no intuito de defender a Constituição Federal de 1787,
realizaram um profundo e acalorado debate a respeito das formas de Estado, da
teoria da separação dos poderes, do governo representativo, assim como dos limites
e possibilidades das práticas democráticas e da participação popular no governo.
Embora o Federalista tenha sido escrito há mais de duzentos anos, algumas
das questões enfrentadas por seus autores, tais como a relação entre os poderes da
República no exercício de suas atribuições, os conflitos entre práticas democráticas e
a proteção aos direitos fundamentais, assim como o papel e o espaço conferidos aos
cidadãos na tomada de decisões políticas, são temas que continuam a suscitar um
intenso debate nas teorias constitucionais e políticas contemporâneas.
Este debate, contudo, que tem por objeto a relação conflituosa entre direito e
política, se torna mais complexo na atualidade em razão ampliação da pluralidade
étnica, cultural e de valores dentro dos Estados, da acentuação da concentração de
poder político e econômico com determinados grupos, do aumento do rol de direitos
protegidos constitucionalmente como direitos fundamentais (a proteção estende-se
dos direitos individuais, civis e políticos para direitos sociais, econômicos e culturais),
da crise da democracia representativa e a consequente crescente demanda por um
desenho institucional que abra mais espaço para a participação popular nos
processos de tomada de decisões políticas.
Por fim, a tensão entre o direito e a política acentua-se ainda em decorrência
da redefinição dos papeis e das atribuições de cada um dos poderes da República,
especialmente do poder judiciário que vem assumindo, desde a segunda metade do
Século XX, cada vez mais o papel de protagonista na política, dando causa ao
fenômeno denominado judicialização da política.
Levando em consideração essas antigas e novas questões, este artigo
pretende, primeiramente, revisitar a teoria constitucional e política exposta no
Federalista, explorando principalmente as teses relacionadas à separação dos
1 Todas as traduções das obras citadas são minhas, exceto quando nas referências bibliográficas for
indicado distintamente.
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poderes, ao papel do poder judiciário e ao espaço político-institucional reservado às
práticas democráticas.
Em segundo lugar, a partir da análise teórica e histórica, buscar-se-á
encontrar neste texto clássico do constitucionalismo e da política modernos alguns
elementos que podem ser retomados e apropriados pelo debate contemporâneo a
fim de subsidiar a discussão de problemas pertinentes à relação entre os poderes na
atualidade e, notadamente, sobre a questão da judicialização da política e das
práticas democráticas.
2 ASPECTOS HISTÓRICOS
Os artigos federalistas foram escritos no afã de defender a Constituição
Federal de 1787, fruto da reformulação do projeto político e jurídico vigente nos
Estados Unidos após a Declaração de Independência. Muitas das causas que
levaram à revisão do pacto político estabelecido depois de 1776 estavam
presentes na organização política que se estabeleceu após a Declaração de
Independência. A América republicana organizou-se por meio de uma instituição
central e uma lei comum: o Congresso Continental e os Artigos da Confederação.
2
Os Artigos da Confederação foram aprovados pelo Congresso Continental em
1777 e, após, adotados pelos estados. Eles figuraram como a única lei comum para
todos os estados até 1788. Os Artigos da Confederação e a política norte-americana
durante esses anos tiveram como principais características a concentração do poder
na periferia, em cada estado e, dentro dos estados o poder estava mais concentrado
nos legislativos.
O Congresso Continental foi a única instituição integrativa criada no centro do
país sob a vigência dos Artigos da Confederação. Ele era formado por uma casa
legislativa única, na qual cada estado tinha direito a um voto. Cada legislatura
estadual podia indicar entre dois e sete delegados para o mandato de um ano (cf.
KETCHAM, 2003, p. 357-385). Não havia nenhum ramo executivo ou judiciário
central. As atividades administrativas eram realizadas por um comitê do próprio
2 A respeito do contexto histórico da Revolução Americana e da elaboração da Constituição Federal de
1787 ver: ARENDT, Hannah. Sobre a Revolução. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia
das Letras, 2011. KRAMNICK, Isaac. Editor’s Introduction. In: HAMILTON, Alexander; JAY, John;
MADISON, James. The Federalist Papers. Edited by Isaac Kramnick, London: Penguin Books,
1987;WILLS, Garry. Explaining America: The Federalist. New York: Penguin Books, 2001;WOOD,
Gordon. The Creation of the American Republic 1776-1787. Chapel Hill: University of North Carolina
Press, 1998.

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