Férias

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Páginas364-371

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1. Considerações gerais

Os direitos humanos são os direitos básicos da pessoa, reconhecidos internacionalmente, daí defluindo os demais direitos. A partir, sobretudo, da Carta de São Francisco, criadora, em 1945, da ONU, o tratamento em nível internacional dos direitos humanos ganhou novos foros.

Deles decorrem os direitos fundamentais, que são aqueles contemplados pelas Constituições modernas, e, dentre estes, encontram-se os direitos sociais, dos quais emergem os direitos trabalhistas.

Nessa dedução de direitos, encontra-se o direito às férias, que, no Brasil, está consagrado, em nível constitucional, no art. 7º, XVII, da Constituição de 1988, reconhecendo a todos os trabalhadores, nacionais e estrangeiros, urbanos e rurais, o seu gozo anualmente de forma remunerada com acréscimo de pelo menos um terço a mais do que o salário normal do beneficiário.

Leão XIII, ao lançar as bases da doutrina social da Igreja, na encíclica Rerum Novarum, de 1891, destacou que a vida temporal, posto que boa e desejável, não é o fim para que fomos criados; mas é a via e o meio para aperfeiçoar, com o conhecimento da verdade e a prática do bem, a vida do espírito1.

Ora, esse aperfeiçoamento necessariamente se dá com melhores condições de trabalho e com o respeito à saúde e à integridade física do trabalhador.

As férias, então, surgiram justamente para proporcionar essa recuperação do equilíbrio orgânico em razão da fadiga de longo período de trabalho, interrompendo o contrato de trabalho.

Sua consagração internacional deu-se na DUDH, adotada pelas Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 (art. XXIV), e, a partir de então, restou reconhecida por todos e para todos.

No Brasil, apareceu na Constituição de 1934 e nas sucessivas, como um direito que a legislação trabalhista deveria contemplar, e, após algumas leis isoladas, foi consagrada a todos os trabalhadores pela CLT, em 1943.

2. Objetivos e princípios

As férias possuem dois objetivos básicos:

  1. ) proteger a saúde do trabalhador e permitir-lhe recuperar a energia física que tinha investido no trabalho durante o ano2, e,

  2. ) forma de retribuir o aumento de produtividade, dando mais tempo de ócio aos trabalhadores3.

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Ademais, cinco princípios informam esse instituto, a saber:

  1. Anualidade - em decorrência de, após 12 meses, o trabalhador passar a ter direito a usufruir suas férias;

  2. Remunerabilidade - devem as férias ser remuneradas, recebendo trabalhador a mesma remuneração a que teria direito, se trabalhando estivesse;

  3. Continuidade - é permitido o fracionamento das férias, observadas as limitações previstas na própria lei;

  4. Irrenunciabilidade - é defeso ao trabalhador renunciar suas férias, tendo o dever de gozá-las; e

  5. Proporcionalidade - a concessão das férias observa o número de faltas injustificadas do trabalhador no período aquisitivo, cabendo seu pagamento em caso de extinção do contrato de trabalho, caso não haja gozado, salvo, quanto às férias proporcionais, no caso de dispensa motivada.

3. Atuação da oit quanto às férias

No âmbito da OIT, que é, dentre os organizações internacionais que integram o sistema das Nações Unidas, aquela destinada a cuidar das questões relativas às condições de trabalho, a preocupação com o direito às férias é antiga. A Conferência Internacional do Trabalho, órgão competente para adotar Convenções Internacionais do Trabalho, que, ao lado das Recomendações Internacionais do Trabalho, formam o elenco das principais fontes do Direito Internacional do Trabalho, adotou, cuidando especificamente desse tema, ao longo dos anos, a partir de 1936, as seguintes Convenções:

  1. Convenção n. 52, sobre férias remuneradas, de 1936;

  2. Convenção n. 54, sobre férias remuneradas de marítimos, de 1936;

  3. Convenção n. 91, sobre férias remuneradas de marítimos (revisora), de 1949;

  4. Convenção n. 101, sobre férias remuneradas na agricultura, de 1952;

  5. Convenção n. 132, sobre férias remuneradas (revisora), de 1970;

  6. Convenção n. 140, sobre licença remunerada para estudos, de 19744; e

  7. Convenção n. 146, sobre férias remuneradas de marítimos (revisora), de 1976.

A mais importante para o Direito brasileiro é a Convenção n. 132, adotada em 03.06.1970, em Genebra, na 54ª Reunião da Conferência, e que foi ratificada pelo Brasil em 1997, tendo sido mandada aplicar entre nós pelo Decreto de promulgação n. 3.197, do mesmo ano. Sua origem remonta à Convenção n. 52, de 1936, que foi tacitamente denunciada ao ter nosso país ratificado o novo tratado.

Uma primeira questão de relevo refere à aplicabilidade da Convenção n. 132 em nosso país. Não temos dúvida quanto a isto. Primeiro, foi regularmente ratificada e incorporada à nossa ordem jurídica interna. Segundo, como lei posterior, pela via da aplicação do critério cronológico que o STF adota, prevalecerá a Convenção n. 182, se conflitando com a lei interna. Terceiro, no que for, todavia, mais benéfica, continuará sendo aplicada a lei brasileira, a teor do art. 19, 8, da Constituição da OIT. Observe-se que esses aspectos conflituais foram abordados, nesta obra, no capítulo em que se cuidou do Direito Internacional do Trabalho (v., nesta Parte, Capítulo II).

Outra questão relevante é aquela relativa à entrada em vigor do tratado no Brasil, quanto à necessidade de decreto de promulgação. Entendem alguns que os tratados sobre direitos fundamentais independem de decreto de promulgação, por força do art. 5º, § 1º da Constituição, exigência que seria destinada apenas aos demais tratados, porque adotaríamos teoria mista quanto à validez de normas internacionais5. Para os defensores dessa corrente, bastaria o depósito dos instrumentos de ratificação perante o Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho, que ocorreu em 23.9.1998, para que o Brasil, doze meses após, se obrigasse pela Convenção, a partir, então, de 23.09.1999.

Data venia, não pensamos assim. O § 1º do art. 5º da Constituição dispõe que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Esse dispositivo não se refere às normas internacionais, mas àquelas

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internas que cuidem desses importantes temas. As normas internacionais possuem regra própria, específica, que é a do § 2º do mesmo art. 5º, prevendo que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Com efeito, resulta induvidosa a clareza do preceito: aos direitos e garantias fundamentais contemplados na Constituição podem ser acrescentados outros decorrentes de tratados internacionais (denominação genérica de ato internacional escrito, nos termos da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados), em que a República seja parte. Parte, para o Direito Internacional, significa o Estado que ratifica um tratado e que se obriga por ele. O Brasil, porque é reconhecidamente monista, na linha que consagra o primado do Direito Interno, somente se obriga por tratado após ratificá-lo, nunca como mero signatário, e, consoante a normação constitucional vigente, há toda uma tramitação interna que deve ser observada e que inclui, indispensavelmente, o decreto presidencial de promulgação (art. 49, I, c/c art. 84, VIII, da Constituição).

Nesses termos, não temos dúvidas quanto ao correto procedimento adotado para a incorporação, em nosso ordenamento positivo interno, da Convenção n. 132, que, ratificada e promulgada, passou a viger e se tornou equivalente a lei federal, como tem entendido o Excelso Pretório6, não havendo falar, pois, na regra do § 3º do art. 5º constitucional (tratados de direitos humanos aprovados com quórum especial), porque não foi essa a intenção do Parlamento ao autorizar sua ratificação pelo Brasil.

Note-se, todavia, que, face o princípio da supralegalidade, que tem sido modernamente adotado em nosso país, e que já nos reportamos antes (v., nesta parte, Capítulo II, n. 4), reforçam-se as possibilidades de aplicação da Convenção n. 132, pelo viés do § 1º do art. 5º constitucional.

Independente desse aspecto, resulta certo que a Convenção n. 132 é o documento mais amplo que já se elaborou, no campo internacional, sobre férias. Os demais (DUDH, Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Carta Social Europeia de 1988, Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores de 1989, inter alia) são documentos genéricos e sem o alcance que possui a norma oriunda da OIT.

Destina-se a todos os trabalhadores, salvo aos marítimos, aos quais continua a se aplicar a Convenção n. 91, que o Brasil ratificou em 18.06.1965 e promulgou pelo Decreto n. 66.875, de 1970. A par disso, tem registrado um pequeno número de ratificações7, por uma série de dificuldades, sobretudo de índole legislativa, como apontado em documento da OIT8.

Uma nota é indispensável: qual a norma que deve ser aplicada aos trabalhadores brasileiros...

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