Ferramentas auxiliares para medição da neutralidade da rede pelos usuários

AutorNathalia Sautchuk Patrício
Páginas432-448
432
FERRAMENTAS AUXILIARES PARA MEDIÇÃO DA
NEUTRALIDADE DA REDE PELOS USUÁRIOS
NATHALIA SAUTCHUK PATRÍCIO
INTRODUÇÃO
Uma rede neutra é aquela em que não há o favorecimento de uma apli-
cação em detrimento de outra (WU, 2013). A neutralidade da rede pode
ser melhor definida como um princípio de projeto de redes. A ideia é a de
que uma rede de informação pública útil aspira tratar todos os conteúdos,
sites e plataformas de forma igual (WU, [s.d.]). Isso significa, por exemplo,
que um pacote transportando conteúdos de uma ligação por voz não pode
ser transmitido mais lentamente que um pacote de mesmo tamanho con-
tendo informações de um e-mail. Nos estudos de redes de computadores,
a neutralidade tem por ancestral o princípio fim a fim. Segundo Kurose
e Ross (2013) esse princípio afirma que, visto ser dado certo que certas
funcionalidades – detecção de erro, por exemplo – devem ser executadas
fim a fim, funções colocadas nos camadas mais baixas da Internet podem
ser redundantes ou adicionar pouco valor em comparação ao custo de
implementá-las em uma camada mais alta. Ou seja, em uma rede de uso
geral, como a Internet, funções específicas das aplicações devem estar nos
dispositivos terminais da rede ao invés de nos nós intermediários, como
roteadores e repetidores (WU, [s.d.]).
Dentre os temas debatidos no campo da governança da Internet, o con-
ceito de neutralidade da rede tem causado polêmica no Brasil e em outros
países e por isso tem cada vez mais atraído a atenção da opinião pública
internacional. De um lado, provedores de conteúdo e comunidade técnica
defendem o modelo de neutralidade, de outro lado, empresas de teleco
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municações vislumbram formas de maximizar seus lucros por meio da
cobrança de vias rápidas – fast lanes, em inglês – para o tráfego de dados,
ou por meio de outros artifícios que beneficiam ou prejudicam certo tipo,
origem ou destino de tráfego de dados em detrimento dos demais.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 433
Apesar desse cenário de disputa, a Lei nº 12.965, conhecida como Marco
Civil da Internet, está em vigor desde 2014 e garante no Brasil a neutra-
lidade da rede na Internet (BRASIL. Lei 12.965, 2014, Art. 3º, IV). Estão
previstos alguns casos em que a discriminação e a degradação de tráfego
podem ser executadas pelo provedor de conexão a Internet, porém estes
são tratados como uma exceção.
De acordo com Ramneek et al. (2015), uma lei aceitável para a neutra-
lidade da rede deve ser uma combinação objetiva de aspectos políticos
e técnicos, enquanto leva em consideração o mínimo de requisitos de
qualidade de experiência do usuário final. Dentro desse contexto, duas
questões são relevantes para este artigo:
I. como fiscalizar ou verificar tecnicamente se a neutralidade da rede
tem sido cumprida pelos provedores;
II. a ocorrência de discriminação de tráfego apenas nos casos previstos
pelo Marco Civil da Internet.
Se no Brasil não há estudos publicados relativos a esse tema, em outros
países a questão da medição da neutralidade da rede é tratada de maneira
parcial e fragmentada por meio de um conjunto de iniciativas não coor-
denadas entre si.
Esse texto está estruturado em quatro seções. Na primeira seção é apre-
sentada um pouco da discussão sobre a neutralidade da rede, inclusive
no contexto do Marco Civil da Internet. A segunda seção é dedicada às
métricas de rede enquanto a terceira seção apresenta algumas ferramentas
que se propõem a medir a neutralidade da rede. Por fim, na seção quatro são
apresentadas algumas considerações sobre os desafios para fiscalizar tecni-
camente a neutralidade da rede de acordo com o Marco Civil da Internet.
NEUTRALIDADE DA REDE NO CONTEXTO
DO MARCO CIVIL DA INTERNET
A neutralidade da rede é um tema que tem sido debatido desde o início
dos anos 2000 e continua envolto em muita polêmica. Existem diversas
definições para ela, sendo uma dentre elas:
A neutralidade é um princípio que está no cerne do funcionamento da
Internet e estabelece tratamento isonômico ao tráfego de pacotes de dados na
Internet, não fazendo distinção de acordo com conteúdo, origem e destino,
serviço, terminal ou aplicação, sendo que a Internet apenas transportará os
pacotes de dados, deixando para o usuário final as decisões em relação ao
tipo de uso que fará e aos dados que acessará. (SANTOS, 2016)

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