Filosofia do Direito e Noções de Política

AutorJosé Antônio Ribeiro De Oliveira Silva
Ocupação do AutorJuiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto (15ª Região)
Páginas139-203

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3.1. Filosofia do direito

Como já se afirmou no capítulo anterior, a ciência do Direito é una, embora, em seu estudo, proceda-se à sua ramificação, para fins didáticos e para que se possa bem compreender a interdisciplinaridade com outros ramos do conhecimento humano, com os quais mantém estreitíssima relação. Dentre estes, ganham foro de destaque a Filosofia e a Sociologia. Neste capítulo serão abordados os temas mais importantes acerca da Filosofia Jurídica — inclusive no que concerne à relação entre o Direito e a política —, não havendo espaço nesta obra para uma análise apurada dos aspectos da Sociologia e sua conexão com o Direito.

Com efeito, o Direito é um fenômeno multidimensional, manifestando-se em três dimensões básicas — fato, valor e norma —, como bem demonstra a teoria tridimensional do Direito, tema ao qual já se fez referência no Capítulo 1. É certo que se torna mais acessível ao intelecto submeter a compreensão dessas três dimensões a compartimentos específicos, razão pela qual a Teoria Geral do Direito procede a um estudo dogmático do Direito, entendido como conjunto de normas, analisando apenas sua estrutura básica e o seu funcionamento; à Sociologia Jurídica cabe a análise dos fenômenos sociais e de suas interações com o mundo jurídico; de modo a restar, para a Filosofia do Direito, o estudo da dimensão valorativa do Direito, especialmente no que toca à análise da temática da justiça.

Norberto Bobbio176 observa que os três problemas fundamentais de que se ocupa e sempre se ocupou a Filosofia do Direito coincidem com os planos de justiça,

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validade e eficácia da norma jurídica. “O problema da justiça dá lugar a todas aquelas investigações que visam a elucidar os valores supremos a que tende o Direito, em outras palavras, os fins sociais”, vale dizer, a finalidade do Direito. “Nasce daí a filosofia do direito como teoria da justiça”. De outra parte, o problema da validade “constitui o núcleo das investigações que pretendem determinar em que consiste o direito enquanto regra obrigatória e coativa, quais são as características peculiares do ordenamento jurídico que o distinguem dos outros ordenamentos normativos (como o moral)”, ou seja, “não os fins que devem ser realizados, mas os meios cogitados para realizar esses fins”. Nesse aspecto, “nasce a filosofia do direito como teoria geral do direito”. Por fim, o problema da eficácia conduz o filósofo “ao terreno da aplicação das normas jurídicas, que é o terreno dos comportamentos efetivos dos homens que vivem em sociedade, dos seus interesses contrastantes, das ações e reações frente à autoridade, dando lugar às investigações em torno da vida do direito”. Trata-se de indagações de caráter histórico e sociológico, nas quais se busca analisar a origem, o desenvolvimento, a modificação das normas. “Daí nasce aquele aspecto da filosofia do direito que conflui para a sociologia jurídica” (destaques no original).

Miguel Reale177, o maior jusfilósofo brasileiro, assevera que o termo “Filosofia do Direito” pode ser empregado de duas maneiras: a) “em acepção lata, abrangente de todas as formas de indagação sobre o valor e a função das normas que governam a vida social no sentido do justo”; ou b) “em acepção estrita, para indicar o estudo metódico dos pressupostos ou condições da experiência jurídica considerada em sua unidade sistemática”. E explica que a Filosofia do Direito corresponde, no sentido lato, ao pensamento filosófico da realidade jurídica desde a Antiguidade Clássica, ou seja, desde que surgiu a Filosofia, no Ocidente ou no Oriente, até o surgimento da Filosofia do Direito como disciplina autônoma, no séc. XIX. A partir da contribuição de Kant, a Filosofia jurídica, em sentido estrito, começa a adquirir a sua configuração contemporânea, com inspiração no seu criticismo, “com o qual se esboça a passagem do estudo do Direito Natural para o estudo da Filosofia do Direito propriamente dita” (destaques no original). Em suma, é a partir da correlação entre o conceito de Direito e o fato jurídico concreto — esboçada por Kant — “que o problema filosófico-jurídico começa a ser situado segundo bases próprias”.

No que concerne à amplitude da temática filosófica que o fenômeno jurídico proporciona, Reale178, em sua teoria tridimensional, propugna pela compreensão do Direito em toda a sua integralidade, ou seja, como fato, valor e norma. De modo

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que essas três questões básicas são as que, na realidade, preocupam os filósofos do Direito. E finaliza o conceituado filósofo apontando que:

(...) os temas ou assuntos fundamentais da Filosofia do Direito referem-se ao conceito de Direito, à ideia de Justiça e à respectiva integração no plano histórico, suscitando-se estas perguntas fundamentais: — Como se determina conceitualmente o Direito? Como se concebe idealmente a Justiça? Como essas exigências de ordem lógica e ética se concretizam na ordem social e histórica do Direito Positivo? (destaques no original)

Destarte, nos próximos itens serão examinados o conceito de Direito e a sua finalidade — com uma abordagem das correntes do pensamento jurídico —, bem como a ideia de justiça, inclusive com a análise imprescindível a respeito da interpretação e aplicação do Direito, em sua concepção clássica e, principalmente, na investigação de métodos de interpretação que superem o puro raciocínio lógico-dedutivo. Ao final do capítulo, a apreciação da relação entre Direito e política, tema que melhor se acomoda no campo da Filosofia do que na dogmática jurídica. E, como já se afirmou, a análise do fenômeno jurídico sob o prisma social e histórico diz mais respeito à Sociologia Jurídica, tema que foge ao estudo desta obra.

3.2. Em busca do conceito de direito

No primeiro capítulo foi apresentada uma breve noção do que é o Direito, sendo que neste passo se torna necessária uma investigação mais aprofundada, a qual é melhor desenvolvida no campo da Filosofia do Direito, havendo inúmeros estudos indagando sobre a questão complexa e que encontra respostas tão paradoxais: o que é o Direito? Esta questão envolve, por óbvio, a relacionada à função do Direito na sociedade, vale dizer, qual é a finalidade do Direito?

Definir o que é o Direito é uma das questões mais complexas do conhecimento humano, sendo que não apenas o Direito, mas a Filosofia, a Sociologia e tantas outras disciplinas buscam, incessantemente, uma definição que seja completa e convincente.

Para responder à pergunta “O que é o Direito?”, Hart179 analisou três questões recorrentes: 1ª) como difere o Direito de ordens baseadas em ameaças (de um assaltante ou de um soberano) e como se relaciona com estas?; 2ª) como difere a obrigação jurídica do dever moral (e da ideia de justiça) e como está relacionada com este?; 3ª) o que são normas (jurídicas) e em que medida elas são os elementos

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essenciais do Direito? Para o conceituado autor, “é possível isolar e caracterizar um conjunto central de elementos que formam uma parte comum da resposta às três questões” postas a exame.

Desenvolvendo essa temática, o autor citado chega às seguintes conclusões:

  1. ) o Direito não é uma ordem fundada em ameaças — após a longa análise empreendida nos capítulos II, III e IV, o autor constata que “o modelo simples do direito como um conjunto de ordens coercitivas do soberano não reproduz, em vários aspectos fundamentais, algumas das principais características dos sistemas jurídicos”, pelos seguintes motivos: 1º) “conquanto a lei penal — que proíbe ou impõe determinados atos sob ameaça de punição — dentre todas as formas do direito”, seja, de fato, “a que mais se pareça com as ordens apoiadas por ameaças dadas por uma pessoa a outras, ela difere dessas ordens sob o aspecto importante de que normalmente se aplica também àqueles que a editam, e não apenas a terceiros”; 2º) “há outros tipos de lei ou modalidades do direito, especialmente as que outorgam poderes jurídicos para exarar decisões ou legislar (poderes públicos) ou para criar ou modificar relações...

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