Filosofia do Direito Previdenciário

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas159-171

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O ponto mais alto da perquirição científica de qualquer conhecimento humano, o objetivo a ser alcançado pelo melhor do esforço intelectual - planta baixa de toda a ciência - são os fundamentos filosóficos referentes à matéria. Eles condensam a mais íntima das razões e se constituem em norte do pensador sábio.

Em nenhum outro sítio, a previdência social mais se aproxima do Direito Previdenciário e, com mais razão, se impõe a distintiva entre ambos, mas, seguramente, neste domínio, o compromisso em alcançar a verdade é positivo indicador dos caminhos a serem trilhados.

291. Prolegômenos iniciais - Sistematizada e doutrinariamente, pouco foi escrito sobre a filosofia da previdência social (habitat magnífico para a discussão de ideias) e, consequentemente, sobre a do Direito Previdenciário. No entanto, ela impregna a concepção de ideólogos, influencia a análise de estudiosos, fundamenta o parecer de especialistas, inspira o projeto de autoridades e ilustra os comentários e juízos de técnicos.

Em muitos casos, sem o titular se dar conta disso, calca o seu raciocínio em deduções com a intenção de aprofundar o pensamento sobre a razão de ser das coisas. Algumas vezes, em questiúnculas, envolvendo interesses difusos ou concretos de pouca expressão, os exercentes da norma jurídica servem-se de reflexões profundas, descuidados da natureza filosófica do instrumental utilizado.

Sem ser fonte formal de Direito, comumente confundida com a Política ou a Sociologia, tem participação na idealização científica. Dá-se exemplo com o servir-se da previdência social para resolver problemas do Direito do Trabalho, concretamente fazer o auxílio-doença substituir o seguro-desemprego inexistente ou ineficiente, misturando dois benefícios insitamente previdenciários, detentores de papéis distintos. No caso, só a visão filosófica (o melhor para todos) indica a solução ideal.

Tem importância refletir sobre os pontos fundamentais da técnica estudada: eles formulam o ordenamento científico-jurídico e ensejam ao elaborador da norma, e, nas hipóteses válidas ao aplicador, atendendo à finalística da instituição, a possibilidade de solucionar problemas.

Com isso, por exemplo, tentar impedir a supremacia do econômico sobre o social, ou seja, no exame do fato pré-jurídico operado pelo legislador da norma e, da lei, ou feito pelo intérprete, o interesse social deve posicionar-se acima do econômico (a despeito do papel das forças de produção) e evitar a ênfase do político sobre o científico, isto é, a postura pragmática, os ditames sociológicos suplantarem os fatos sociais.

A ciência protetiva deflagra procedimentos a serem perseguidos, prestando-se estes últimos à consecução dos resultados colimados. Se possível, contornar a manifesta preferência do jurídico pelo técnico, vale dizer, ela almeja a liberdade da pessoa humana individualmente avaliada. Não quer a desagregação da família nem da sociedade. Confrontadas as instituições, enfatiza a previdência social em detrimento do Direito Previdenciário. Apenas instrumento, o ramo jurídico não é razão suficiente.

a) noções de Filosofia: Não é fácil fornecer, em curto espaço, um conceito de Filosofia. Seu alcance fenomenológico é de amplitude significativa no conhecimento humano. Uma de suas instigantes tarefas consiste exatamente em tentar explicar-se.

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Marilena Chauí ("Convite à Filosofia", p. 17) faz esforço nesse sentido. Sustenta não ser religião, arte, sociologia, política, história, "mas reflexão crítica sobre os procedimentos e conceitos científicos". Aduz: "Conhecimento do conhecimento e da ação humanos, conhecimento da transformação temporal dos princípios do saber e do agir, conhecimento da mudança das normas do real ou dos seres, a Filosofia não sabe que está na História e que possui uma História".

Sua utilidade é destacada: "Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então, podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes" (ob. cit., p. 18).

Em suma, para ela, parece ser a "decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana, jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido" (ibidem, p. 12). Em relação ao ser da técnica e da formalidade, o dever-ser.

b) a Filosofia no Direito: A lógica é magnífico instrumento da Filosofia a serviço do Direito. Coopera não só na preparação da norma, sua feitura final, mas, principalmente, na aplicação e (em especial) na interpretação, quando a inteligência e exata compreensão das coisas sobressaem como esforço intelectual relevante.

Fornece ao jurista os tijolos do edifício do pensamento normativo, conforme os princípios estabelecidos. Os conceitos de raciocínio, entre outros, de proposição, silogismo e conclusão, são elaboradores da lógica e da Filosofia. Dá-se exemplo com o comuníssimo a contrario sensu: quando, num conjunto de possibilidades estão compreendidas apenas duas situações possíveis (a mulher estar ou não grávida), se a lei define o direito da gestante ao salário-maternidade, seguramente a mulher não gestante não faz jus ao benefício.

c) conceito filosófico de seguridade social: Conceituar filosoficamente a seguridade social consiste em perquiri-la como experiência humana protetiva, estabelecer-lhe a função social, vale dizer, fixar-lhe o papel e alcance - tudo isso num determinante espectro técnico e histórico e, então, sem os grilhões do direito positivo ou de políticas diretivas momentâneas. Nesse sentido, põe-se como farol, iluminando os caminhos.

Não é atribuição da previdência social, seu principal meio de realização, quando define as prestações de pagamento continuado substituidoras da remuneração, anarquizar a ordem social estabelecida pelos salários. Quem, na atividade, ganha pouco, não pode aposentar-se com muito; quem subsiste com muito não deve fazê-lo com pouco na inatividade.

Faz parte da discussão, neste domínio, saber se a aposentadoria, em melhores condições, se integra na decisão de adesão à instituição quando da posse e exercício do servidor civil e militar. Da mesma forma, apurar a extensão do seu empenho em promover a distribuição de rendas. São exemplos claros da necessidade de se determinar o seu objetivo, e isso é esforço filosófico.

A falta dessa reflexão traz consigo dificuldades de toda ordem, começando pela elaboração dos projetos de lei, quando do encaminhamento legislativo, sua aplicação no dia a dia e interpretação pelo Poder Judiciário. Dá-se exemplo: se a prestação tem papel substituidor (e tem), não podem ser concedidos dois benefícios em razão do mesmo emprego ou salário.

Os fins da seguridade social indicam sua natureza íntima: proteção ao indivíduo em circunstâncias adequadas à realidade social, o potencial econômico do país, a capacidade de poupança do seu povo e a disposição do empresário de privar-se momentaneamente de recursos necessários aos investimentos.

Ideias não coincidentes com as diretrizes da previdência social e, de certa forma, próximas da assistência social. Não desprezam sua origem histórica (a previdência social, solução precedente), isto é, ensejar a manutenção dos incapazes de angariar os meios pelo trabalho ou em outras situações então definidas, e ter o direito subjetivo não condicionado às concepções de filiação ou de inscrição.

d) objetivos da seguridade social: Salvo na hipótese de se pretender tê-la representada por suas três diferentes vertentes constitucionais (previdência, assistência e saúde) - posição de alguns previdenciaristas -, a seguridade social não tem objetivos, pois, per se, não é meio protetivo, desmaterializada na forma de programa e propósito governamental e carta constitucional de intenções.

Além dos próprios instrumentais, o seu fito reduz-se a integrar esses três componentes e nada mais.

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Concebida em seu verdadeiro significado doutrinário, o de técnica securitária avançada em relação à previdência social e, então, com razões próprias clarificadas, será preciso estruturá-la conforme essa natureza; claro, utilizando-se de praticamente todos os institutos conhecidos, subordinados a juízos distintos, ainda inalcançados. Dá-se exemplo com sua máxima filosófica e escopo principal: contribuição, conforme a capacidade do indivíduo e benefício, segundo suas necessidades.

Sob o ponto de vista da participação do segurado, se inexistente, tem-se como assistenciária; o custeio pessoal não prevalece, a despeito de a relação jurídica ser plena e oferecer direito subjetivo constitucional às prestações. Todos cooperam na medida de sua potencialidade de consumidores. A clientela é ilimitada, abarcando a população por inteiro, sem distinção, desfeitas as elucubrações tradicionais de filiação ou inscrição, arredadas a observância de técnicas atuariais, como carência ou regimes financeiros tradicionais. O plano de prestações depende exclusivamente da economia do País e mede-se pelas imprescindibilidades habituais da pessoa humana.

e) conceito filosófico de Direito Previdenciário: A concepção filosófica do Direito Previdenciário não é muito diferente da técnica por ele regulada e usualmente tida como: ramo jurídico idealizador e disciplinador da previdência social. Mas, mesmo assim, é preciso ressaltar sua incumbência estrita, aliás, nessa linha de raciocínio, bastante distorcida. Tem prevalecido sobre ela, quando deveria ser ao contrário.

Não é sua atribuição programar as tendências (mas, apenas, apreendê-las)...

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