Filosofia jurídica: Democracia e populismo: uma palestra lisboeta

AutorLuiz Fernando Coelho
CargoJusfilósofo e professor de direito
Páginas46-53
46 REVISTA BONIJURIS I ANO 33 I EDIÇÃO 668 I FEV/MAR 2021
DOUTRINA JURÍDICA
Luiz Fernando Coelho JUSFILÓSOFO E PROFESSOR DE DIREITO
DEMOCRACIA E POPULISMO: UMA
PALESTRA LISBOETA
I
COMO IDEOLOGIA, O SISTEMA DEMOCRÁTICO É UM CONJUNTO
DE IDEIAS E VALORES. COMO INSTITUIÇÃO, ENGENDRA-SE NA
FILOSOFIA. AMBOS CONVERGEM PARA A DEMAGOGIA
Afilosofia política tem tratado da socie-
dade segundo duas visões em oposição:
de um lado, a concepção positivista,
que a vê como aglomerado de indiví-
duos convivendo em harmonia para a
realização de interesses comuns, a sociedade
da ordem e do progresso; de outro, uma visão
crítica, que a define como conjunto de grupos
em luta pelo poder, a sociedade do conflito e dos
movimentos sociais para a libertação de indi-
víduos e grupos. Respeitadas as ideologias que
a mantém coesa, as lutas de ambos os lados al-
mejam a instituição de uma organização social
justa, igualitária e solidária, isenta de conflitos e
fronteiras ideológicas.
Deve-se levar em conta que a contemporanei-
dade está muito longe da realização da utopia,
desta e das demais engendradas pela filosofia
política. Inobstante, gerou-se um consenso glo-
bal acerca dos valores que devem nortear as po-
líticas públicas, dentro das fronteiras nacionais
e no âmbito das relações internacionais: a pre-
servação dos direitos humanos, a proteção da
natureza e a democracia. São valores constru-
ídos no decurso da história que hoje parecem
definitivamente incorporados à consciência da
humanidade. Entre todos avulta a democracia,
cujo conceito envolve dois aspectos: ideologia e
instituição.
Como ideologia, é um conjunto difuso de
ideias e valores elaborados ao longo da história
do mundo ocidental desde a antiguidade grega,
com seu significado etimológico de “governo
do povo”. Platão considerava três formas de
governo da cidade-estado: a aristocracia, única
aceitável, que é o governo dos sábios; a timo-
cracia, governo dos guerreiros; e a democracia,
governo dos produtores. Para ele, timocracia e
democracia conduzem à ambição dos detento-
res do poder e não propiciam a felicidade geral.
Em Aristóteles, o governo pode ser exercido de
três formas: como monarquia, governo de um;
aristocracia, governo de um grupo; e democra-
cia, governo de todos. Essas modalidades de
governo são todas boas, desde que o poder seja
exercido para o bem comum, em proveito de to-
dos. Quando o inverso ocorre, isto é, o exercício
do poder em benecio de quem o detém e em
detrimento da maioria, aquelas formas se cor-
rompem e degeneram em tirania, oligarquia e
demagogia, respectivamente. Essa distinção
nunca desapareceu da filosofia política.

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