O Direito e a filosofia política da liberdade em Hayek

AutorRodrigo Mendes de Sá
CargoBacharel em Relações Internacionais pela UnB, Graduando em Direito pela UnB

Friedrich August von Hayek (1899 - 1992), economista austríaco, destacou-se por ter sido um dos principais pensadores liberais do século XX. Ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1974, ao lado do sueco Gunnar Myrdal, Hayek deu grande contribuição não só à área econômica, mas também aos campos da filosofia política e do direito, em que teve produção intensa. Destacam-se, entre outras obras, The Road to Serfdom (1944) ou O Caminho da Servidão nas várias edições brasileiras, The Constitution of Liberty (1960) ou Os Fundamentos da Liberdade na versão brasileira (1983) e Law, Legislation and Liberty (trilogia publicada entre 1973 e 1979), cuja tradução é Direito Legislação e Liberdade (1985). Nelas, o autor expõe os principais fundamentos de uma ordem política, econômica e social baseada na liberdade.

Mas, apesar da importância e da grande atualidade de muitas de suas idéias, o pensamento de Hayek é pouco conhecido nos meios acadêmicos brasileiros. Assim, este artigo busca, ainda que de forma resumida, estabelecer alguns dos principais pontos da doutrina hayekiana da liberdade, com ênfase na suas idéias sobre o direito.

A razão humana, suas limitações e a justificativa da liberdade

Ao buscar compreender a idéia de direito na obra de F. A. Hayek, é necessário partir de um plano mais amplo, fundado inicialmente na sua concepção de racionalidade da ordem econômica. Dentro dessa construção, o conhecimento e a informação têm papel central. Com base nesses elementos, ele argumenta que, se possuíssemos todas as informações relevantes e o completo conhecimento dos meios disponíveis para tomar decisões, tudo seria uma simples questão de lógica.1 No entanto, os seres humanos possuem limitações cognitivas. Ou seja, nenhuma mente possui todo o conhecimento relevante para construir uma ordem totalmente racional. Assim, o conhecimento e as informações estão em grande parte dispersos pela sociedade, entre os indivíduos. Cada um deles possui um fragmento incompleto, sem sentido isoladamente.2 Por isso, o autor defende a cooperação e a competição interindividual por meio de mecanismos impessoais como a melhor forma de se utilizar os dados disponíveis.3

A partir dessa visão de ordem econômica, Hayek inicia a construção da sua idéia de direito em Law, Legislation and Liberty (vol. 1, Rules and Order, 1973), criticando a visão moderna de ordem social, que ele denomina "racionalismo construtivista". Segundo essa concepção, a ordem social humana é completamente racional, sendo que as instituições servirão aos seus propósitos apenas quando deliberadamente designadas para tal. Isso significa que todas as ações humanas têm que ser guiadas por propósitos inteiramente conhecidos. No entanto, esse tipo de ordem racional exigiria o conhecimento completo de todos os fatos particulares que a constituem. Trata-se de algo impossível para qualquer ser humano. 4

Em contraponto a essa idéia excessivamente racionalista, Hayek propõe que se construam instituições adaptadas à impossibilidade de se conhecer conscientemente todos os fatos da ordem social. Nesse contexto, a cooperação entre os indivíduos seria fundamental, permitindo a melhor utilização das informações parciais diluídas entre os indivíduos, o que garantiria maior progresso e liberdade.

Além disso, o autor critica fortemente a confiança cega nos poderes da ciência. Isso porque nem todo conhecimento que não é científico é necessariamente irrelevante. Na verdade, boa parte do conhecimento disperso pela sociedade não tem esse caráter sistemático, organizado. Boa parte do nosso conhecimento tem origem na experiência passada. E essa é justamente uma das razões por que Hayek é tão cético em relação a ordenamentos totalmente racionais, fruto da visão cartesiana que predomina atualmente.5

Ainda em relação à idéia de ordenamento e às limitações cognitivas dos seres humanos, o autor argumenta que a mente humana é resultado das condições naturais e sociais em que o homem vive. Ou seja, trata-se de uma complexa interação, marcada não somente pela razão, mas sobretudo pela observância, disseminação, transmissão e aperfeiçoamento de práticas que prevaleceram por haver aumentado as chances de sobrevivência do grupo de que o indivíduo faz parte. É o que ele denomina "learning from experience" (aprender a partir da experiência).6 Além disso, Hayek salienta também que a evolução de costumes, hábitos e práticas não segue nenhum propósito pré-definido. Acerca dos resultados do processo evolutivo, ele diz que nunca seremos capazes de conhecer seus resultados no presente e prevê-los no futuro. 7

Com base nessas idéias, Hayek constrói sua argumentação em favor da liberdade. E a liberdade individual justifica-se essencialmente em função do reconhecimento da inevitável ignorância de todos os homens no que diz respeito à maioria dos fatores dos quais depende a realização dos nossos objetivos e do nosso bem-estar. (HAYEK, 1983, p. 26 - 7). Dessa forma, a liberdade individual é um poderoso instrumento que o homem possui para lidar com a sua própria ignorância, uma vez que os indivíduos, por meio da cooperação e da livre concorrência, poderão potencializar os resultados de seus esforços.8

E é justamente baseado nessa justificativa que o economista austríaco critica com grande ênfase os regimes totalitários de esquerda e de direita, além de ser bastante cético em relação a qualquer espécie de centralização econômica e política. Tais regimes, segundo ele, tendem a restringir e a desrespeitar a esfera da liberdade individual, dando margem ao surgimento de regimes autoritários e opressores. E isso acaba impedindo a manifestação criativa das pessoas para solucionar seus próprios problemas da melhor maneira possível.

O direito e a ordem liberal

Vistos os aspectos mais relevantes do pensamento de Hayek sobre a relação entre a razão humana e a ordem social e econômica, podemos analisar seu entendimento a respeito da idéia de direito. O primeiro ponto é que o direito como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT