O fim da contribuição sindical obrigatória: A crônica de uma morte anunciada

AutorLuiz Eduardo Gunther
Páginas206-215

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1. Introdução

Nas últimas duas décadas, no Brasil, falou-se muito, nas mídias, nas escolas, nos tribunais, nas ruas, sobre a necessidade de reformas: política, tributária, previdenciária e trabalhista.

A expressão reforma sempre foi utilizada com sentido ambíguo. Para os liberais, tratava-se de reduzir o papel do Estado para aumentar a liberdade do mercado. Para aqueles mais progressistas, ou esquerdistas, o objetivo era melhorar as condições dos trabalhadores, especialmente sob a proteção do Estado.

A palavra reforma, no dicionário, significa mudança, modificação; mas, principalmente, forma nova, constituindo, na prática, sentido paradoxal, pois o objetivo maior das grandes empresas sempre foi flexibilizar, reduzir, retirar. Tal aspiração empresarial acabou sendo contemplada, pelo menos com a denominada “reforma trabalhista”, na Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017.

Nessa lei, uma das alterações mais significativas deu-se com o fim da contribuição sindical obrigatória, que passa, agora, a ser facultativa.

O que impressiona, nesse aspecto, é que justamente essa lei atribuiu maior responsabilidade aos sindicatos dos trabalhadores, especialmente na tarefa de garantir que, em algumas circunstâncias, o negociado possa se sobrepor ao legislado, e, ainda, seja “fiscal” da prestação de contas que o empregador deseje fazer ao empregado. Nesse último caso, usa-se a expressão “termo de quitação anual de obrigações trabalhistas perante o sindicato dos empregados da categoria”.

Como farão os sindicatos dos trabalhadores para sobreviver sem o recebimento da contribuição sindical obrigatória? Como será implementada a chamada “voluntariedade” nesses pagamentos? De quais outras receitas os sindicatos obreiros poderão lançar mão para fazerem frente às despesas de manutenção das entidades?

A nova lei cuidou de proibir, considerando objeto ilícito, a cobrança ou desconto salarial, em convenção ou acordo, sem a expressa e prévia anuência do trabalhador.

Desse modo, a própria contribuição assistencial, que era, validamente, reconhecida, pelo menos quanto aos associados, pelos resultados da negociação coletiva, em tese, não poderá mais ser cobrada sem autorização expressa (até dos associados).

A questão recorrente, no entanto, sempre foi essa: não seria fundamental a extinção da contribuição sindical compulsória para o crescimento e a democratização dos sindicatos?

Essas reflexões direcionam-se à pesquisa das razões pelas quais objetivou-se extinguir, de forma tão abrupta, a exigência da contribuição sindical obrigatória.

2. Primeiro o registro do fim

Antes de estudar o histórico do surgimento, desenvolvimento e manutenção da contribuição sindical obrigatória, é importante apresentar o atestado de óbito dessa importante receita dos sindicatos.

Lembrando Machado de Assis, em seu “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, que inicia seu romance no dia de seu próprio enterro2, assim também este texto começa pelo fim.

Quando a Lei n. 13.467 passar a vigorar, no penúltimo mês deste ano de 20173, haverá um enterro simbólico da contribuição sindical obrigatória. A partir de então, segundo os artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da nova lei, as contribuições devidas aos sindicatos dos trabalhadores (aqui fala-se, especialmente, da contribuição sindical) para que sejam descontadas, pelos empregadores, das folhas de pagamentos dos empregados, devem ser devidamente autorizadas.

Questiona-se a oportunidade dessa mudança legal na forma de obtenção da principal receita sindical, que a era a contribuição sindical obrigatória, transformando-a em voluntária. Quais as razões pelas quais se tornou facultativa?

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Para enfraquecer os sindicatos dos trabalhadores? Para reduzir a quantidade de sindicatos existentes?

Na dicção de Mauricio Godinho Delgado, essa transformação diminui, severamente, o custeio das entidades sindicais, ao eliminar, de pronto, “sem qualquer período mínimo de transição, a antiga contribuição sindical obrigatória, oriunda da década de 1940, originalmente apeli-dada de imposto sindical”4. Segundo esse autor, dentro desse mesmo assunto, a reforma trabalhista não trata da necessária regulação da contribuição assistencial/negocial (também conhecida pelo epíteto de “cláusula de solidarie-dade”), “que é inerente ao custeio sindical em decorrência da celebração dos documentos coletivos negociados (CCTs e ACTs)”5.

Observe-se que no inciso IV do art. 8º da Constituição consta que a assembleia geral fixará a contribuição (que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha) para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva6. Está se falando, aí, da denominada contribuição confederativa, que, para o Supremo Tribunal Federal7, só pode ser descontada dos associados. A última linha desse dispositivo, porém, contém a afirmação «independentemente da contribuição prevista em lei». Essa contribuição prevista em lei é a contribuição sindical.

Tanto a contribuição confederativa quanto a contribuição sindical encontram respaldo na Constituição da República Federativa do Brasil. Questionável, portanto, que a reforma trabalhista, além de exigir a prévia e expressa autorização para esses descontos, considere o recolhimento objeto ilícito, porque suprime ou reduz a liberdade de associação profissional do trabalhador qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, “sem sua expressa e prévia anuência”8.

Ao examinar casos concretos envolvendo situações como a descrita anteriormente, o Comitê de Liberdade Sindical, com a aprovação do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho, decidiu, no seu verbete 808:

Contribuições especiais - de acordo com os princípios da liberdade sindical, as convenções coletivas deveriam poder prever um sistema de dedução das contribuições sindicais, sem ingerência das autoridades.9

Por outro lado, deve-se indagar: se as duas contribuições, confederativa e sindical, têm assento constitucional, por que não poderiam ser objetivo de negociação coletiva quanto às suas cobranças?

Há quem entenda que “não pode a assembleia geral criar obrigações patrimoniais aos empregados ou às empresas automaticamente”10. Segundo esse pensamento:

Toda e qualquer obrigação pecuniária ou patrimonial somente poderia ser levada a efeito (desconto em folha ou emissão de boleto ou qualquer outra forma de cobrança) desde que ocorra a prévia e expressa anuência de quem vai pagar, seja empregado ou empregador.11

Conforme assevera Homero Batista Mateus da Silva, há assento constitucional para a contribuição sindical no art. 149 da CF, “o que justifica a impossibilidade de o projeto de lei do governo federal simplesmente eliminá-la”12; registra, esse mesmo estudioso, também, que talvez o governo não tivesse maioria parlamentar para alterar a Constituição Federal, por isso não apresentou “uma proposta de emenda constitucional, que fosse diretamente ao art. 149 ou ao art. 8º, VI da CF, e se empregou uma forma engenhosa para solapar as bases da contribuição: ela passou a ser facultativa”13.

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Nessa mesma direção, Francisco Meton Marques de Lima e Francisco Péricles Rodrigues Marques de Lima consideram que em virtude de sua previsão constitucional, a contribuição sindical não poderia ser removida por lei, nem tornada facultativa “pois é um tributo e não há tributo facultativo. Assim, a lei incorre em flagrante inconstitucionalidade”14. Esses mesmos autores, ao reforçarem a afirmação de que a contribuição sindical tem natureza jurídica tributária, de acordo com o que está previsto na Constituição (art. 8º, IV, c/c art. 149) e no Código Tributário Nacional, trazem acórdãos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que corroboram esse entendimento. Trata-se do Agravo Regimental no Recurso Especial 496.456-RS, do STF, com data de publicação de 24.05.2013 e do RO 204.528-2010-5020 do TRT2, com data de publicação de 24.05.201315.

A natureza tributária da contribuição sindical “paira acima de qualquer dúvida, consoante disposição do art. 582 da CLT”, segundo José Augusto Rodrigues Pinto16. Para esse autor, os dispositivos consolidados que lhe dizem respeito estão em vigor, “recepcionados pela Constituição Federal, que manteve a própria contribuição”17.

Também conhecida pela denominação de imposto sindical, a contribuição sindical constitui a mais importante fonte de custeio das organizações sindicais, na dicção de José Cairo Júnior. Assevera, ainda, que por se tratar de um tributo, observou-se “o princípio da reserva legal e foi instituído por um Decreto-lei, mais precisamente pelos arts. 578 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho18.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre a constitucionalidade desse tributo, conforme o seguinte julgado:

A recepção pela ordem constitucional vigente da contribuição sindical compulsória, prevista no art. 578, CLT, e exigível de todos os integrantes da categoria, independentemente de sua filiação ao sindicato, resulta do art. 8º, IV, in fine, da Constituição; não obsta à recepção a proclamação, no caput do art. 8º, do princípio da liberdade sindical, que há de ser compreendido a partir dos termos em que a Lei Fundamental a positivou, nos quais a unicidade (art. 8º, II) e a própria contribuição sindical de natureza tributária (art. 8º, IV) - marcas características do modelo corporativista resistente-, dão a medida da sua relativi-dade (cf. MI 144, Pertence, RTJ 147/868, 874); nem impede a recepção questionada a falta da lei complementar prevista no art. 146, III, CF, à qual alude o art. 149, à vista do disposto no art. 34, § 3º e § 4º, das Disposições Transitórias (cf. RE 146.733, Moreira Alves, RTJ 146/684, 694).19

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