O Fim do Passe - Criação da Cláusula Indenizatória Desportiva e da Cláusula Compensatória Desportiva. O Atleta Profissional e o Atleta não Profissional. A Remuneração do Atleta. Direito de Imagem e Direito de Arena. Luvas. Bichos. Salário 'In Natura'. Registro Desportivo. Entidade Formadora e Passaporte Desportivo. O Menor Desportista em Formação. Competência e Questões Relativas a Transferências. Direitos Econômicos e Direitos Federativos. O Pré-Contrato. Os Partícipes das Transferências: Atleta; Clube e Intermediários

AutorMarcos Ulhoa Dani
Páginas49-111
Transferências e Registros de Atletas Prossionais de Futebol
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Capítulo 3
O Fim do Passe — Criação da Cláusula
Indenizatória Desportiva e da Cláusula
Compensatória Desportiva. O Atleta
Prossional e o Atleta não Prossional. A
Remuneração do Atleta. Direito de Imagem
e Direito de Arena. Luvas. Bichos. Salário
“In Natura”. Registro Desportivo. Entidade
Formadora e Passaporte Desportivo. O Menor
Desportista em Formação. Competência e
Questões Relativas a Transferências. Direitos
Econômicos e Direitos Federativos. O Pré-
-Contrato. Os Partícipes das Transferências:
Atleta, Clube e Intermediários
3.1. O m do passe — Criação da cláusula indenizatória desportiva e
da cláusula compensatória desportiva
O chamado “Passe” não mais existe no ordenamento pátrio. A conceituação e
aplicação do instituto deu-se pela existência da Lei n. 6.354/1976 e da Resolução
n. 10/1986 do Conselho Nacional de Desportos. A abalizada doutrina nacional con-
ceituou bem a gura jurídica do “Passe”:
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Marcos Ulhoa Dani.
“[...] Passe é a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do
atleta durante a vigência do contrato ou depois do seu término, reparadora
dos investimentos efetuados na formação do atleta partícipe da transação.(50)
Ou seja, havia dois vínculos entre atletas e clubes: o primeiro ligado ao contrato de
trabalho desportivo, considerado de índole trabalhista, e o Passe, de índole desportiva.
A extinção legislativa do Passe iniciou-se pela edição da Lei n. 8.762/1993 (Lei Zico),
em muito inuenciada pela impossibilidade da dissolução do vínculo esportivo entre
o atleta e a entidade de prática desportiva sem o pagamento do valor do Passe. Assim,
na época em que vigorava, mesmo que houvesse o término do contrato de trabalho
desportivo, o atleta ainda continuava vinculado à agremiação detentora de seu Passe
e, assim, impedido de exercer livremente a sua prossão sem o pagamento do valor
do Passe por outra agremiação, o que detinha um claro viés obstativo do seu direito
constitucional ao trabalho (art. 6o, da CRFB-1988). Se o atleta não fosse negociado ao
m de seu contrato, não havia como o jogador participar de outra disputa desportiva
por outra agremiação, sem o pagamento do valor do Passe, mesmo que outro clube
estivesse interessado em seu futebol. Percebia-se, claramente, uma “coisicação” do
trabalho do atleta prossional, colocando-o em uma posição de subserviência à vontade
discricionária patronal, que poderia, potencialmente, deixá-lo em inatividade e sem
rendimentos. O instituto era duramente criticado, como observado pelo Exmo. Ministro
do TST Guilherme Augusto Caputo Bastos, que nos explica as raízes europeias de
inconformidade com o “Passe”:
Alvos de duras e incessantes críticas, a Lei do Passe promovia, a bem dizer
uma espécie de escravização do atleta. [...] Embora inconteste a nocividade
da prática do regime de passe no futebol brasileiro, foi em solo europeu,
no famoso caso do jogador belga Jean-Marc Bosman, no início dos anos
1990, que o Poder Judiciário manifestou-se desfavoravelmente à sua adoção.
Após o encerramento de seu contrato com o clube belga FC Liège, o atleta
decidiu transferir-se para o clube francês Dunquerque. Buscando evitar
nova contratação, o clube belga xou em € 600.000,00 (seiscentos mil eu-
ros) o passe para sua liberação, o que, efetivamente, frustrou a transação.
Inconformado, o jogador moveu ação em face de seu ex-clube perante a
Justiça belga, que decidiu em seu favor, possibilitando-o de transferir-se
para outro time sem o pagamento do valor do passe. Esgotadas todas as
instâncias recursais da Justiça belga, o LC Liège houve por bem levar o caso
ao Tribunal de Justiça da União Europeia, que, em decisão inédita, nos idos
de 1995, decidiu a favor de Bosman. A partir de então, restou vedada toda e
qualquer restrição às transferências de jogadores entre os clubes pertencentes
à União Europeia.(51)
(50) VEIGA, Maurício de Figueiredo Corrêa da. A evolução do futebol e das normas que o regulamentam: aspectos
trabalhista-desportivos. VEiGA, Mautício de Figueiredo Corrêa da; SOUSA, Fabrício Trindade de. São Paulo:
LTr, 2013. p. 149.
(51) BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Direito desportivo. Brasília: Alumnus, 2014. p. 42-43.
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A derrogação legislativa completa do instituto deu-se pela Lei Pelé (Lei
n. 9.615/1998), em que manteve-se, tão só, a vinculação de índole trabalhista entre o
atleta e a entidade de prática desportiva, desaparecendo o passe. O momento tempo-
ral da extinção denitiva do passe deu-se pela Lei n. 9.981/2000, que destacou que o
disposto no art. 28, § 2o, da Lei n. 8.615/1998 só produziria efeitos jurídicos a partir
de 26 de março de 2001(52).
Em contrapartida, criou-se a chamada cláusula penal desportiva, que deveria
ser paga ao clube detentor do vínculo trabalhista do atleta, em caso de rompimento
antecipado do vínculo. A discussão sobre a referida cláusula penal gerou, durante anos,
controvérsia para se saber se haveria a aplicabilidade da mesma em relação aos atletas.
Em outras palavras, discutia-se, no caso de rompimento antecipado de contrato por
parte da entidade de prática desportiva, se a multa prevista na cláusula penal reverteria
também em benefício do atleta. Após seguidas discussões, entendeu-se que não, preva-
lecendo a cláusula somente em favor da entidade desportiva, no caso de rompimento do
vínculo por parte do jogador. Dessa forma, o entendimento nal da jurisprudência foi
de que o caput do art. 28 da Lei n. 9.615/1998, em sua redação original, ao estabelecer
a cláusula penal para os casos de descumprimento, rompimento ou rescisão contra-
tual, dirigia-se somente contra o atleta prossional. Tal penalidade não se aplicaria às
hipóteses de rescisão indireta ou voluntária e antecipada do contrato de trabalho por
iniciativa do empregador. Conra-se, a respeito, as ementas de acórdãos da SbDI-I do
TST, colhidos no sítio eletrônico daquele Tribunal (www.tst.jus.br):
“RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI N. 11.496/2007.
(...) CLÁUSULA PENAL. LEI N. 9.615/98. RESCISÃO ANTECIPADA DO CONTRATO POR
INICIATIVA DA ENTIDADE DE PRÁTICA DESPORTIVA, ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI
N. 12.395/2011. PENALIDADE OPONÍVEL APENAS AO ATLETA. A colenda SBDI-I desta Corte
superior, interpretando o conteúdo da Lei n. 9.615/98, em especial o disposto nos seus
arts. 28, 31 e 33, com a redação vigente anteriormente às alterações introduzidas pela Lei
n. 12.395/2011, consagrou entendimento, hoje pacicado, no sentido de que a cláusula
penal prevista no art. 28 é oponível exclusivamente ao atleta prossional. Precedentes.
Recurso de embargos conhecido e provido.” (E-ED-RR – 112140-52.2002.5.04.0007, relator
Ministro: Lelio Bentes Corrêa, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de
Publicação: DEJT 24.2.2012)
“RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO EMBARGADO PUBLICADO
SOB A ÉGIDE DA LEI N. 11.496/2007. CLÁUSULA PENAL. LEI PELÉ. RESCISÃO ANTECIPADA
DO CONTRATO POR INICIATIVA DA ENTIDADE DESPORTIVA. INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA
DA NORMA. Esta Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST já se debruçou
sobre a matéria, cuja relevância e complexidade exigiram percuciente estudo, decidindo
no sentido de que a cláusula penal, prevista no art. 28 da Lei n. 9.615/1998, se destina a
indenizar a entidade desportiva, em caso de extinção contratual por iniciativa do empre-
gado, em razão do investimento feito no atleta. Na hipótese de rescisão antecipada do
contrato, por parte do empregador, cabe ao atleta a multa rescisória referida no art. 31
do mesmo diploma legal, na forma estabelecida no art. 479 da CLT. Precedentes da SDI-I/
TST. Recurso de embargos conhecido e não provido. (TST-E-RR-190500-95.2007.5.12.0041,
SBDI-1, rela. Mina. Rosa Maria Weber, DEJT de 23.9.2011)
(52) VEIGA, Maurício de Figueiredo Corrêa da. Op. cit., p. 155.
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