A Finalidade dos Embargos à Execução

AutorGelson Amaro de Souza - Gelson Amaro de Souza Filho
CargoDoutor em Direito Processual Civil (PUC/SP) - Advogado e jornalista
Páginas6-16

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Introdução

Tornou-se corrente nos meios jurídicos a pregação de que os embargos à execução têm como finalidade a anulação do título executivo ou a declaração de inexistência da dívida. No entanto, ao que se pensa, a finalidade dos embargos à execução é outra, nada tendo a ver com a anulação do título ou com o combate à causa subjacente da dívida.

Pretende-se apresentar, nas considerações que vão a seguir, que os embargos do executado ou embargos à execução, como o próprio nome indica, têm por finalidade atacar a execução, impedindo que esta se desenvolva tal como foi proposta. Quando se falar "embargos do executado" estar-se-á referindo à defesa de quem está sendo executado; ao se falar em "embargos à execução" estar-se-á falando de defesa contra a execução. Isto quer dizer que o executado-embar-gante discorda da execução, mas não quer dizer que ele discorda do título executivo e nem mesmo da obrigação estampada no título. Pode o embargante discordar da forma de execução, mas concordar com a dívida e com o título executivo sem atacá-los.

O executado-devedor pode concordar com a existência da dívida e até mesmo com o montante exigido, mas encontrar-se impossibilitado de pagar diretamente ao credor por estar impedido de fazê-lo por determinação judicial (art. 671, I, do CPC).

Não se pode concordar com o pensamento de que os embargos visam atacar o título ou a dívida nele representada. Os embargos à execução são apenas meio defensivo e que não podem conduzir pedido contra o credor exequente. Qualquer ataque ao título ou a negativa de existência da dívida somente pode ser solucionada em ação própria, que no primeiro caso pode ser a ação anulatória ou a declaratória de nulidade e, no segundo, a ação declaratória de inexistência de dívida, que são os meios próprios para tais finalidades, o que não se alcança por medida defensiva como os embargos à execução ou embargos do devedor.

Ainda mais surpreendente é a afirmação de que os embargos à execução podem ter efeito rescisório para rescindir título judicial. O efeito rescisório somente pode ser obtido através de ação própria, com características e requisitos específicos (art. 485 e segs. do CPC), e a anulação do título de crédito ou a declaração de inexistência da dívida, através de ação anulatória ou declaratória respectivamente.

1. Conceito de embargos à execução

Embargar e embaraçar são palavras designativas de formas de dificultar o seguimento de alguma ati-vidade ou ato relacionado a algum tipo de procedimento.

O termo 'embargos' de uma maneira geral, sempre teve a conotação de meio defensivo ou impeditivo. Embargar quer dizer impedir. Embargar a execução nada mais

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é do que pretender impedir a continuidade da execução. Podem os embargos ser utilizados por grande variação na terminologia, tais como obstruir, barrar, obstaculizar a execução, entre outros termos que podem ser utilizados.

Na formatação do artigo 736 do CPC, os embargos são tratados como meio de oposição à execução e, no artigo 827 do Código Civil, aparece como contestação. Também o artigo 542, § 3o, do CPC, ao cuidar da retenção dos recursos extraordinários e especiais extraídos de decisão interlocutória, fala nas modalidades de processo de conhecimento e processo cautelar, para depois acrescentar os embargos à execução, deixando a entender que estes não são processos, o que restaria a hipótese de ser apenas defesa. Mais incisivo é o art. 745, V, do CPC, ao afirmar que o embargante pode aduzir qualquer matéria que lhe seja lícito alegar como defesa em processo de conhecimento, dando a conotação aos embargos de defesa e não de ação.

Levando-se em conta as normas acima mencionadas, podem-se conceituar os embargos como meio de defesa contra a execução, e tão somente contra a execução, pois não se prestam para atacar nem o título executivo e nem o negócio subjacente que dá origem à execução.

A própria lei fala que nos embargos o executado poderá alegar toda a matéria defensiva que lhe seria lícito aduzir no processo de conhecimento (art. 745, V, do CPC), mas só matéria de defesa e não de ataque, como normalmente se faz quando se trata de ação. Com isso, parece estar bem caracterizada a natureza defensiva dos embargos à execução.

2. Natureza dos embargos à execução

No passado a doutrina mais antiga afirmava tratar-se de ação inci-dental proposta pelo executado contra o exequente. No entanto, a tendência moderna é considerar os embargos como meio de defesa, como o fez o Código de Processo Civil nos artigos 736, 738 e 745, V, dando a eles a conotação de meio defensivo. A reforma processual realizada pela Lei 11.232/05, transformando o que era antes embargos à execução de sentença em impugnação ao cumprimento de sentença, alinhou-se à doutrina que antes pregava serem os embargos meio de defesa. Pela reforma imposta pela Lei 11.232/05, o que antes era embargos à execução de sentença passou a ser impugnação ao cumprimento de sentença, assumindo expressamente a condição de defesa contra a execução.

Não se pode negar que esta matéria nunca foi pacífica. Esse tema, natureza jurídica dos embargos do executado, sempre desafiou e continua a desafiar os mais argutos observadores. Nunca faltaram aqueles que afirmam que se trata de ação de conhecimento interposta pelo devedor contra o credor1, de um lado e, de outro, aqueles que sustentam que se trata de defesa do executado contra a execução2. Uma terceira vertente ainda existe, propugnando por uma solução intermediária, entendendo que os embargos são ação apenas no sentido formal e defesa em seu aspecto substancial3.

É necessário que se diga que o assunto pode parecer à primeira vista de menor importância prática. Mas, é bom lembrar que é neste particular que essa importância se realça. Mais do que um simples amor ao academicismo, a análise e o estudo dessa natureza têm grande influência na prática. Isto acontece porque, conforme o entendimento que se der à natureza dos embargos, também haverá de se atribuir efeitos diferentes. Prevalecendo a posição de que se trata de ação, em que o devedor faz pedido contra o autor, a improcedência dos embargos vai implicar a rejeição do pedido e com isso instaura-se a coisa julgada. De outra forma, caso prevaleça a vertente que sustenta se tratarem os embargos de meio de defesa e não de ação em seu contexto substancial, o devedor apenas se defende, apresentando argumentos, arguição e fundamentos, nada pedindo contra o credor, o que impede que a apreciação desses fundamentos faça a coisa julgada material (art. 469 do CPC).

Deste modo, apenas se defendendo e não fazendo pedido contra o credor, o devedor não terá pedido algum para ser julgado e, logo, está afastado do contexto da coisa julgada material. Não enseja, nesta hipótese, a coisa julgada material, pois a matéria utilizada na defesa será apenas como argumento para promover o convencimento do juiz como raciocínio meio para se chegar à conclusão (dispositivo) e, assim sendo, será sempre fundamento (art. 469 do CPC) e, como se sabe, os fundamentos não fazem coisa julgada4, não impedindo que tais questões sejam aviventadas e apreciadas posteriormente em outro processo.

O julgamento dando por improcedente um pedido implica o julgamento e a rejeição do pedido feito pelo autor, e este mesmo pe-

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dido, aliado aos demais elementos da ação, indica que o autor não mais poderá voltar a incluí-lo como obje-to de futura ação. Todavia, quando o juiz, pura e simplesmente, deixa de acolher a alegação defensiva do réu, não está julgando pedido algum, senão apenas conhecendo da fundamentação, que não pode ser alcançada pela coisa julgada material (art. 469 do CPC).

Certo é que o que faz coisa julgada é o julgamento do pedido e não a apreciação de fundamento defensivo. O juiz somente julga o pedido e não o fundamento. O fundamento é apenas conhecido, mas não julgado. Assim, o pedido quando acolhido ou rejeitado será atingido pela coisa julgada material, não mais podendo o autor voltar a fazer a mesma postulação. Caso reconheçam os embargos do executado como verdadeira ação, há de se reconhecer que o embargante faz pedido contra o credor. Todavia, se restar reconhecido que os embargos são apenas tidos como meio defensivo5 e essa defesa for feita através de fundamentos e não de pedido, se aceita ou rejeitada, não implica coisa julgada. Estas e outras questões neste sentido é que serão vistas mais abaixo.

3. Conteúdo dos embargos à execução

A própria lei limita o conteúdo dos embargos aos aspectos meramente defensivos, não permitindo pedido contra o exequente, contendo apenas fundamentos de defesa6. Não pode carregar pedido (ataque) que possa alterar a situação do credor, tal como rescisão de sentença, anulação de título de crédito7, pedido de indenização etc. A defesa do embargante será feita através de fundamentos de fato e de direito que devem ser capazes de afastar ou inibir a execução na forma em que foi proposta, não podendo ir além para pedir a nulidade do título nem a inexistência do crédito alegado8. Nos embargos, não pode o devedor apresentar matéria de ataque contra o credor, porque nada pode exigir do exequente no contexto dos embargos9. Isto porque o exequente não pode ter sua situação arruinada pela execução que propôs10. O título executivo e a causa subjacente continuam após o julgamento dos embargos na mesma situação em que se achavam antes da execução, sem sofrer qualquer alteração11.

Por outro lado, quando se fala em embargos vem logo...

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