A financeirização da economia - décadas de 70-80 - e o impacto no mercado de trabalho

AutorVania Cunha Mattos
Páginas23-49
A FINANCEIRIZAÇÃO DA ECONOMIA — DÉCADAS DE 70-80
E O IMPACTO NO MERCADO DE TRABALHO
Vania Cunha Mattos(*)
“(...) Mas como integrar populações carentes em uma sociedade submetida ao capital financeiro, com os
setores produtivos e mercantis atrofiados? O simples consumo não permite sequer reproduzir o sistema,
quanto mais ampliá-lo. (...)”(1) Maria Sylvia Carvalho Franco
“(...) Sócrates — Pois agora, meu caro Glauco, é só aplicares com toda a exatidão esta imagem da caverna
a tudo o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina, é a luz
do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla, é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou,
antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro.
Quanto a mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a ideia do
bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que conhecida, se nos impõe à razão como a cau-
sa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência
e da verdade no mundo invisível, e sobre o qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com
sabedoria nos negócios particulares e públicos (...)”(2).
“(...) Sócrates — Assim é, com efeito, meu caro amigo: onde quer que verifiques que a condição dos ho-
mens destinados ao poder lhes é preferível ao próprio poder, aí será possível encontrar bom governo. Por-
que só aí governarão os que são realmente ricos, não em ouro, mas em virtude e sabedoria, únicas riquezas
do homem, verdadeiramente feliz. Ao contrário, por toda a parte em que os negócios públicos excitam a
ambição dos mendigos, dos que têm fome dos bens particulares e acreditam que aí encontrarão a ventura
ambicionada, não é possível que haja bom governo. Disputarão, arrancarão com violência a autoridade às
mãos uns dos outros e esta guerra doméstica e intestina acabará por perdê-los e perder o próprio Estado
(...)”(3).
“(...) Sócrates — Pois, a autoridade só se deve confiar aos que não a ambicionam; do contrário a rivalidade
suscitará contendas entre os pretendentes (...)”. Platão, A República.
(*) Presidente — TRT/RS.
(1) FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Visão do Paraíso. Publicado na Folha de São Paulo, A2, de 19.out.2006, quinta-feira.
(2) PLATÃO. A República. São Paulo: Atena, Livro Sétimo, p. 248.
(3) Obra citada, p. 253.
1. INTRODUÇÃO
A escolha do tema implica a visualização da pro-
blemática presente, em que a economia está centrada
muito mais na valorização de ativos do que na esfera
produtiva, e no fato de que o capital acaba gerando
mais capital de forma independente em detrimento
24 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
da esfera produtiva. De outro lado, tento demonstrar
como essa relação repercute dentro do espaço do mer-
cado de trabalho brasileiro, assim como a denomi-
nada “modernização” e reorganização produtiva das
empresas produzem, em verdade, a desestabilização
dos diversos segmentos do mercado de trabalho, com
a precarização do emprego e do trabalho. No entanto,
indico algumas soluções dentro da própria lógica fi-
nanceira que, a partir dos anos oitenta, permeia todo
o processo produtivo do mundo civilizado em relação
a alguns aspectos que podem ser considerados como
preponderantes na esfera, especificamente, de uma
nova legislação em favor do trabalho.
O eminente professor François Chesnais(4) adverte,
no início do capítulo “O capital portador de juros:
Acumulação, internacionalização, Efeitos Econômi-
cos e Políticos”, com relação ao tema:
(...) O mundo contemporâneo apresenta uma
configuração específica do capitalismo, no qual
o capital portador de juros está localizado no
centro das relações econômicas e sociais. As
formas de organização capitalistas mais fa-
cilmente identificáveis permanecem sendo os
grupos industriais transnacionais (sociedades
transnacionais STN), os quais têm por encargo
organizar a produção de bens e serviços, captar
o valor e organizar de maneira direta a domi-
nação política e social do capital em face dos
assalariados. Mas a seu lado, menos visíveis
e menos atentamente analisadas estão as ins-
tituições financeiras bancárias, mas sobretudo
as não bancárias, que são constitutivas de um
capital com traços particulares. Esse capital
busca “fazer dinheiro” sem sair da esfera fi-
nanceira, sob forma de juros de empréstimos,
de dividendos e outros pagamentos recebidos a
título de posse de ações e, enfim de lucros nasci-
dos de especulação bem-sucedida (...).
A esfera financeira dos grandes conglomerados
econômicos quase que suplanta a esfera produtiva no
sentido que há uma valorização “fictícia” do capital
pelo que Dominique Plihon(5) denomina de “financia-
mento baseado em fundos próprios, abandonando o
regime de endividamento, antes vigente”. E sendo que
as “mudanças no plano da empresa — como a prima-
zia do acionista, a queda da participação dos salários
no valor adicionado e a ruptura do elo entre o lucro
e o investimento — tem também implicações macroe-
conômicas importantes, como o aumento da instabili-
dade financeira e a piora na distribuição da renda e
riqueza”.
Observa ainda o renomado autor(6) que “(...) Com
o domínio total dos acionistas, representados pelos
investidores institucionais, os managers são levados a
dar prioridade à rentabilidade financeira da empresa.
Objetivos que antes prevaleciam — como o desenvol-
vimento da produção e do emprego — tornam-se se-
cundários. Daí resulta uma financeirização na gestão
das empresas (...)”.
Os professores Maria da Conceição Tavares e
Luiz Gonzaga Belluzzo(7), no capítulo “A Mundializa-
ção do Capital e da Expansão do Poder Americano”,
sustentam que “(...) Com a nova divisão internacional
do trabalho, facilitada pelo deslocamento das filiais
multi-sourcing, a economia nacional americana se vê
forçada a ampliar o seu grau de abertura comercial e
a gerar um déficit comercial crescente para acomodar
a expansão comercial assimétrica dos países asiáti-
cos produzida em grande parte pela expansão global
do grande capital americano. Esse movimento está na
raiz da ruptura definitiva do sistema de Bretton Woods
e da crescente liberalização financeira imposta pela
potência hegemônica aos demais países a partir da
década de 80 (...)”.
A lucratividade dessa nova formulação econômi-
ca resulta, no que com acuidade identificam os reno-
mados economistas Luciano Coutinho e Luiz Gonzaga
Belluzzo no trabalho “Financeirização da riqueza, in-
flação de ativos e decisões de gastos em economias
abertas”(8), como “(...) características do mercado
financeiro da atualidade: profundidade, assegurada
por transações secundárias em grande escala e fre-
quência, conferindo elevado grau de negociabilidade
(4) A Finança Mundializada. Tradução Rosa Marques e Paulo Nakatani. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 35.
(5) “A economia de fundos próprios: um novo regime de acumulação financeira”, publicado no site:
dominique_plihon.htm1>, p. 11).
(6) Obra citada, p. 6.
(7) O Poder Americano. In: FIORI, José Luís (Org.). Petrópolis: Vozes, 2004. p. 125.
(8) Revista Economia e Sociedade — Revista do Instituto de Economia da UNICAMP, n. 01, ago. de 1992 e também constante no site: .dhnet.
org.br/w3/fsmrn/biblitoteca/48_luciano _coutinho.htm1>. p. 1 e 2.
REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO 25
dos papéis; liquidez e mobilidade, permitindo aos in-
vestidores facilidade de entrada e de saída entre dife-
rentes ativos e segmentos do mercado; volatilidade dos
preços dos ativos resultante das mudanças frequentes
de avaliação dos agentes quanto à evolução do preço
dos papéis (denominadas em moedas distintas, com
taxas de câmbio flutuantes (...)”. E, ainda, acentuam
que “(...) O veloz desenvolvimento de inovações finan-
ceiras nos últimos anos (técnicas de hedge através de
derivativos, técnicas de alavancagem, modelos e al-
goritmos matemáticos para “gestão de riscos”) asso-
ciados à intensa informatização do mercado permitiu
acelerar espantosamente o volume de transações com
prazos cada vez mais curtos. Essas características,
combinadas com a alavancagem baseada em créditos
bancários, explicam o enorme potencial de realimen-
tação dos processos altistas (formação de bolhas),
assim como os riscos de colapso no caso dos movi-
mentos baixistas (...)”.
Nos países centrais do capitalismo foi imple-
mentado um tipo de capitalismo regulado em situação
delimitada do pós-guerra em pelo menos durante três
décadas, em que mitigado em parte o conflito entre o
capital e trabalho. No entanto, houve alteração desse
patamar de desenvolvimento do capitalismo no início
dos anos setenta, quando do desmoronamento do siste-
ma monetário de Bretton Woods(9), com o aquecimento
inflacionário nos Estados Unidos em 1972 e o choque
do petróleo de 1973.
Observo, ainda, durante a fase denominada ex-
cepcional, dentro da lógica capitalista — do pós-guer-
ra até o início dos anos setenta —, que outros fatores
foram determinantes para o estabelecimento de novos
parâmetros entre a dicotomia capital e trabalho.
Nesse período, além da reconstrução dos países
envolvidos na Segunda Guerra Mundial, em especial
os países derrotados como a Alemanha e o Japão, ha-
via ainda a confrontação entre dois sistemas distintos:
capitalismo, liderado pelos Estados Unidos, e socialis-
mo, liderado pela URSS, que emergiram da Segunda
Grande Guerra e na denominada Guerra Fria.
Depois do término da Segunda Guerra Mundial,
em que pesem as ideias emanadas de J. M. Keynes,
em especial sobre a criação de instituições multilate-
rais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvol-
vimento (BIRD), entre outros, como elementos para
determinação de uma nova ordem econômica mundial,
prevaleceu a supremacia americana como fato inques-
tionável, o que transforma esse período em uma era
de livre-comércio e de movimentação de capital e de
moedas estáveis.
Os Estados Unidos detinham, em 1950, em torno
de sessenta por cento do estoque de capital de todos os
países capitalistas avançados, e uma política econômi-
ca americana agressiva foi desenvolvida em recons-
trução e modernização dos países por intermédio do
Plano Marshall(10).
Posteriormente, os chamados trinta anos glorio-
sos (les trente glorieuses), de uma fase única do mun-
do capitalista desenvolvido, com a democratização do
mercado e “num mundo fundado sobre o direito do
trabalho, que tinha como objetivo o pleno emprego e o
crescimento dos salários reais”(11), foram substituídos
pelo colapso do sistema financeiro internacional de
Bretton Woods em 1971, pelo boom de produtos em
1972-73 e pela crise da OPEP de 1973, estabelecendo
uma nova crise no sistema.
O professor Luiz Gonzaga de Mello Beluzzo, em
artigo sobre “ O declínio de Bretton Woods e a emer-
gência dos mercados “globalizados”(12), preleciona:
(...) Os acontecimentos que vêm se manifestan-
do no último quarto de século parecem indicar
que a era keynesiana — os anos dourados do
crescimento capitalista — foi sucedida, desde
o começo dos anos 70, por turbulências e ins-
tabilidades que a história poderá revelar tão
formidáveis quanto as que irromperam nas dé-
cadas de 20 e 30. O fato é que as relações co-
merciais, produtivas, tecnológicas e financeiras
que nasceu do acordo de Bretton Woods e pros-
perou sob a liderança americana, não resistiu
a próprio sucesso. Os Estados Unidos e a sua
economia cumpriram, durante os primeiros vin-
te anos do pós-guerra a função hegemônica que
(9) Conferência realizada em Bretton Woods, em 1944
(10) Plano de recuperação europeia lançado pelos Estados Unidos em 1947.
(11) ALIEZ, E. et al. Os estilhaços do capitalismo. In: Contratempo: ensaios sobre algumas metamorfoses do capital. Rio de Janeiro: Forense —
Universitária,1988 em citação feira por Luiz Gonzaga Belluzzo no artigo “ O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados “globalizados”,
publicado na Revista Economia e Sociedade — Revista do Instituto de Economia da Unicamp, n. 4, p. 12, jun. 1995.
(12) Revista Economia e Sociedade — Revista do Instituto de Economia da Unicamp, n. 4, p. 12, jun. 1995.
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decorria de sua supremacia industrial, financei-
ra, e militar. Sob o manto dessa hegemonia fo-
ram reconstruídas as economias da Europa e do
Japão e criadas as condições para o avanço das
experiências de industrialização na periferia do
capitalismo (...).
2. DA ESFERA FINANCEIRA
O término da Segunda Guerra Mundial estabele-
ce divisor demarcatório no tempo dentro da história do
capitalismo avançado, porquanto, além da emergência
da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a URSS, ha-
via a necessidade de recomposição das economias dos
países centrais do capitalismo, o que restou implemen-
tado sob a liderança dos Estados Unidos.
As ideias que emergiram de Bretton Woods, de-
pois do período dos conflitos mundiais, identificam-se
quase como uma exceção ao sistema capitalista em ge-
ral. E perpassam por esse período, em que ainda não
havia se estabelecido plenamente a hegemonia ame-
ricana, ideias de intervenção do Estado na economia,
sendo inviável o retorno ao denominado livre mercado
e desemprego em massa — emergente desde a Grande
Depressão de 1929 e intensificado no período entre
guerras —, assim como a centralidade da Inglaterra e o
denominado padrão-ouro lastreado pela libra esterlina.
As instituições multilaterais surgidas em Bretton
Woods, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional, foram, no entanto, criadas com poderes
de regulação inferiores ao propugnado por J. M. Key-
nes e Dexter White, representantes, respectivamente,
da Inglaterra e dos Estados Unidos nas negociações
formuladas entre os anos de 1942 e 1944.
As ideias de Keynes eram muito mais desenvol-
vidas do que as ideias que, afinal, prevaleceram em
Bretton Woods, porque abrangiam a criação de um
banco central que atuaria como um banco central dos
demais (Clearing Union), que também emitiria uma
moeda bancária (bankor), que serviria de referência
para as demais moedas nacionais.
O plano de Keynes, como menciona Luiz Gon-
zaga Mello Beluzzo(13) também objetivava estabelecer
uma “(...) distribuição mais equitativa do ônus de ajus-
tamento dos desequilíbrios dos balanços de pagamen-
tos entre deficitários e superavitários. Isso significava,
em verdade, dentro das condicionalidades estabeleci-
das, facilitar o crédito aos países deficitários e pena-
lizar os países superavitários. O propósito de Keynes
era evitar os ajustamentos deflacionários e manter as
economias nacionais na trajetória do pleno emprego
(...)”.
O sistema que prevaleceu, a partir de Bretton
Woods, foi de entrega das funções de “(...) regulação
de liquidez e de emprestador de última instância ao
Federal Reserve. O sistema monetário e de pagamen-
tos que surgiu do acordo de Bretton Woods foi menos
“internacionalista” do que desejariam os que sonha-
vam com uma verdadeira “ordem econômica mundial.
O poder do FMI não é o seu poder excessivo, mas sua
deplorável submissão ao poder e aos interesses dos Es-
tados Unidos”(14).
O sistema que emerge de Bretton Woods, que
propiciou o crescimento e o desenvolvimento, estava
fundamentado nas políticas de estabilização keynesia-
na — arbitragem entre o pleno emprego e a estabili-
dade de preços —, na relação salarial fordista e nas
finanças administradas. A moeda padrão passa a ser o
dólar americano.
A adoção de tais fundamentos, com financia-
mento pelos Estados Unidos pelo Plano Marshall,
propiciou o desenvolvimento e o crescimento, já que,
entre um dos postulados, destacava-se a intervenção
do Estado por meio de investimentos públicos como
forma de compensar as flutuações dos investimentos
privados, aliado a uma baixa taxa de juros e condições
favoráveis para o investimento e o emprego.
Em sua obra A Teoria Geral do Emprego, do Juro
e da Moeda(15), Keynes, em relação ao investimento,
sustenta que “(...) o volume de investimento depende
da relação entre a taxa de juros e a curva da eficiên-
cia marginal do capital correspondente aos diferentes
volumes de investimento corrente, ao passo que a efi-
ciência marginal do capital depende da relação entre
o preço da oferta de um ativo de capital e a sua renda
esperada (...)”.
(13) Revista Economia e Sociedade — Revista do Instituto de Economia da Unicamp, n. 4, p. 13, jun. 1995.
(14) Luiz Gonzaga Belluzzo no artigo O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados “globalizados”, publicado na Revista Economia e So-
ciedade — Revista do Instituto de Economia da Unicamp, n. 4, p. 13, jun. 1995.
(15) KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Trad. Mário R. da Cruz. Revisão técnica de Cláudio Roberto Contador.
São Paulo: Atlas, 1982. Capítulo 12, p. 123.
REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO 27
Conclui o Capítulo 12(16) em que analisa “o estado
da expectativa a longo prazo” sobre o êxito de uma
política monetária orientada no sentido de exercer in-
fluência sobre a taxa de juros:
(...) De minha parte sou, presentemente, algo
cético quanto ao êxito de uma política mera-
mente monetária no sentido de exercer influên-
cia sobre a taxa de juros. Encontrando-se o Es-
tado em situação de poder calcular a eficiência
marginal dos bens de capital a longo prazo e
com base nos interesses gerais da comunida-
de, espero vê-lo assumir uma responsabilidade
cada vez maior na organização direta dos in-
vestimentos, ainda mais considerando-se que,
provavelmente, as flutuações na estimativa do
mercado da eficiência marginal dos diversos ti-
pos de capital, calculada na forma descrita an-
tes, serão demasiado grandes para que se possa
compensá-las por meio de mudanças viáveis
nas taxas de juros (...).
E, ainda, Keynes define a taxa de juros(17) como
sendo “(...) a recompensa da renúncia à liquidez por
um período determinado, pois a taxa de juros não é,
em si, outra coisa senão o inverso da relação existen-
te entre uma soma de dinheiro e o que se pode obter
desistindo, por um período determinado, do poder de
comando da moeda em troca de uma dívida (...).”
O denominado capitalismo regulado, emergente
da Conferência de Bretton Woods, estabelecida a he-
gemonia americana, desdobrou-se até o início dos anos
setenta. O saldo negativo do balanço de pagamentos
americano, a partir do início dos anos setenta, apre-
senta-se como participação cada vez mais importante
do déficit comercial. E, além disso, aliada às pressões
sobre o dólar intensificadas a partir de 1971, foi deter-
minada, por Nixon, a suspensão da conversibilidade
do dólar (conversibilidade do dólar a uma taxa fixa
com o ouro).
O professor Beluzzo(18) refere sobre o tema que:
“(...) os Estados Unidos não foram capazes de susten-
tar a posição do dólar como moeda-padrão, na medi-
da em que uma oferta “excessiva” de dólares brotava
do desequilíbrio crescente do balanço de pagamentos,
agora, sob a pressão de um déficit comercial (...)”.
O peso econômico da economia mundial passa
da economia americana para as economias europeia e
japonesa, visto que os dólares escassos em 1947 emer-
gem para fora dos Estados Unidos de forma acelerada,
especialmente na década de 1960, em decorrência da
tendência americana de financiar o déficit derivado
dos custos com atividades militares (Guerra do Vietnã)
e pelo ambicioso programa de bem-estar social ame-
ricano.
A economia mundial, na era de ouro do capitalis-
mo, continuou a ser mais internacional do que trans-
nacional, já que os países comerciavam uns com os
outros, tornando-se os EUA importador de bens de
consumo a partir da década de 1950.
A partir da década de 1960, começou a surgir uma
economia mundial sem fronteiras determinadas, e em
dado momento do início da década de 1970, como
refere Eric Hobsbawn(19) “(...) uma economia trans-
nacional assim tornou-se uma força global efetiva. E
continuou a crescer, no mínimo mais rapidamente que
antes, durante as Décadas de Crise após 1973 (...)”.
O professor Luiz Gonzaga Belluzzo(20) assinala
que foi sob “(...) o signo da desorganização financei-
ra e monetária que se deu a formidável expansão do
circuito financeiro “internacionalizado”, nos anos 70.
A crise do sistema de regulação de Bretton Woods
permitiu e estimulou o surgimento de operações de
empréstimos/depósitos que escapavam ao controle
dos bancos centrais. A fonte inicial dessas operações
“internacionalizadas” foram certamente os dólares que
excediam a demanda dos agentes econômicos e das
autoridades monetárias estrangeiras (...)”.
O autor Eric Hobsbawn(21), sobre esse tema, sus-
tenta que, em determinado momento da década de
1960, “(...) um pouco de engenhosidade transformou
o velho centro internacional financeiro, a City de Lon-
dres, num grande offshore global, com a invenção da
(16) Obra citada, p. 135.
(17) Obra citada, p. 137.
(18) Luiz Gonzaga Belluzzo no artigo O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados “globalizados”, publicado na Revista Economia e
Sociedade — Revista do Instituto de Economia da Unicamp, n. 4, p. 14, jun. 1995.
(19) HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX — 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 272.
(20) Luiz Gonzaga Belluzzo no artigo O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados “globalizados”, publicado na Revista Economia e
Sociedade — Revista do Instituto de Economia da Unicamp, n. 4, p. 15, jun. 1995.
(21) Obra citada, p. 273.
28 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
“euromoeda”, ou seja, sobretudo os “eurodólares”.
Os dólares depositados em bancos não americanos e
não repatriados, sobretudo para evitar as restrições da
legislação bancária americana tornaram-se um instru-
mento financeiro negociável. Esses dólares em livre
flutuação, acumulando-se em grandes quantidades
graças aos crescentes investimentos americanos no
exterior e aos enormes gastos políticos e militares do
governo dos EUA, se tornaram fundação de um mer-
cado global, sobretudo de empréstimos de curto prazo,
que escapa a qualquer controle: “(...) Os EUA foram o
primeiro país a se ver à mercê dessas vastas e multipli-
cantes enxurradas de capital solto que varriam o globo
de moeda em moeda, em busca de lucros rápidos. To-
dos os governos acabaram sendo vítimas disso, pois
perderam o controle das taxas de câmbio e do volume
de dinheiro em circulação do mundo. Em princípios da
década de 1990, até mesmo a ação conjunta de grandes
bancos centrais revelou-se impotente (...)”.
A economista Maria da Conceição Tavares(22), em
artigo que comenta a retomada da hegemonia norte-a-
mericana, menciona, sobre esse período, que:
(...) a especulação em moeda que se desata de-
pois da ruptura do sistema de paridade fixas,
torna inoperantes os mecanismos de ajusta-
mento monetário do balanço de pagamentos.
Essa nova situação de desequilíbrio mone-
tário e cambial, à qual se agrega o excedente
de petrodólares, permite uma expansão ainda
maior do mercado interbancário. Este escapa
integralmente ao controle do núcleo constituído
pelo oligopólio dos vinte maiores bancos e das
duzentas maiores empresas multinacionais que
tinham Londres como mercado principal. Pro-
duz-se assim uma expansão adicional do circui-
to interbancário a qual iriam juntar-se centenas
de bancos menores das mais diversas procedên-
cias que se abrigam nos mercados Offshore e
nos chamados paraísos fiscais. Os movimentos
especulativos de capitais sempre denominados
em dólar, que dão lugar a um non system, con-
tinuam minando o dólar como moeda reserva,
desestabilizam periodicamente a libra e forta-
lecem o marco e o iene como moedas interna-
cionais. Assim a ordem monetária internacional
caminha rapidamente para o caos, sobretudo
depois do primeiro choque de petrodólares e da
política recessiva americana de 1974 (...).
E, ainda, como assinala Belluzzo(23):
(...) a internacionalização financeira surgida no
final dos 60 expressou-se através da crescente
supremacia da função de meio de financiamen-
to e de pagamento do dólar em relação a sua
função de standard universal. O conflito entre
as duas funções, que devem coexistir pacifica-
mente num sistema monetário estável, chegou
no final dos anos 70 a suscitar ensaios da subs-
tituição do dólar por Direitos Especiais de Sa-
que (criados em 1967) emitidos pelo FMI e las-
treado por uma “cesta de moedas” (...).
No entanto, como também adverte Maria da Con-
ceição Tavares(24) “(...) a decisão do FED de subir uni-
lateralmente as taxas de juros americanas em outubro
de 1979 (antes do segundo choque de petróleo) foi
uma resposta à investida de europeus e japoneses, to-
mada com o propósito de resgatar a supremacia do dó-
lar como moeda de reserva (...)”. E isso resulta em uma
crise de liquidez para os devedores do Terceiro Mundo
com a irremediável constatação de impossibilidade de
reforma da ordem econômica de Bretton Woods.
Assinala Maria da Conceição Tavares(25), ainda,
que: “(...) O processo de mundialização do capital
comandado pelos EUA, através da liberalização co-
mercial e financeira e do investimento direto, avançou
rapidamente a partir da década de 80 e terminou abar-
cando a velha Ásia ressurgente. Essa última etapa, a
da globalização financeira, ocorreu junto com o maior
e mais duradouro ciclo de crescimento da economia
americana no pós-guerra enquanto se reduz o ritmo de
expansão dos demais parceiros da Tríade (Japão e Ale-
manha) e a periferia endividada entra em crise (...).”
(22) A Retomada da Hegemonia Norte-Americana, inserta na obra Poder e Dinheiro: Uma economia política da globalização. In: TAVARES, Maria da
Conceição; FIORI, José Luís (Orgs.). Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. p. 32-3.
(23) Luiz Gonzaga Belluzzo no artigo O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados “globalizados”, publicado na Revista Economia e So-
ciedade — Revista do Instituto de Economia da Unicamp, n. 4, p. 15, jun. 1995.
(24) TAVARES, Maria da Conceição. O Poder Americano. In: FIORI, José Luís (Org.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. p. 125.
(25) Obra citada, p. 126.
REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO 29
Com a denominada ruptura “sistêmica da década
de 70”, afirma Maria da Conceição Tavares(26) que:
(...) a acumulação “de ativos financeiros ga-
nhou na maioria dos países status permanente
de gestão da riqueza capitalista e o rentismo se
ampliou de forma generalizada. Aceleram-se as
mutações na composição da riqueza social do
mundo capitalista e acentuaram-se as assime-
trias de crescimento entre países e distribuição
de renda interclasses. (...) O patrimônio típico
de uma família de renda média passou a incluir
ativos financeiros em proporção crescente,
além dos imóveis e bens duráveis, o que altera
substancialmente a distribuição de renda entre
salários e rendas provenientes de ativos finan-
ceiros (...)”.
E é nesse ambiente de instabilidade financeira,
conforme adverte o Professor Belluzzo(27), “(...) que a
“descentralização” do sistema monetário internacional
que ocorrem as transformações financeiras conhecidas
pelas designações genéricas de globalização, desregu-
lamentação e securitização (...)”.
E, ainda, conclui sobre esse aspecto — crise do
sistema internacionalizado de crédito aliado ao enfra-
quecimento do dólar — com o argumento “(...) que
a evolução da crise do sistema de crédito internacio-
nalizado e as respostas dos Estados Unidos no enfra-
quecimento do papel do dólar criaram as condições
para o surgimento de novas formas de intermediação
financeira e para o desenvolvimento de uma segunda
etapa de globalização. Esse processo de transforma-
ções na esfera financeira pode ser entendido como a
generalização e a supremacia dos mercados de capitais
em substituição à dominância anterior do sistema de
crédito comandado pelos bancos (...)”.
No que se refere ao Brasil, os anos oitenta foram
classificados como “a década perdida”, em que reve-
lado um quadro de crise profunda.
A análise feita sobre o Brasil do final da déca-
da de setenta pelos ilustres economistas Luiz Gonza-
ga Belluzzo e Júlio Gomes de Almeida(28) revela que:
“(...) o país ingressou decididamente num regime de
financiamento Ponzi, ou seja numa etapa do processo
de endividamento em que a tomada de novos créditos
decorreu das necessidades de cobrir o serviço da dí-
vida passada. Naturalmente essa situação de extrema
fragilidade financeira sugeria graves consequências
para a economia caso viesse a ocorrer um choque ex-
terno. O ano de 1979 marca o início do fim do padrão
de financiamento externo que sustentou, por mais de
uma década, o crescimento e o precário regime de bai-
xa inflação na América Latina (...)”.
É certo que a elevação das taxas de juros norte-
-americanas e o reajuste dos preços do petróleo entre
outubro e novembro de 1979 ocasionaram o que os
professores Belluzzo e Gomes de Almeida(29) explici-
tam como “(...) a) a ampliação da vulnerabilidade do
balanço de pagamentos, por conta do aumento das des-
pesas com o pagamento de juros e dos maiores gastos
com a importação de petróleo; b) um novo “choque de
preços”, que iria transmitir os seus efeitos pelos meca-
nismos de indexação que já contaminavam de forma
generalizada a economia brasileira (...)”.
Ao longo dos anos oitenta houve muitas tentati-
vas de estabilização da moeda dos países periféricos
sem êxito, no entanto, como advertem Belluzzo e Go-
mes de Almeida(30) “(...) pela incapacidade dos Esta-
dos nacionais da periferia, não só de compatibilizar o
ajustamento do balanço de pagamentos e a reordena-
ção das finanças públicas, mas também de enfrentar
a resistência à mudança dos grupos enriquecidos da
sociedade. Essa crise das economias latino-americanas
foi, sobretudo, uma crise da soberania do Estado,
ameaçada em uma de suas prerrogativas fundamen-
tais, a de gerir a moeda (...)”. (grifo meu)
A concentração dos riscos no Estado garantiu o po-
der de compra de riqueza financeira, no caso do Brasil,
o que advém como consequência, e que os professores
Belluzzo e Gomes de Almeida(31) definem como a mais
importante, “(...) é que, ao tentar evitar o colapso do
(26) Obra citada, p. 126.
(27) Luiz Gonzaga Belluzzo no artigo O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados “globalizados”, publicado na Revista Economia e So-
ciedade — Revista do Instituto de Economia da Unicamp, n. 4, p. 16, jun. 1995.
(28) BELLUZO, Luiz Gonzaga; ALMEIDA, Júlio Gomes de. Depois da Queda — A economia brasileira da crise da dívida aos impasses do Real. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 10-11.
(29) Obra citada, p. 11.
(30) Obra citada, p. 17.
(31) Obra citada, p. 18.
30 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
sistema monetário pela emissão de um ativo garanti-
do contra as oscilações do poder de compra, o Estado
determinou a polarização das expectativas privadas. O
ativo protegido desperta as atenções do mercado, sua
demanda é satisfeita por oferta correspondente, sua re-
muneração se eleva, maior é o seu poder de atração
como reserva de valor. A economia não explode num
desastre hiper-inflacionário, mas começa a apodrecer
no rentismo e no hábito da indexação (...)”.
A professora Maria Alejandra Caporale Madi(32)
identifica nesse período a crise do Estado em relação
às inovações financeiras públicas:
(...) A liquidez da riqueza financeira consti-
tuiu a contrapartida da crise do padrão de fi-
nanciamento da economia brasileira ao longo
da década de 80. A política do ajuste externo
e o fracasso dos sucessivos planos de estabili-
zação aprofundaram a incerteza, reduzindo o
horizonte de cálculo empresarial e induzindo
comportamentos defensivo-especulativos que
se traduziram numa demanda crescente por
quase-moedas. No limite, a liquidez dos títulos
transacionados obscureceu a distinção entre
moeda-transação e aplicação financeira, com
impactos sobre a política monetária (...).
E adverte ainda a ilustre professora do Instituto
de Economia da UNICAMP(33) sobre as inovações fi-
nanceiras na forma de “quase-moedas” emergentes do
final da década de 1980:
(...) No final da década de 80, o sistema finan-
ceiro herdara, inovações financeiras na forma
de quase-moedas que garantiam a rolagem dos
títulos da dívida pública e atendiam à demanda
de liquidez dos agentes econômicos num quadro
de estagflação. O papel ativo do BACEN na ex-
pansão das quase-moedas subordinava, de for-
ma crescente, a gestão monetária através das
operações de mercado aberto e do endivida-
mento de curto prazo do setor público. Os deter-
minantes do processo criador de quase-moedas
no âmbito do setor público, ao longo da década
de 80, obedeceram fundamentalmente, à neces-
sidade de financiamento do setor público e/ou
rolagem diária da dívida junto ao setor finan-
ceiro, e levaram ao aperfeiçoamento gradativo
das quase-moedas, na forma moeda indexada.
As inovações financeiras públicas, portanto, re-
fletiram as necessidades de refinanciamento da
dívida pública de curto prazo (...).
Observo, por oportuno, que se destacava entre
as inovações financeiras nas operações de mercado
aberto e os seus impactos sobre as reservas bancárias,
o mecanismo denominado de acordo de “recompra”
em razão da falta de comprador final para os títulos
públicos. Tal mecanismo como adverte a professora
Maria Alejandra Caporale Madi(34), “(...) caracteriza
a colocação dos títulos da dívida pública no merca-
do com o compromisso de recomprá-los dentro de um
prazo previamente acordado. Em novembro de 1979,
o BACEN autorizou que as liquidações financeiras
das operações de compra e venda de títulos públicos
fossem feitas diretamente na conta reservas bancárias,
no mesmo dia da operação. A decisão transformou os
títulos públicos em substitutos quase perfeitos para
as reservas bancárias. A negociação dos títulos em
circulação no mercado passou a afetar diretamente a
conta reservas bancárias, sem que o BACEN partici-
passe das operações (...)”.
Entendo que esses aspectos, ressaltados pelos
ilustres professores, são preponderantes no que diz
respeito ao tipo de economia incentivada no país, a
partir desses postulados, primordialmente especula-
tivos, assim como agravada a crise de soberania do
Estado pela incapacidade de gerenciamento da moeda.
E, ainda, a criação de mecanismos de financia-
mento do próprio Estado, mediante a emissão de “qua-
se-moedas”, sem o gerenciamento do Banco Central
como emprestador de última instância, implica estí-
mulo de atração do capital especulativo e, como tal,
volátil, aliado às altas de juros ofertadas.
E, por fim, a valorização financeira do capital as-
sim como o comportamento da taxa de juros e de câm-
bio derivam da evidente expansão das quase-moedas e
das estratégias especulativas dos agentes econômicos.
(32) MADI, Maria Alejandra Caporale. Política Monetária no Brasil: Uma Interpretação Pós-Keynesiana. Tese de Doutorado em: Universidade Estadual
de Campinas, novembro de 1993.
(33) Idem.
(34) Obra citada, p. 110-1.
REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO 31
Com uma tal política nesse período não há maior
possibilidade de previsão, mesmo de longo prazo, de
estratégia pautada pelo desenvolvimento estrutural do
país em grande escala. E tal conclusão deriva da cons-
tatação da ampla mobilidade do capital financeiro em
busca das melhores oportunidades de repetição e acu-
mulação, graças aos múltiplos recursos da informá-
tica e da denominada globalização financeira, assim
como pela capacidade de gerar muito mais lucro sem
a interveniência dos complexos problemas emergentes
da esfera produtiva, especialmente aqueles que dizem
respeito às relações de trabalho.
3. DA INVASÃO DA FINANCEIRIZAÇÃO
ECONÔMICA NA LEGISLAÇÃO E NA ESFE-
RA DO TRABALHO
3.1. Algumas hipóteses. Jurisprudência
Ao tempo da Ditadura Militar — 31 de março de
1964 até novembro de 1985, com a eleição de Tancre-
do de Almeida Neves —, o país passou por uma série
de transformações profundas que impuseram de forma
não democrática uma nova conformação de um tipo de
nação que se desenvolveria a partir desses parâmetros.
Ressalto, por primordial, para efeito de análise
de mercado de trabalho, que se estabeleceu a partir de
então que, com a introdução do sistema de Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), houve quebra
da estabilidade decenal inserta na Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT) desde a sua promulgação e
implementação em 1º de maio de 1943.
O art. 492 da CLT previa, de forma expressa,
como tipo de categoria diferenciada, a do empregado
estável como sendo aquele que detivesse 10 (dez) anos
de serviço na mesma empresa, não podendo ser des-
pedido a não ser na hipótese de prática de falta grave,
ou em caso de ocorrência de força maior, devidamente
comprovadas em ação judicial.
A jurisprudência em larga medida naquela épo-
ca(35) já fixara o período de nove anos como o denomi-
nado período suspeito para efeito de reconhecimento
da estabilidade de empregado despedido às vésperas
de aquisição do direito, como forma importante de
obstaculizar as fraudes patronais, que pretendiam o
arredamento do direito à estabilidade. Essa visão da
jurisprudência trabalhista impediu que os empregado-
res fraudassem a lei e impossibilitassem a aquisição do
direito, assim como, com tal orientação, não só havia
o reconhecimento de despedida de empregado estável
como o direito à reintegração ao emprego ou indeniza-
ção em dobro, nos termos da lei.
Entendo que já se evidenciava muito antes da al-
teração legislativa, que aniquilou com a regulação da
estabilidade da CLT, a visualização de que tal siste-
ma impedia, ou mesmo impossibilitava, as rescisões
de contratos de trabalho sem maiores formalidades e
custos, assim como, em tese, a criação de novos em-
pregos.
O sistema do FGTS, quando da sua criação, de-
veria ter equivalência econômica e jurídica com a
sistemática da garantia de estabilidade da CLT, mas
acabou por plasmar verdadeira socialização dos custos
das rescisões de contratos de trabalho de empregados
estáveis, assim como implementou ampla rotatividade
de mão de obra no país. Não foram poucos os doutri-
nadores do Direito de Trabalho que, em interpretação
restrita, defenderam a nova forma de valorização do
tempo de serviço prestado ao mesmo empregador ou
empresa, talvez apostando em uma identidade econô-
mica e financeira das duas formas de indenização, o
que efetivamente não se verificou.
A equivalência do sistema do FGTS com o da es-
tabilidade da CLT, por força de interpretação jurispru-
dencial, foi configurada como meramente jurídica(36),
o que afasta alguma conclusão sobre equivalência eco-
nômica entre os dois sistemas.
Em síntese, teoricamente, pela nova sistemática
de aferição do tempo de serviço do empregado, gera-
da pelo FGTS, deveria corresponder ao mesmo valor
econômico acaso o empregado estável fosse despedido
sem justa causa pelo sistema da CLT.
Nesse sentido, o valor que deveria constar em
conta vinculada de empregado optante deveria ser
idêntico àquele que perceberia acaso fosse declarado
empregado estável, ou mesmo não estável — indeni-
zação simples —, o que, na prática, jamais foi con-
cretizado. Não foi por outra razão que as discussões
no âmbito da Justiça do Trabalho estancaram com a
(35) Súmula n. 26 do TST: “Presume-se obstativa à estabilidade a despedida, sem justo motivo, do empregado que alcançar nove anos de serviço na
empresa.”
(36) Súmula n. 98 do TST: “FGTS — INDENIZAÇÃO — EQUIVALÊNCIA. A equivalência entre os regimes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
e da estabilidade da Consolidação das Leis do Trabalho é meramente jurídica e não econômica, sendo indevidos quaisquer valores a título de reposição de
diferença.” (Resol. Adm. n. 57, de 28.05.1980, DJ 06.06.1980).
32 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
adoção da jurisprudência majoritária do Tribunal Su-
perior do Trabalho (TST) de configuração de mera
“equivalência jurídica” e não econômica, o que sig-
nifica conceito técnico, mas sem substrato econômico
e prático. Àquela altura já se vislumbrava opção clara
pelo capital em detrimento do trabalho.
Não foi por outra razão que a regulamentação
do FGTS acabou com o regime obrigatório a partir
da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988(37),
em que a opção — já antes coercitiva, mas com um
mínimo de manifestação de vontade —, pelo menos
para os empregados com mais de um ano de serviço
e não optantes, foi dispensada, com base em norma
constitucional.
A referida alteração substancial do regime da es-
tabilidade da CLT, em termos de contrato individual
de trabalho, traduz a prerrogativa, dos empregadores e
empresas em geral, de livre rescisão dos contratos de
trabalho sem maiores formalidades, com o pagamento
de parcelas rescisórias, além da liberação do FGTS,
com a multa de 10% calculada sobre o saldo da conta
vinculada(38). A elevação da multa de 10% para 40%
somente foi implementada a partir da Constituição Fe-
deral de 05 de outubro de 1988(39), quando já em vigor
o sistema por mais de vinte anos.
Não é difícil constatar que, depois dos mais
diferentes planos econômicos das últimas décadas,
foram introduzidos no Brasil, desde o denominado
Plano Cruzado, em 28 de fevereiro de 1986, até o Pla-
no Real, de 1994 da atualidade, que os denominados
depósitos em conta vinculada dos empregados, que
formavam um expressivo montante de recursos, ti-
veram inúmeras desvalorizações e perderam o poder
de compra em face da inflação e das reiteradas des-
valorizações da moeda nacional. Para ficar somente
em um exemplo dessa situação, no denominado Plano
Collor I, a inflação medida até 15 de março de 1990 de
84,32%, extinta por Medida Provisória em 16 de mar-
ço do mesmo ano, deixou de ser repassada não só para
efeito de reajuste dos salários como também para os
depósitos das cadernetas de poupança e para as contas
vinculadas do FGTS, o que evidencia a enorme des-
proporção entre o ajuste do capital e do trabalho, em
detrimento do patrimônio dos trabalhadores.
De outra parte, cabia ao Banco Nacional da Ha-
bitação (BNH), à época, gerir o montante das contas
vinculadas do sistema do FGTS(40), mediante plane-
jamento elaborado e normas gerais expedidas pelo
Conselho Curador(41), o que, na prática, caracterizou
o desvio dos recursos para a construção de habitações
destinadas às camadas mais favorecidas da população
brasileira ao invés de habitações populares, conforme
o projeto original.
Em matéria de reajuste de salários, os sucessivos
planos econômicos vigentes no país nos últimos vin-
te anos — desde o Plano Cruzado até o Plano Real
— foram, em grande medida, interferência do Poder
Executivo em área de competência exclusiva do Po-
der Legislativo — por meio de Medidas Provisórias(42)
—, sem que houvesse, nos termos da Constituição Fe-
deral, relevância ou urgência, assim como constatada
inexistência de uma política real de salários.
A edição reiterada de Medidas Provisórias pelo
Poder Executivo, em áreas impeditivas e expressa-
mente previstas pela Constituição Federal(43), é expres-
são de invasão injustificada de um Poder sobre o outro,
rompida a clássica independência entre os poderes na
visão estruturalista e filosófica de Montesquieu.
Por outro lado, tal dispositivo, inserto na Cons-
tituição Federal de 05 de outubro de 1988, está mais
próximo de uma visão de um sistema de governo par-
lamentarista do que o sistema presidencialista que, afi-
nal, foi a opção da população brasileira em razão do
objeto de plebiscito(44), efetivado em 07 de setembro
de 1993.
Analisando-se exclusivamente o denominado Pla-
no Collor I, resultante de edição da Medida Provisória
(37) Art. 7º, III, da CF de 05 de outubro de 1988.
(38) Sistema do FGTS — art. 6º da Lei n. 5.107, de 13 de setembro de 1966, DOU de 14.09.1966 e art. 22 do Regulamento do FGTS — Decreto n. 59.820,
de 20.12.1966, DOU de 27.12.1966.
(39) Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 10.
(40) Arts. 12 e 13 da Lei n. 5.107/1966 e arts. 39 e 40 do Regulamento do FGTS.
(41) Conselho Curador constituído pelo Presidente do BNH, um representante do Ministério do Trabalho e Previdência Social; um representante do
Ministério Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica; um representante das categorias econômicas; um representante das categorias
profissionais, conforme o art. 40 do Regulamento do FGTS.
(42) Art. 62 da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 32/2001.
(43) Art. 62 e parágrafos.
(44) Art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO 33
n. 154, de 15 de março de 1990, que posteriormente foi
produziu alteração na Lei n. 7.788, de 03 de julho de
1989, que assegurava o reajuste mensal dos salários
para os trabalhadores que percebessem até três salários
mínimos, calculados pelo Índice de Preços ao Consu-
midor (IPC) do mês anterior, como também firmava o
reajuste fixado nas datas-base de cada categoria(46), a
prevalência evidente do capital sobre o trabalho.
Naquela oportunidade, o Índice de Preços ao
Consumidor — IPC de março de 1990, calculado com
base na média dos preços apurados entre 15 de feve-
reiro e 15 de março de 1990(47) — foi de 84,32%, como
de conhecimento público à época. O IPC de abril do
mesmo ano foi medido no índice de 44,82%.
A partir da aludida Medida Provisória n. 154, de
15 de março de 1990, houve congelamento de preços e
salários, o que, no entanto, não invalida o IPC auferido
de março de 1990, que reflete a inflação já incorporada
entre o período de 15 de fevereiro a 15 de março de
1990, a qual foi suprimida pela referida Medida Provi-
sória, ainda que já incidente.
O Poder Executivo daquele período investiu con-
tra direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos e tentou
impedir a ação do Poder Judiciário, com base no ar-
gumento simplista de que o denominado Plano Collor
I e sua posterior reformulação — Plano Collor II —,
refletiam a única forma de salvação nacional.
Na obra Depois da Queda — A economia bra-
sileira da crise da dívida aos impasses do Real, os
professores Luiz Gonzaga Belluzzo e Júlio Gomes de
Almeida(48) identificam, no Plano Econômico do início
do governo Collor(49), que se perfectibiliza depois de
muita expectativa da sociedade sobre os rumos eco-
nômicos do país naquela época de inflação acentuada,
como um plano muito acima das previsões anterior-
mente formuladas. Referem os autores que o referi-
do plano é “(...) muito mais drástico e radical do que
todas as previsões faziam supor. Apoiava-se em uma
reforma monetária e um bloqueio das aplicações fi-
nanceiras, mas pretendia ir muito além (...)”.
O Plano Collor I alterou a forma de reajuste dos
salários — indexação mensal —, de acordo com a evo-
lução do custo de vida pelo índice prefigurado pelo
governo, também com periodicidade mensal. Naquele
período, os salários foram ainda reajustados em março
pela inflação incidente em fevereiro, mas houve a su-
pressão do índice de março (84,32%) pela nova regra.
No entanto, havia outras metas fixadas pelo Plano
Collor I, como destacam os professores Luiz Gonzaga
Belluzzo e Júlio Gomes de Almeida(50) sobre os funda-
mentos do plano:
(...) No câmbio, instituiu-se o “câmbio livre”
ou o “câmbio comercial” para suceder as mi-
nidesvalorizações” fixadas pelo governo, uma
sistemática que vigorou por mais de vinte anos.
Na área do setor público, o governo adotou di-
versas medidas: a Reforma Administrativa, de
fato um programa de demissões de funcionários
(a meta era afastar 320 mil servidores), venda
de ativos da União (como imóveis funcionais
e veículos), fechamento de órgãos e empresas,
além de um programa de privatização com o
qual pretendia arrecadar US$ 1 bilhão já no
ano de 1990.
Na área fiscal, as medidas objetivaram ampliar
a incidência do imposto de renda (sobre seto-
res como agrícola e exportador), reduzir gastos
e investimentos do setor público, extinguir in-
centivos fiscais e proibir o anonimato em ope-
rações financeiras para combater a “economia
informal” à margem da tributação (...).
E, ainda, o plano criou um imposto sobre os sal-
dos da riqueza financeira, excluídos os depósitos da
poupança e os à vista de certo valor mínimo, além
do congelamento de preços, com data retroativa a 13
de março e, também, a reforma monetária, em que o
padrão monetário voltou a se denominar cruzeiro em
substituição ao cruzado novo, vigente desde janeiro de
1989.
(45) Suplemento LTr, ano XXVI, n. 48, p. 250-51, 1990.
(46) Art. 2º da Lei n. 7.789/1989 — “Os salários dos trabalhadores que percebam até 3 (três) salários mínimos mensais serão reajustados mensalmente pelo
índice de Preços ao Consumidor — IPC do mês anterior, assegurado também o reajuste de que trata o art. 4º, § 1º, desta Lei”.
(47) Art. 10 da Lei n. 7.730, de 31 de janeiro de 1989 — DOU de 1º de fevereiro de 1989.
(48) BELLUZO, Luiz Gonzaga; ALMEIDA, Júlio Gomes de. Depois da Queda — A economia brasileira da crise da dívida aos impasses do Real. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 285-6.
(49) Em 16 de março de 1990, num contexto de feriado bancário decretado pelo governo entre os dias 13 e 19 de março de 1990.
(50) Obra citada, p. 285.
34 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
Os resultados dos Planos Collor I e II são conhe-
cidos, já que houve a desorganização da vida da po-
pulação, a desmoralização de um instituto tradicional
como a caderneta de poupança, em razão de verdadei-
ro confisco de valores, além de invasão à esfera priva-
da, em ataque aos mais elementares direitos protegidos
pela Constituição.
A jurisprudência, como é exemplo a Apelação Cí-
vel n. 700169521602006/Cível, do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul, de 05 de outubro
de 2005, produziu a recomposição dos conceitos míni-
mos de direito adquirido, ato jurídico perfeito e de irre-
troatividade da lei, o que objetiva a segurança jurídica.
O referido acórdão tem a seguinte Ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BAN-
CÁRIOS. AÇÃO DE COBRANÇA. CADERNETA DE
POUPANÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA.(...) MÉRI-
TO. DIREITO DO DEPOSITANTE EM RECEBER A
REMUNERAÇÃO PELO ÍNDICE DO IPC, DE 26,06%,
REFERENTE A JUNHO DE 1987 (PLANO BRESSER),
DE 42,72% REFERENTE A JANEIRO DE 1989 (PLA-
NO VERÃO) E DE 44,80% RELATIVO A ABRIL DE
1990 (PLANO COLLOR I). IRRETROATIVIDADE DA
LEI NOVA.
(...) Preservação do direito adquirido e do ato jurídico
perfeito. Regras da lei nova incidentes somente a partir de
15.06.1987, 15.01.1989 e 15.03.1990, respectivamente.
(...) PRELIMINAR DESACOLHIDA. RECURSO DE
APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.
A resposta que o governo Collor deu à população
foi, além da violência perpetrada, o descaso, a corrup-
ção, o distanciamento entre a solução dos problemas
cruciais de inflação e a miséria absoluta em camada
significativa da população, além da recessão e do de-
semprego.
Os professores Luiz Gonzaga Belluzzo e Jú-
lio Gomes de Almeida(51), depois de uma exaustiva
análise do Plano Collor I, sob os diferentes aspectos
econômicos, concluem que: “(...) Na “ortodoxia” em
que o Plano Collor foi obrigado a apoiar a sua política
econômica, devido a objetivo restrito ao controle da
liquidez perseguido em sua Reforma Monetária (que
nem sequer foi plenamente alcançado) e aos compro-
missos de orientação da política de governo, residem,
portanto, os limites de sua execução e os motivos de
seu esgotamento enquanto mais uma intervenção uni-
lateral do governo para tentar evitar a explicitação da
crise brasileira em uma hiperinflação (...).”
A deterioração da política econômica, no início
de 1991, com redução da capacidade industrial do país
no índice de 9%, desemprego acentuado de 5,2%, as-
sim como a queda do PIB em 1990 para -4,6%, acar-
retou a implementação de um novo plano econômico
em 31 de janeiro daquele ano — o denominado Plano
Collor II.
As medidas desse novo plano econômico tinham
como principal objetivo deter uma nova escalada da
crise em direção à hiperinflação, tendo como medidas
centrais as que congelaram preços e salários, alteraram
o critério de indexação, assim como promoveram a re-
forma financeira.
Os Professores Luiz Gonzaga Belluzzo e Júlio
Gomes de Almeida(52) revelam a “precariedade da es-
tabilização relativa obtida depois do Plano Collor 2”.
A jurisprudência emanada do Tribunal Superior
do Trabalho (TST), ao se pronunciar sobre o Plano
Collor I, em razão de milhares de ações individuais de
empregados ou mediante ações de substituição proces-
sual movidas pelos sindicatos das mais diversas cate-
gorias profissionais, que visavam a recomposição dos
salários com base no IPC de março e abril de 1990, ao
contrário do entendimento sobre os planos anteriores
— IPC de junho de 1987, Plano Bresser e a URP de
fevereiro de 1989, Plano Verão(53) —, entendeu não se
tratar de direito adquirido(54), o que, na prática, inviabi-
lizou os reajustes pretendidos, bem como plenamente
configurada a prevalência do capital sobre o trabalho.
Em síntese, com relação aos outros planos eco-
nômicos, cujo embasamento eram idênticos ao do Pla-
no Collor, neste Plano, não havia direito adquirido, o
que agride não só uma visão econômica sobre o tema,
como em especial afronta a princípio constitucional
vigente.
(51) Obra citada, p. 349.
(52) Obra citada, p. 358-9.
(53) Súmulas ns. 316 e 317, hoje canceladas pela Resolução n. 37/1994.
(54) Súmula n. 315 do TST: “IPC de março/1990. Lei n. 8.030, de 12.04.1990 (Plano Collor). Inexistência de direito adquirido. A partir da vigência da
Medida Provisória n. 154, de 15.03.1990, convertida na Lei n. 8.030, de 12.04.1990, não se aplica o IPC de 84,32% (oitenta e quatro inteiros e trinta e dois
centésimos por cento) para a correção dos salários porque o direito ainda não se havia incorporado ao patrimônio jurídico dos trabalhadores, inexistindo
ofensa ao inciso XXXVI do art. 5º da CF/1988”.
REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO 35
É certo que as empresas e os empregadores com
maior poder econômico recorriam ao órgão de cúpula
da Justiça do Trabalho (TST) e, por essa forma, des-
constituíram milhares de decisões de primeiro e se-
gundo graus de jurisdição dos mais diferentes Estados
do Brasil, que originalmente haviam deferido o rea-
juste com base no IPC de março e abril de 1990 aos
trabalhadores.
O mesmo pode ser mencionado com relação aos
depósitos do FGTS que não obtiveram a correção dos
mais diversos planos econômicos, a não ser em mo-
mento temporal muito posterior.
Um outro aspecto a ser destacado nesse ponto
reside no descumprimento reiterado da legislação do
trabalho por uma grande maioria de estabelecimentos
bancários e financeiros, incluídos os oficiais, no que
concerne ao pagamento de horas extraordinárias pela
precariedade manifesta do controle efetivo da jornada
de trabalho.
O empregado bancário tem assegurado por lei
uma jornada de trabalho de seis horas diárias e trinta
seis semanais, exceção feita aos que exercem cargo de
confiança, com sujeição à jornada de oito horas diá-
rias(55), considerando que o sábado bancário é dia útil
não trabalhado.
A Justiça do Trabalho, pelo menos nos últimos
vinte anos, registrou milhares de ações envolvendo
litígio entre os empregados bancários e os bancos
substancialmente envolvendo pretensões que dizem
respeito ao descumprimento, entre outros, do paga-
mento de horas extras porque desrespeitado o limite
legal de seis ou oito horas conforme o caso. E isto
porque os bancos, na maioria dos casos, investem em
cargo de confiança os empregados bancários comuns,
o que não se ajusta à hipótese fáctica prevista abstra-
tamente pela norma legal, como também não imple-
mentam registro de frequência regular, que observem
minimamente os requisitos legais definidos para em-
presas com mais de dez empregados(56).
Com esses artifícios, os empregadores da área
bancária e financeira deixaram de remunerar milhões
de horas extraordinárias realizadas pelos empregados,
haja vista que somente obtiveram, e ainda assim de
forma parcial, os direitos violados aqueles que ajui-
zaram ações perante a Justiça do Trabalho, o que não
atinge percentual superior a vinte por cento (20%).
Não é difícil imaginar os lucros obtidos pelos bancos
em detrimento do trabalho pelo descumprimento puro
e simples de norma legal cogente que determina o re-
gular registro de frequência, considerando que sobre a
hora extra incide o percentual de cinquenta por cento
(50%) sobre a hora normal e, em muitas oportunida-
des, conforme disposições normativas, o percentual de
cem por cento (100%), além da obrigatoriedade de in-
cidência pela média física das horas extras realizadas
em todas parcelas salariais, parcelas rescisórias e nos
depósitos do FGTS.
E, mesmo com relação aos ex-empregados ban-
cários que tenham ajuizado ações perante a Justiça
do Trabalho, ainda assim, os bancos continuaram lu-
crando com a litigiosidade. Em primeiro lugar, porque
utilizam, quase sem exceção, todos os recursos legais
cabíveis tanto no processo de conhecimento quanto no
de execução, mesmo em relação a matérias já sumu-
ladas, o que, em muitos casos, resulta que uma ação
ordinária trabalhista demande tempo muito excessi-
vo para ser solucionada. E, também, porque há uma
desproporção muito grande entre o spred bancário e
a correção monetária praticada na Justiça do Trabalho
(Taxa referencial, mais 6% ao ano) haja vista que, en-
quanto o processo trabalhista se desenvolve nas mais
diversas esferas, o banco, por óbvio, não aguarda com
tais valores imobilizados.
Em outros termos, durante o tempo em que espera
a decisão em último grau de jurisdição, o empregador
bancário empresta os valores que seriam devidos pelo
trabalho pretérito realizado e não pago, com ampla lu-
cratividade em relação ao que deverá ressarcir o banco
ao ex-empregado, em razão de sua atividade. O mes-
mo pode ser referido com relação ao empregador não
integrante da área financeira, já que igualmente apli-
ca os valores (em ativos financeiros, títulos da dívida
pública, por exemplo), que, em tese, deverá pagar ao
final do processo, enquanto este se alonga no tempo,
em razão dos múltiplos recursos oportunizados pela
legislação vigente. Por óbvio que também obtém van-
tagem econômica sobre o trabalho.
Não há dúvida de que, para o empregador da área
bancária ou financeira, é muito mais lucrativo o des-
cumprimento da lei porque retira em detrimento do
(55) Art. 224, caput e § 2º da CLT.
(56) Art. 74, § 2º, da CLT.
36 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
trabalho uma valorização ainda maior do capital de
forma quase que independente.
E ainda deve ser referido que o instituto da pres-
crição — passagem do tempo e vazio de exercício do
seu titular em relação à pretensão prescritível na clás-
sica definição de Pontes de Miranda — extingue mui-
tos dos créditos dos empregados pelo encobrimento da
eficácia e pela inexigibilidade da pretensão em relação
à passagem do tempo. O instituto da prescrição visa à
paz social no sentido que em determinado momento do
tempo estanquem as pretensões e as ações.
No entanto, no que diz respeito à pretensão tra-
balhista, na grande maioria dos casos, esta somente
é exercitada posteriormente à extinção do contrato de
trabalho, o que, em relação a vínculos de emprego de-
senvolvidos ao longo de muitas décadas, significa que
somente serão exigíveis as pretensões dos últimos cin-
co anos, desde que não extinto aquele há mais de dois
anos. Acaso o contrato de trabalho tenha sido extinto
há mais de dois anos quando do ajuizamento da ação,
estarão irremediavelmente prescritas todas as preten-
sões relacionadas com aquele contrato, inclusive even-
tuais diferenças de FGTS.
O que seria importantíssimo, nesse aspecto, é a
alteração da legislação com relação à correção monetá-
ria dos créditos trabalhistas para que fossem corrigidos
com as mesmas taxas utilizadas no spread bancário,
como forma de proceder de forma efetiva a correção
monetária dos créditos e como maneira de obstaculizar
recursos meramente protelatórios.
Saliento ainda nesse ponto que são muitas as al-
terações formuladas dentro da própria legislação do
trabalho, que refletem a predominância do capital fi-
nanceiro sobre o trabalho, o que vem ao encontro da
ideia até então exposta.
Ao art. 442 da CLT, foi acrescentado o parágra-
fo único pela Lei n. 8.949/1994(57) para consolidar a
tese de inexistência de vínculo de emprego em caso de
trabalhadores cooperativados (associados), seja com a
cooperativa, seja com os tomadores de serviços. Em
outros termos, camadas mais diversas de trabalhado-
res ao invés de serem contratados mediante contra-
tos regulares de trabalho estão inseridos por meio de
vinculação anômala — sociocooperativado —, o que
significa à margem de qualquer regulação formal de
trabalho, sem as garantias mínimas previstas na legis-
lação consolidada.
Não raro, as cooperativas que em verdade trata-se
de meras agências de colocação de mão de obra, es-
pecialmente de camadas da população desqualificada
para atividades mais desenvolvidas, não só violam os
direitos mínimos assegurados a qualquer empregado
— pagamento de salários, repouso remunerado, fé-
rias, para ficar apenas com alguns exemplos —, como
também deduzem do denominado pro labore parcela
destinada à Previdência Social, sem que haja recolhi-
mento correspondente, o que caracteriza crime contra
o trabalho.
Não é difícil imaginar os efeitos que tal forma
de contratação produz na já precária empregabilidade
vigente hoje no país, praticada não só por empresas
e empregadores particulares como especialmente nos
setores mais diversos de órgãos da União, dos Estados
e dos Municípios, em autarquias e em bancos oficiais.
É de ser ressaltado ainda nesse ponto que, com tal
artifício, no caso tanto nos bancos oficiais como em
outros setores do Estado é fraudada diretamente nor-
ma constitucional(58) de exigência de concurso público
para provimento de cargos públicos em tese essenciais
à consecução das atividades primordiais do Estado.
Observo que, por exemplo, tanto na CEF como no
Banco do Brasil, os empregados, ainda que sujeitos
à legislação da CLT, ingressam obrigatoriamente me-
diante concurso público.
Idêntica situação ocorre com a contratação por
meio do fenômeno da terceirização do trabalho, ou
seja, determinadas atividades como vigilância, limpe-
za, portaria, são realizadas por empregados contrata-
dos por empresas prestadoras de serviços, ainda que
em benefício da tomadora dos serviços, numa triangu-
lação de atividades e de fiscalização do trabalho.
E também não é fato incomum que as empresas
prestadoras de serviços não detenham substrato eco-
nômico ou financeiro mínimo, capazes de arcar com o
pagamento da contratação formal ao abrigo da Conso-
lidação das Leis Trabalhistas.
A diferença desse tipo de contratação em relação
ao do cooperativado — inexistência de qualquer vincu-
(57) Art. 442. (...) Parágrafo único. “Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativada, não existe vínculo empregatício entre ela e seus
associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.”
(58) Art. 37, II, da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988.
REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO 37
lação empregatícia — reside no fato que o empregado
da empresa terceirizada mantém vínculo formal com
esta, com todas as garantias da legislação trabalhista
(contrato devidamente registrado na CTPS), ainda que
preste serviço em local diverso do contrato, ou seja,
na empresa tomadora beneficiária do trabalho, e que
também promove a fiscalização do trabalho por meio
dos seus prepostos.
No entanto, nos dois casos, os descumprimentos
do mínimo exigido na legislação são praticados nos
dois sistemas: porque as cooperativas não se confi-
guram como cooperativas em sentido estrito, em que
há comunhão de objetivos e interesses, e porque uma
grande maioria das empresas qualificadas como pres-
tadoras de serviços, ainda que organizadas de forma
regular, não detém qualquer patrimônio suficiente e,
em grande medida, são incapazes de assegurar a ob-
servância integral da legislação trabalhista.
Não é por outra razão que uma grande maioria de
ações na Justiça do Trabalho são ajuizadas especifica-
mente para cobrança de parcelas rescisórias, integra-
lidade dos depósitos do FGTS, assinatura da saída na
CTPS e o pagamento dos salários dos últimos meses
trabalhados.
Em momento anterior, a jurisprudência trabalhista
excluía qualquer responsabilização do poder público,
com base no argumento que tal forma de contratação
(seja por meio de empresa prestadora de serviços ou
de cooperativa) havia sido realizada mediante proces-
so licitatório regular, ou mesmo com base na tese de
regularidade da constituição da cooperativa.
A jurisprudência entendia que, na forma do
art. 71 da Lei n. 8.666, de 21.06.1993, legislação ordi-
nária que regulamentou o art. 37, inciso XXI, da Cons-
tituição Federal, que instituiu normas para licitações
e contratos da Administração Pública, estaria desone-
rando o ente público por eventuais encargos trabalhis-
tas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da
execução do contrato, já que a responsabilidade inte-
gral seria do contratado.
E, ainda, na forma do § 1º do referido artigo, na
inadimplência do contratado, com referência aos en-
cargos estabelecidos no caput, não haveria transferên-
cia à Administração Pública da responsabilidade por
seu pagamento, nem poderia onerar o objeto do con-
trato ou restringir a regularização e o uso das obras e
edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
Posteriormente, considerando que, na maioria dos
casos, tornava-se impossível cobrar qualquer crédito
do real empregador e a constatação da precariedade da
constituição das cooperativas, em verdade, forma mais
sofisticada de agência de mão de obra, a jurisprudên-
cia foi alterada para assegurar aos empregados a res-
ponsabilização subsidiária pelos créditos trabalhistas
devidos também dos tomadores dos serviços públicos,
situação já antes assegurada aos empregados de em-
presas tomadoras privadas.
E também na atualidade, há inúmeras decisões
reconhecendo o vínculo de emprego dos denominados
sociocooperativados, efetivamente, empregados, com
a cooperativa, além da responsabilização subsidiária
com a tomadora. O reconhecimento de responsabiliza-
ção subsidiária se ajusta à jurisprudência majoritária,
mas representa condenação menor a que seria devida,
já que deveria ser solidária a condenação, na forma do
que dispõe o art. 264 do Código Civil porque, indis-
cutivelmente, tanto a prestadora de serviços quanto a
tomadora são empregadoras, nos exatos termos do art.
258 do mesmo diploma legal — obrigação indivisível.
O conceito de solidariedade inserto no Código
Civil resulta justamente da consideração de que em
um contrato há mais de um devedor e/ou credor, exa-
tamente como no caso aludido — terceirização de ser-
viços ou cooperativas prestando serviços a terceiros.
E, por certo, a solidariedade não se presume, como
definido no art. 265 do Código Civil, mas resulta, no
caso em foco, da lei, já que, indiscutivelmente, os em-
pregados, nesses casos, prestam serviços para ambos
os empregadores.
E, além disso, deve ser mencionado o disposto no
art. 421 do Código Civil — função social do contrato
—, o que fundamenta suficientemente a tese de que
responsabilização deveria ser solidária, sob pena de
arredamento dos mais elementares princípios infor-
madores do Direito do Trabalho.
No que concerne ao âmbito do poder público,
inviável qualquer reconhecimento de vínculo de em-
prego, ainda que decorrente de atividade essencial à
consecução à finalidade do Estado, pela exigência pela
Constituição Federal, para investidura em cargo pú-
blico somente mediante concurso público de provas
e títulos.
Essas decisões se, de um lado, resolvem, em
parte, o problema dos empregados pela garantia de
satisfação dos créditos (efetividade da prestação juris-
dicional), de outro, apenas agravam a precarização do
38 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
emprego no país, e também não estacam as reiteradas
afrontas à Constituição Federal pelo Poder Público.
Em primeiro lugar, porque a responsabilização, con-
forme norma do Código Civil vigente, deveria ser so-
lidária e não subsidiária e, principalmente, porque não
há nenhuma responsabilização civil, penal ou mesmo
administrativa aos administradores públicos, que são
obrigados ao estrito conhecimento e cumprimento da
lei. E, ainda, são desvirtuados recursos públicos que
certamente seriam melhor aproveitados para a saúde
ou educação pública, por exemplo, para o pagamen-
to de condenações emergentes desses contratos, o que
significa que a administração pública acaba por remu-
nerar duplamente o mesmo serviço.
Não se pode deixar de mencionar também que
com tais artifícios no âmbito do Poder Público em
geral, inclusive autarquias e fundações —, tais con-
tratações absolutamente anômalas, se considerados os
estritos temos previstos na CLT, se prestam ao clien-
telismo e à formação de verdadeiros currais eleitorais
como ressarcimento de promessas de campanha.
No próprio âmbito da administração pública,
há afronta direta a princípio constitucional, além da
desorganização do trabalho realizada pelo próprio
Estado.
4. DO IMPACTO NO MERCADO DE TRA-
BALHO NO BRASIL
4.1. Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezem-
bro de 2004 — Do Alargamento da Competência da
Justiça do Trabalho
A classe trabalhadora no Brasil desde o início foi
pautada por seu caráter excludente e heterogêneo. Ini-
cialmente, nas grandes culturas de café ou cana-de-açú-
car a mão de obra era basicamente escrava, existindo,
no entanto, uma larga massa de trabalhadores livres
que não se enquadrava na estrutura produtiva escra-
vista. No âmbito rural, para os denominados não pro-
prietários — agregados ou moradores livres — havia a
possibilidade de praticarem agricultura de subsistência
como espécie de favor dos grandes proprietários, que
em contrapartida poderiam mobilizá-los para a defe-
sa de rebeliões de escravos ou mesmo no emprego na
condição de capitães do mato.
O contingente de ex-escravos ou mesmo dos tra-
balhadores brancos pobres, que não possuíam qual-
quer ocupação nas cidades — até mesmo o artesanato
era praticado por escravos —, gerou submissão dessa
população em termos de condição de vida e de subsis-
tência muito precária.
A extinção do trabalho escravo no Brasil não eli-
minou a heterogeneidade e a exclusão social, mesmo
porque para criação de uma sociedade efetivamente
democrática haveria, necessariamente, de ser solucio-
nado o problema agrário no país, situação que se pro-
paga até os nossos dias.
Em síntese, a grande concentração de terras pro-
duziu um baixo padrão de vida da população rural pela
falta de acesso à terra, sem que houvesse a possibilida-
de de criação de uma camada de pequenos proprietá-
rios livres no campo.
Observo ainda que, quando houve a interrupção
do tráfico de escravos (1850), os proprietários do nor-
deste passaram a vender os escravos excedentes, o que
propiciou a expansão cafeeira no Vale do Paraíba. E,
também, um elemento complementa a quase impossi-
bilidade de absorção da mão de obra de ex-escravos,
brancos, mulatos, pobres, dada preferência no núcleo
dinâmico do capitalismo do sudeste do trabalho assa-
lariado dos imigrantes.
Nesse contexto, os piores trabalhos eram desen-
volvidos pelos ex-escravos e brancos pobres como os
domésticos e de carga.
A industrialização passou a ser encarada como
o único caminho para a superação das adversas con-
dições da estrutura social, o que, no entanto, não se
concretizou. E isso se relaciona não com o fato de o
mercado ser pouco dinâmico por causa da tecnologia
importada não adequada, visto que o mercado de tra-
balho urbano teve notável dinamismo, em especial, a
partir dos anos sessenta e na indústria de transforma-
ção. Mas tal se deve ao domínio das grandes proprieda-
des na área rural e a ausência de qualquer movimento
de democratização nas relações de trabalho na área do
campo, impossibilidade de sindicalização ou outra or-
ganização dos trabalhadores.
Observo ademais que, com o advento da CLT
em 1º de maio de 1943(59), houve regulamentação do
trabalho urbano, não havendo “esquecimento daquele
(59) Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943.
REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO 39
desenvolvido no âmbito rural”, como afirma com ex-
trema propriedade o Professor Cláudio Dedecca(60),
porquanto as relações agrárias estavam já estabele-
cidas por legislação específica e se desenvolviam de
acordo com o complexo agrário exportador de forma
eficaz. A legislação relativa ao trabalho no campo per-
feitamente implementada, como indica o ilustre pro-
fessor, data de 1872 e 1908, o que atesta a existência
temporalmente anterior de regulação do trabalho rural,
em relação ao trabalho urbano, este sim, até o advento
da CLT, “é que era absolutamente inexistente”.
Não se pode deixar de mencionar nesse ponto
que, com o advento do Código Civil em 1916(61), já ha-
via regulamentação de diversos tipos de contrato que
disciplinavam as relações trabalhistas inclusive no âm-
bito rural. Os arts. 1.216-1.236 regulamentam a loca-
ção de serviços; os arts. 1.237-1.247, a empreitada; os
arts. 1.410-1.415 dispõem sobre a parceria agrícola e
os arts. 1.416-1.423, sobre a parceria pecuária.
O Brasil passou em pouco espaço de tempo —
cerca de três décadas —, de país tipicamente agrário
para urbano, e em 1980 situava-se entre as dez maiores
economias do mundo num país totalmente modificado.
No período de 1950-1980, mais de 35 milhões de
brasileiros saíram do campo em direção às cidades em
busca de melhores condições de vida.
Os professores João Manoel Cardoso de Mello
e Fernando A. Novais mencionam no Capítulo 9 da
obra História da Vida Privada no Brasil, vol. 4(62), esse
aspecto:
(...) A cidade não pode deixar de atraí-los. Foi
assim que migraram para as cidades, nos anos
50, 8 milhões de pessoas (cerca de 24% da po-
pulação rural do Brasil em 1950); quase 14 mi-
lhões, nos anos 60 (cerca de 36% da população
rural de 1960); 17 milhões nos anos 70 (cerca
de 40% da população rural de 1970). Em três
décadas, a espantosa cifra de 39 milhões de
pessoas.
(...) Nas cidades de São Paulo, o centro do pro-
cesso industrial, mas também no Rio de Janeiro,
a capital do Brasil até 1960, em Belo Horizonte,
Recife, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre, até
em algumas cidades médias, a industrialização
acelerada e a urbanização rápida vão criando
novas oportunidades de vida, oportunidades de
investimento e oportunidades de trabalho. (...)
Oportunidades de trabalho, melhores ou piores,
bem remuneradas ou mal remuneradas, com
maiores ou menores possibilidades de progres-
são profissional, no setor privado ou público
(...).
A incrível migração do campo para as cidades,
operada em três décadas, o que não existe paralelo no
mundo, inverte a condição de país agrário consubstan-
ciada até os anos trinta para a condição de país urbano.
No Brasil de 1980, havia 68,9% dos domicílios
do país classificados como urbanos e 67,7% da popu-
lação viviam em áreas consideradas urbanas e 45,7%
em cidades com mais de duzentos mil habitantes. A
participação das vendas de café para o total exportado
caíra para 13,4%, ao passo que a dos produtos indus-
trializados atingia a 56,5%. A participação da PEA(63)
no setor agrícola e extrativo fora reduzido para 30%
enquanto sobe a participação da PEA no conjunto do
setor terciário para 21% do total. E, da mesma forma,
as ocupações ligadas à agropecuária e à extração re-
presentavam 30% do total das ocupações, caindo mais
de 25 pontos percentuais em trinta anos, ao passo que
dobrara o percentual das ocupações técnicas, admi-
nistrativas, científicas e aquelas ligadas à indústria de
transformação e à construção civil, num total conjunto
de quase 20% das ocupações. Houve ainda alteração
profunda na estrutura da produção industrial, elevan-
do-se consideravelmente a contribuição da indústria
de bens duráveis de consumo para 13,5% e da indús-
tria de capital para 14,7%, que em conjunto passaram
de 6,8% em 1950 para 28,2% em 1980.
O PIB do período de 1947 e 1980 cresceu a uma
taxa média de 7,1% ao ano, superior, inclusive à do
conjunto dos países capitalistas desenvolvidos e sub-
desenvolvidos, à exceção dos países produtores de pe-
tróleo.
(60) Palestra realizada no Curso de Especialização em Economia do Trabalho e Sindicalismo, UNICAMP/CESIT, em 16 de novembro de 2006.
(61) Os artigos do Código Civil de 1916 constam na íntegra na parte dos anexos.
(62) Capitalismo Tardio e Sociabilidade Moderna, p. 580-1.
(63) População Economicamente Ativa (PEA).
40 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
E conquanto notável a expansão da indústria de
transformação, com expansão da indústria de bens du-
ráveis de consumo (taxa média de 15,3% ao ano) e de
bens intermediários e de bens de capital (taxas médias
de 10,5 e 12,8 por cento, ao ano respectivamente), no
entanto, não foi capaz de configurar eliminação das
desigualdades sociais e nem oportunizou a elimina-
ção de situações de extrema pobreza e exclusão social.
A população cresceu entre 1950 e 1980 em mais de
50 milhões de pessoas e nesse período foram criados
27 milhões de novos empregos dos quais cerca de 2,8
milhões no setor primário no período e, ainda, 70%
criados na década dos anos 50 e entre 1970 e 1980 o
total de 22 milhões de novos empregos no setor primá-
rio. O setor secundário contribuiu com cerca de mais
de 30% de empregos e o terciário superior a 50% em
todas as décadas do período analisado. Saliento que
há relativo dinamismo do setor secundário, especial-
mente a partir de 1960 e a expansão das atividades
terciárias ligadas ao crescimento dos serviços sociais
prestados pelo Estado.
As transformações confirmam que, nos últimos
trinta anos, a estrutura ocupacional brasileira tornou-
-se mais complexa, além de marcada por altas taxas
de mobilidade espacial e social. De outro lado, houve
ampliação das relações capitalistas de produção tanto
no campo quanto na cidade.
O período de autoritarismo político, assim como
o arrocho salarial empreendido neste período, além da
ampliação dos meios de comunicação de massa, todos
esses fatores contribuíram para que interesses diferen-
ciados interferissem na ampliação das divergências na
área política.
Por certo, houve ampliação no nível de emprego
nesses trinta anos, mas notadamente inferior ao cres-
cimento populacional, assim como insuficiente para
conformar no mercado de trabalho formal os trabalha-
dores que migraram do campo para a cidade, muitos
sem qualificação mínima para o desempenho de ativi-
dades mais complexas no âmbito da dinâmica indus-
trial existente.
E, também, com o decréscimo das taxas de cres-
cimento no país, acentuadamente a partir de 1981 (ta-
xas negativas), configurou situação de profunda crise
econômica e de geração de emprego no setor formal de
trabalho. Essa situação alargou a informalidade do tra-
balho assim como gerou desemprego e desarticulação
da massa trabalhadora do país.
Na atualidade, o mercado de trabalho no Brasil
está precarizado e fragmentado em visível desestrutu-
ração em face de inúmeros fatores econômicos, mas,
especialmente, por causa do enorme contingente de
mão de obra excedente de baixa qualificação. Ao lado
disso, tem-se que as grandes e médias empresas visam
redução de custos e aumento da competitividade, o
que não raro implica a destruição de empregos e pos-
tos de trabalho.
O processo de abertura da economia brasileira
que foi implementado a partir de 1990 destruiu na área
industrial muitos e importantes postos de trabalho e
as vagas abertas nos anos 90 (70%) não se inseriram
em atividades produtivas ou de modernização técnica.
O mesmo deve ser referido em relação ao emprego
público em que destruídas vagas em razão da refor-
ma administrativa, assim como extinção de postos no
setor produtivo estatal por força da alteração do papel
do Estado.
Há nos dias que correm formas anômalas de con-
tratação de mão de obra por intermédio, por exemplo,
de cooperativas de trabalho ou mesmo de desloca-
mento ou desconcentração de setores tidos como de
atividade acessória na consecução dos objetivos eco-
nômicos para outras empresas terceirizadas ou forma-
das por ex-empregados, agora, alçados à condição de
autônomos ou microempresários.
A terceirização, mesmo daquelas atividades de-
nominadas como essenciais à consecução do escopo
social das empresas, produz não só a desagregação
dos empregados enquanto categoria, o que prejudica
as próprias relações com as entidades sindicais, como
também cria no mesmo espaço de trabalho ordens
diversas de remuneração, ainda que todos trabalhem
em tese para os mesmos empregadores. A diversifica-
ção de categorias profissionais dentro de uma mesma
empresa na consecução das mesmas atividades com
patamares de contratação diferenciados gera esfacela-
mento da própria categoria como um todo. O mercado
de trabalho no Brasil revela a desarticulação econômi-
ca incapaz de gerar emprego formal em setores pro-
dutivos, além de uma excessiva ampliação do setor
de serviços em atividades também precárias, como o
serviço doméstico em geral.
Há também outras formas de desconcentração do
trabalho quando do deslocamento de áreas inteiras do
processo produtivo para verdadeiros “adendos”, por
exemplo, dos bancos, na área de administração e con-
sultoria e de gerenciamento de recursos de clientes.
REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO 41
Em sofisticada engenharia bancária, no que se
denomina banco de investimento atividade de de-
terminado banco — a qual não se confunde com a
realizada por banco comercial — a atividade consis-
tente em prospecção de clientes e investimentos é rea-
lizada por empresa denominada management — mera
administradora gerencial —, cujos negócios são feitos
na bolsa de valores por intermédio de uma correto-
ra, no caso, uma segunda empresa. O banco não pode
atuar na bolsa de valores por definição expressa da Co-
missão de Valores Mobiliários e muito menos a tercei-
ra empresa, cuja atividade preponderante se constitui
em gerenciamento e fomento de mercado de crédito.
De tal sorte, que a sofisticação da dicotomia de ati-
vidade essencial ao banco — prospecção no mercado
de capital por meio de terceiro — management —, em
termos práticos, somente significa que os empregados
não detêm a condição de empregados bancários, com
todas as prerrogativas da categoria; entre outras, a jor-
nada reduzida de seis horas, os reajustes determinados
por normas coletivas específicas, bem como outras
vantagens como a percepção da gratificação semestral
e a participação dos lucros e resultados.
No caso, o banco de investimento não tem a me-
nor necessidade de empregados, já que estes são con-
tratados por terceiro, e a corretora, por fim, atua na
bolsa de valores, em razão dos negócios agenciados
pelo terceiro — management — definição em portu-
guês da expressão inglesa management na razão social
de uma das empresas — por exemplo, em caso concre-
to(64)Confidelity Asset Management Ltda. — “sig-
nifica manejo, manuseio, governo, controle, gerência,
capacidade administrativa, habilidade” (tradução e
definição constante no Novo Dicionário Folha Webs-
ter’s — inglês/português, português/inglês, ed. Folha
de São Paulo, p. 192).
Em notícia na Folha de São Paulo, Caderno Di-
nheiro, de 28 de agosto de 2006, p. 1, foi constatado
que a mão de obra terceirizada avança em vários seto-
res da economia e corresponde a um terço das vagas
criadas nas empresas privadas do país. Os dados são
derivados de estudos do CESIT da UNICAMP em que
dos 6,9 milhões de postos de trabalho abertos pelo se-
tor privado de 1995 até 2005, 2,3 milhões foram ocu-
pados por terceirizados. Revela ainda o estudo que,
em 1995, havia 1,8 milhão de terceirizados formais no
país; no ano passado, eram 4,1 milhões de terceiriza-
dos, numa expansão de 127%.
Os índices de desemprego no Brasil se mostram
alarmantes — entre os jovens atinge 32%. Pesquisa
divulgada pelo DIEESE1 mostra que 45,5% do total
de desempregados brasileiros têm entre 16 e 24 anos e
que os jovens representam apenas 25% da população
economicamente ativa.
De outro lado, com o advento do denominado Pla-
no Real, foi consolidada a informalidade do mercado
de trabalho na economia brasileira. Em dados divulga-
dos pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
(IPEA), foi constatado que, até 1995, cada aumento na
oferta de emprego formal correspondia a uma redução
no índice de trabalhadores na informalidade. A partir
de então, a lógica mudou e a tendência hoje mostra
que qualquer criação de novos empregos com carteira
assinada não causa mais esse impacto. Referido estudo
demonstra que, no período de 1992 a 2004, nas áreas
metropolitanas de Sudeste, o crescimento do número
de trabalhadores na informalidade atingiu a 21,53%, a
maior variação do país no período.
O Professor Marcio Pochmann, em análise sobre
o emprego(65) menciona: “(...) O nível de emprego com
carteira assinada no setor privado aumentou 10% entre
2002 e 2005, enquanto que a massa de salários dos em-
pregados cresceu apenas 1,6%. (...) O emprego cresce,
cada vez mais pessoas são incorporadas ao mercado.
Mas o impacto na folha de pagamento das empresas
praticamente não se altera. (...)”
O trabalho em tempo parcial introduzido na legis-
lação brasileira pela MP 2.164-41/2001(66) é também
forma de precarização do emprego, já que permite o
estabelecimento de contratos cuja duração não exce-
da a vinte e cinco horas por semana, corresponden-
do remuneração proporcional às horas da jornada. Tal
forma de contratação permite que, em muitos casos
(salvo exceções muito específicas), se oportunize o
pagamento de salário inferior ao mínimo legal, assim
como o piso mínimo fixado para as diversas categorias
profissionais pela normatização coletiva. Observo que
tanto o salário mínimo legal quanto o valor do piso de
(64) Processo n. 00653-2003-013-04-00-4 em que são partes: Autor: Gilson Fernandes. Réu: Banco Prosper S/A., Prosper S/A. Corretora de Valores e
Câmbio e Confidelity Asset Management Ltda. (Massa Falida). Sentença publicada em 20 de fevereiro de 2004.
(65) Folha de São Paulo, caderno dinheiro de 30 de abril de 2006, p. 6.
(66) Art. 58-A e §§ 1º e 2º da CLT.
42 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
qualquer categoria são devidos para uma jornada legal
de quarenta e quatro horas semanais.
Por certo, haveria ainda muitos exemplos a serem
mencionados com relação à precarização do emprego
formal no Brasil, com amplo alargamento de ativi-
dades inseridas na informalidade e sem qualquer das
garantias mínimas prefiguradas pela legislação conso-
lidada.
Entendo que não foi outra a razão para a alteração
da competência da Justiça do Trabalho subentendidas
pela Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro
de 2004, visto que, anteriormente, estava restrita às
hipóteses elencadas no art. 114 da Constituição Fede-
ral. Em outros termos, a ampliação da competência da
Justiça do Trabalho se justifica pela precarização do
emprego formal no país.
No entanto, tal solução não é inédita, mesmo por-
que já constava desde 1943 quando houve a Conso-
lidação das Leis do Trabalho pelo art. 1º(67), em que
a referida Consolidação “(...) estatui as normas que
regulam as relações individuais e coletivas de tra-
balho nela previstas (...)” (grifo meu). Em síntese, já
havia previsão desde 1943 para que todo e qualquer
conflito resultante das relações de trabalho fossem re-
gidos pela CLT e, por decorrência lógica, pela Justiça
do Trabalho, ainda que os contornos do mercado de
trabalho daquela época não possam ser confundidos
com os do momento atual. A legislação que foi conso-
lidada em 1943 expressa a conformação da sociedade
de uma determinada época, em que incipiente o pro-
cesso de industrialização.
Os ilustres mestres João Manuel Cardoso de
Mello e Fernando A. Novais(68) exprimem com exati-
dão a etapa da industrialização do país comparativa-
mente aos estágios da industrialização no restante do
mundo civilizado:
(...) No século XIX, por força de um regime so-
cial obsoleto, o escravismo, não pudemos incor-
porar os resultados básicos da “primeira revo-
lução industrial” (1760-1830), a da indústria
têxtil, do ferro, da máquina a vapor. Nem muito
menos, formos capazes de avançar na trilha da
“segunda revolução industrial” (1870-1900), a
do aço, da química, da soda e do cloro, da ele-
tricidade, do petróleo, da indústria de bens de
capital, do motor a combustão interna, que está
na base do automóvel e do avião. No século XX,
graças a relativa estabilidade dos padrões tec-
nológicos e de produção nos países desenvolvi-
dos podemos desfrutar das facilidades da cópia.
Até 1930, consolidamos a indústria de bens de
consumo mais simples e, nos cinquenta anos
subsequentes (1930-1980), copiamos o aço, a
eletricidade, a química básica, o petróleo, as
maravilhas eletrodomésticas, chegando até má-
quinas e equipamentos mais sofisticados (...).
E, no que se refere à CLT, a comissão(69) respon-
sável pela sua elaboração foi composta por Rego Mon-
teiro, Oscar Saraiva, Segadas Vianna, Dorval Lacerda
e Arnaldo Süssekind, cujo trabalho foi inspirado nas
teses do I Congresso de Direito Social, nos parece-
res de Oliveira Viana e Oscar Saraiva aprovados pelo
ministro do Trabalho, criando uma jurisprudência ad-
ministrativa nas avocatórias, na encíclica Rerum No-
varum e nas convenções da Organização Internacional
do Trabalho.
O jurista Arnaldo Süssekind, na obra Um Cons-
trutor do Direito do Trabalho(70), menciona estas como
as “(...) grandes fontes materiais que, todavia, não in-
fluenciaram nem a legislação sindical, nem a que deu
origem à justiça do Trabalho. Por quê? Porque o an-
teprojeto da CLT, elaborado em 1942, bem como seu
texto final de 1943, teriam de observar a Constituição
em vigor, a Carta de 1937, cuja vigência foi outorgada
a legislação sindical, destinada a fomentar ou moti-
var a configuração das corporações, que iriam eleger
o Conselho de Economia Nacional (previsto na Cons-
tituição de 1937). Todos decretos-leis expedidos entre
1940 e 1942 foram transplantados para a Consolida-
ção, uma vez que a CLT deveria ser um complemento
da lei maior. Outro capítulo em que praticamente, não
houve alteração alguma foi o da Justiça do Trabalho,
instalada em 1941, e o seu processo sobre o que não
(67) Art. 1º da CLT constante desde a primeira edição da normatização consolidada.
(68) Obra citada, p. 645-6.
(69) A comissão foi desmembrada na primeira reunião em que constatada a impropriedade de realização de uma Consolidação das Leis do Trabalho e da
Previdência Social, razão pela qual restrita aos cinco membros como mencionado por Arnaldo Süssekind, na obra Um Construtor do Direito do Trabalho.
GOMES, Angela de Castro; PESSANHA, Elina G. da Fonte; MOREL, Regina de Moraes (Orgs.). Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2004. p. 77.
(70) Arnaldo Süssekind, obra citada, p. 77-8.
REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO 43
cabia modificação. No mais o que a comissão fez teve
por inspiração essas três fontes materiais (...)”.
A CLT foi assinada pelo presidente Getúlio Var-
gas como assinala o jurista Arnaldo Süssekind — par-
ticipante dos fatos — “(...) na festa do 1º de maio de
1943, em pleno estádio do Vasco da Gama lotado, o
presidente assinou a CLT, aprovada pelo Decreto-lei n.
5.452. A publicação, porém, deu-se somente nos pri-
meiros dias do mês de agosto. (....) Ao final, o texto
foi mantido com pequenas alterações e o nosso traba-
lho foi transformado em lei. Mas demorou, só saiu no
início de agosto, e vigorou a partir do dia 10 de no-
vembro de 1943, aniversário do Estado Novo (...)”.(71)
Essa digressão histórica é importante para ressal-
tar a atualidade da CLT nos dias atuais, considerando-
-se a alteração da competência da Justiça do Trabalho,
que, como antes referido, não se corporifica em fato
novo.
Anteriormente, a competência da Justiça do Tra-
balho em razão de norma constitucional(72) estava li-
mitada às relações decorrentes de vínculo de emprego
subordinado(73), assim como outras controvérsias de-
correntes da relação de trabalho, mas de forma algu-
ma com a amplitude que foi introduzida pela EC n.
45/2004.
A EC n. 45/2004 traz para o âmbito da compe-
tência da Justiça do Trabalho — Justiça especializada
e estruturada para a análise das relações de trabalho
—, entre outras, ações derivadas da relação de traba-
lho (sentido amplo), assim como ações que envolvem
direito de greve, representação sindical, mandados de
segurança, habeas corpus e habeas data, de ato sujeito
à sua jurisdição, indenização por dano moral ou patri-
monial (acidente do trabalho) decorrentes da relação
de trabalho, penalidades administrativas impostas aos
empregadores pelos órgãos de fiscalização das rela-
ções de trabalho, execução de ofício das contribuições
sociais.
Em outros termos, a partir da EC n. 45/2004,
todas as controvérsias derivadas das diversas formas
de trabalho passaram a ser examinadas exclusiva-
mente pela Justiça do Trabalho. E alguns conflitos
positivos(74) de competência que surgiram a partir do
advento da EC n. 45/2004, como o caso dos acidentes
do trabalho, já foram dirimidos por decisão do Supre-
mo Tribunal Federal.
Com a ampliação da competência da Justiça do
Trabalho, inúmeros outros tipos de ações, anterior-
mente solucionadas pela Justiça Comum, passaram
também a ser dirimidas pela Justiça Especializada, em
que se destacam, por exemplo, as decorrentes de inde-
nização por dano moral. Esse tipo de ação desvela uma
realidade ainda pior emergente das relações de traba-
lho, o que identifica também uma face mais negativa
do empresariado brasileiro.
Em alguns casos, se verifica prova mais do que
suficiente de assédio por parte do empregador para que
haja “renúncia” de possível estabilidade, por exemplo,
criada por norma contratual e, como tal, integrante ao
contrato de trabalho para todos os efeitos. Em alguns
casos, há inclusive tentativa de formalização mediante
acordos judiciais para afastar a integratividade da nor-
ma específica criada por iniciativa do próprio empre-
gador. E, ainda, não raro, comprovada efetiva coação
da empresa, por intermédio de seus prepostos, para
que houvesse renúncia da estabilidade, procedimento
injustificado, mormente por objetivar a alteração de si-
tuação de fato criada por ato da própria empregadora.
A forma como se processa a reestruturação de
uma empresa com necessária adequação do quadro
de empregados, ao invés do respeito à normatiza-
ção interna criada por sua própria iniciativa, em que
garantia muito além da própria lei, passa a empresa
em tentativa clara que tangencia a litigância de má-
-fé, formalizar pretensos acordos por meio de ações
judiciais que comprovadamente não expressavam lide
entre as partes para reverter situações constituídas.
Não há dúvida de que permanece íntegro o direito do
empregador na dispensa de seus empregados, o que
não significa chancelar práticas muito próximas às dos
primórdios da Revolução Industrial, em que os em-
pregados incluídos menores de cinco, sete, nove anos,
eram submetidos a condições desumanas de trabalho,
certamente muito piores do que aquelas vivenciadas
pelos escravos.
Observe-se, ainda, que a sistemática de empresas,
em fase de reestruturação ao não obedecer um mínimo
(71) Arnaldo Süssekind, obra citada, p. 81-2.
(73) Conceito de empregado — art. 3º da CLT.
(74) Conflito entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Comum sobre acidentes de trabalho.
44 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
de gerenciamento de organização e métodos, acaba
criando no ambiente de trabalho, em especial em re-
lação a empregados mais antigos, instabilidade, pres-
são e desorganização, acarretando situação de conflito
passível de ser reparada, já que visualiza o empregado
como artefato suscetível de ser descartado.
Deve ser mencionado, por ser pertinente, que
não se constitui em tarefa fácil para o empregado em
vias de ser demitido, depois de um longo período de
tempo de trabalho prestado ao mesmo empregador,
enfrentar o mercado de trabalho, sobretudo se for con-
siderado o quadro de desagregação de emprego confi-
gurada no País nos últimos dez anos.
5. UMA SOLUÇÃO PROPOSTA DENTRO
DA LÓGICA FINANCEIRA
5.1. Do Fundo para Demissões Coletivas
A análise da efetividade da prestação jurisdicio-
nal consubstanciada na satisfação ao credor — polo
ativo da relação jurídico-processual —, na esfera da
execução trabalhista, em um largo espaço de tempo,
que ora ultrapassa mais de duas décadas, conduz a uma
inevitável constatação da não efetividade em grande
escala, motivada na maioria das vezes pela impossibi-
lidade econômica do devedor.
A execução trabalhista, como de resto qualquer
outra espécie, estanca quando constatada inexistência
de bens passíveis de excussão ou mesmo adjudicação,
a qual objetiva, em concreto, o pagamento dos direitos
declarados em sentença. Em todos esses casos, se ope-
ra a transmudação da prestação jurisdicional em mera
certificação de direitos sem resultado tangível no uni-
verso dos fatos. A impossibilidade de prosseguimento
da execução revela a face mais trágica de um longo
processo de desagregação econômica, já que invia-
biliza não só a efetividade da prestação jurisdicional,
mas, em especial, qualquer noção de Justiça em sen-
tido amplo.
Não há a menor dúvida de que todo o processo de
conhecimento se direciona à execução — coativa ou
não —, tendo como finalidade a concreção no mundo
dos fatos daquilo que foi gestado no âmbito da esfera
processual e, como tal, abstrata, porque criação den-
tro do mundo jurídico. Por certo, o autor, em qualquer
tipo de processo — e muito especialmente no Processo
do Trabalho dado o caráter eminentemente alimentar
—, na grande maioria das hipóteses, não visa ao mero
reconhecimento de direitos, mas, essencialmente, à
satisfação de direitos já antes sonegados, como sentido
finalístico da execução.
Em matéria de demissões massivas, a efetividade
da prestação jurisdicional é ainda mais difícil e, não
raro, apresenta quadro desagregador da realidade da
própria política de emprego vigente no país.
A alteração do quadro grave de desemprego no
Brasil passa indiscutivelmente por reformulação das
políticas de emprego do governo federal, bem como
pela ampliação do total de gastos, máxime direcionado
às faixas etárias dos mais jovens e dos segmentos não
formalizados no mercado de trabalho.
A implementação de políticas públicas de qua-
lificação para o trabalho, mas diversa do modelo do
que até se produziu no país, em que gastos recursos
em programas não integrados com a política indus-
trial, mas meramente compensatória do mercado de
trabalho.
De outra parte, é importante haver regulação le-
gislativa capaz de estabelecer parâmetros do que se
constitui em demissões ditas massivas, diversamente
das meramente individuais.
Há diferença substancial ao se constatar pela
análise, por exemplo, das informações enviadas ao
Ministério do Trabalho entre empregados admitidos
e demitidos de demissões tidas como individuais —
demissões sem justa causa, demissões com justa cau-
sa, por iniciativa do empregado, término do contrato
por prazo determinado, entre outras —, com aquelas
que somente podem ser consideradas como coletivas
ou massivas porque envolvem não raro toda a massa
trabalhadora de uma unidade produtiva.
Na atualidade, fica bastante presente essa última
hipótese quando se verifica a situação dos emprega-
dos da Viação Aero Riograndense — VARIG —, em
que até então não houve uma solução ampla para os
trabalhadores demitidos. E também não houve nenhu-
ma iniciativa de caráter geral no sentido de preserva-
ção dos empregos ou de permanência das operações
da companhia de prestação de serviços, com saída em
massa de empregados altamente especializados para
os mais diferentes lugares do planeta.
Na análise da situação concreta da VARIG S.A.,
tem-se que esta continua precariamente operando, in-
clusive em serviços de transporte aéreo, com cerca de
quinhentos empregados e alienou, por meio de leilão,
parte substancial de suas ações e patrimônio, como
está discriminado no auto de leilão conforme tramita-
REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO 45
ção na 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, para a
denominada empresa VRG Linhas Aéreas S.A., ante-
riormente designada de Aéreo Transporte Aéreo S.A,
foi adquirida pela GTI S.A. em data de 28 de março
de 2007. E com isso houve sucessão de parte do patri-
mônio muito significativo para a referida empresa, até
porque consta no auto de leilão realizado que o objeto
a ser alienado sob a forma e para os efeitos do art. 60
e parágrafo único da Lei n. 11.101/05 a “UNIDADE
PRODUTIVA VARIG, VARIG E RIO SUL”, per-
manecendo em recuperação judicial apenas as dívi-
das(75). E, ainda, é de conhecimento geral o processo
de alienação da VARIG para a empresa GOL(76), o que
indica que todos os negócios realizados, seja por uma
ou outra forma, tratam de privilegiar capital em detri-
mento do trabalho.
No que diz respeito à alienação de parte do pa-
trimônio ativo para a empresa VRG Linhas Aéreas
S.A., anteriormente denominada de Aéreo Transpor-
tes Aéreos S.A, adquirida pela GTI S.A. em data de
28 de março de 2007, também não há dúvida de que
as referidas empresas — Varig Logística S.A. e Aéreo
Transportes Aéreos S.A. — não passam de mero des-
dobramento da primeira, ou melhor, desconcentração
do patrimônio em duas novas empresas com a finali-
dade exclusiva de salvar os ativos da empresa.
A empresa VARIG LOGÍSTICA S.A. foi cons-
tituída em 25 de agosto de 2000 e a VEM MANU-
TENÇÃO E ENGENHARIA S.A. em 22 de outubro
de 2001, tendo ambas como acionista fundador majo-
ritário a VARIG S.A. VIAÇÃO AÉREA RIO-GRAN-
DENSE.
A VARIG LOGÍSTICA S.A. teve por sua funda-
dora e controladora a Varig S.A., dela desmembrando-
-se e transferindo o seu controle para a empresa VOLO
DO BRASIL S.A., que pertence ao mesmo grupo da
empresa AÉREO TRANSPORTES AÉREOS S.A.
A empresa VEM MANUTENÇÃO E ENGENHARIA
S.A. foi transferida — cerca de 90% de ações nomi-
nativas da referida empresa (VEM MANUTENÇÃO
E ENGENHARIA S.A.) — para a EMPRESA AERO
— LB PARTICIPAÇÕES S.A. em 9 de novembro de
2005.
O que se verifica, quando da análise objetiva da
situação da VARIG S.A. que gerou uma crise nos ser-
viços de transportes aéreos no país, é que não há a
configuração técnica ou teórica de sucessão de em-
pregadores, na forma dos arts. 10 e 448 da CLT, mas
de integratividade de responsabilização, visto que to-
das as empresas configuram, na realidade, uma única
empresa pela inequívoca desconcentração de ativos e
apenas a permanência do passivo nas empresas aéreas
em recuperação judicial.
E essa conclusão somente reforça a mesma ilação
já aludida antes, de que toda a parte ativa da empre-
sa, viável economicamente, do conglomerado VARIG
S.A., que se constitui no passado não muito remoto em
uma das maiores empresas aéreas do país, ou foi des-
concentrada ou foi alienada, restando, nas empresas
em recuperação judicial, o que em economia se de-
nomina ‘parte podre’, i. e., as dívidas incluídas nessa,
o passivo trabalhista e tornadas incomunicáveis seja
pela desconcentração de ativos, seja pela alienação e
como empresas saudáveis (ativos), ou seja, aquelas
com viabilidade econômica e financeira.
E, nesse limite da sobreposição do capital e do
lucro em detrimento do trabalho, é empurrada ou ar-
rastada para um futuro muito distante a responsabiliza-
ção das parcelas emergentes dos contratos de trabalho
de seus empregados que, afinal, construíram por mais
de meio século o padrão de excelência em matéria de
transporte aéreo.
Essa a razão em concreto do reconhecimento da
responsabilização de todas as empresas de forma soli-
dária, na forma do art. 264 do Código Civil.
Indicação também que há a mesma situação da
Volkswagem, unidade de São Bernardo do Campo(77),
ameaçada de fechar (ora em plano de demissão vo-
luntária); fábrica esta inaugurada há quarenta e sete
anos, com aproximadamente 12,4 mil empregados,
sendo cerca de 65% na produção. A referida demissão
em massa de cerca 6.100 empregados, num prazo de
dois anos, prende-se a um plano de reestruturação da
empresa no país.
Por certo que a massiva demissão dos trabalha-
dores, no caso da VARIG em razão dos mais diversos
problemas econômicos e financeiros pelos quais atra-
vessou a empresa por mais de uma década, não pode
ser confundida com as demissões individuais realiza-
(75) Plano de Recuperação Judicial, realizado em 08 de maio de 2006, está detalhado no item V — Repactuação das Dívidas Concursais, item 11, com
relação aos credores classe I (aeroviários), estes teriam os seus créditos quitados no prazo máximo de um ano a partir da aprovação do plano e os aero-
nautas, conforme item “b”, ou seja, nas condições originalmente pactuadas.
(76) 28 de março de 2007, por US$ 320 milhões.
(77) Notícia veiculada na Folha de São Paulo de 22 de junho de 2006 — caderno dinheiro B1, com a seguinte manchete “ Volks ameaça fechar fábrica e
demitir 6.100”.
46 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
das pelas empresas dentro do poder discricionário do
empregador de produzir os ajustes na esfera produtiva.
No caso de demissões coletivas(78), deveria haver
uma política de preservação dos empregos com a in-
versão de recursos para o pagamento de salários por
determinado período, ou em determinado percentual
— em casos como o da VARIG —, por exemplo, que
atingiu uma expressiva massa de trabalhadores de todo
o país.
O professor Marcio Pochmann, em trabalho já an-
tes referido, menciona sobre essa diferenciação entre
as espécies de demissões: “(...) De outro lado, caberia
aprovação de uma legislação adequada que permitis-
se diferenciar a simples demissão em individual do
empregado de uma demissão de natureza coletiva de
trabalhadores. A experiência italiana do Fundo de In-
tegração de Salário avança muito neste sentido, uma
vez que busca considerar medidas ativas com objeti-
vos distintos (...)”.
No entanto, para implementação de uma altera-
ção legislativa válida e eficaz são necessários recursos,
pois do contrário não haverá condições de efetividade
de qualquer alteração para a preservação dos empre-
gos em casos de demissões em massa de trabalhadores,
seja por motivo técnico, econômico ou empresarial.
Os recursos poderiam ser provenientes do Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT), bem como deriva-
dos de contribuição de empresas e de empregados. Os
recursos igualmente também poderiam ser derivados
de parte dos maciços lucros dos bancos oficiais que
centralizam os depósitos judiciais sem qualquer con-
trapartida em benefício do trabalhador.
E isto porque, no âmbito do Processo do Trabalho,
o recurso ordinário, o de revista e mesmo o extraordi-
nário — têm como pressupostos de admissibilidade,
entre outros, não apenas a tempestividade, mas tam-
bém a efetivação do preparo — pagamento de custas
e depósito recursal —, sob pena de não conhecimento
liminar do recurso, o que demonstra a opção do legis-
lador pela efetividade da execução como antecedente
lógico à própria possibilidade de recorribilidade das
decisões. E, ainda, foi criado o mecanismo destinado
à satisfação dos direitos já declarados no processo de
conhecimento, em razão da passagem do tempo.
Em outros termos, visou a lei mediante o depósito
recursal antecipar os efeitos da sentença sem a eficácia
do trânsito em julgado — coisa julgada material e for-
mal, já que pendente algum tipo de recurso —, como
forma de proteção do credor trabalhista — polo ativo
da relação jurídico-processual — exatamente por con-
formar situação de quase definitividade da execução,
ainda que não configurada imediatidade, dada a neces-
sidade do reexame pelos Tribunais superiores provo-
cada pela interposição dos recursos cabíveis.
A viabilidade dos recursos na esfera trabalhista
nestes termos concretizaria, em tese, a efetividade da
prestação jurisdicional, no sentido de que a execução
futura estaria sempre garantida pelo depósito prévio, o
que na prática, no entanto, não se verificou, não só pela
irrisória previsão do valor, mas principalmente pela
corrosão do poder de compra da moeda em períodos
de acelerada inflação.
O depósito recursal, em períodos de inflação
constante pelos quais atravessou o país nas décadas
de 80 e 90, não se constituiu em fator obstaculizador
da esfera recursal, inclusive a meramente protelatória,
pela baixa taxação do valor, assim como também não
mais significou garantia de execução futura dada à de-
preciação manifesta do valor, em razão da passagem
do tempo.
A desproporção entre a correção monetária do de-
pósito recursal procedida pelo banco depositário e o
valor do spread bancário — fato, aliás, que se estabe-
lece até o momento atual —, mesmo que mais baixos
os níveis de inflação, impossibilita qualquer conclusão
de paridade ou identidade entre o valor depositado e
aquele devido capaz de ensejar pagamento integral ao
credor. E, nesses termos, a interposição de recursos
no âmbito da Justiça do Trabalho traduz uma das tan-
tas facetas da dominação da esfera financeira, já que
possibilita a aferição de vantagens econômicas não só
em favor do devedor, mas principalmente aos bancos
oficiais, que concentram a integralidade dos depósitos
judiciais.
Para o devedor trabalhista — empresa ou empre-
gador privado ou público, sendo este último dispensa-
do por lei do depósito prévio para fins de recurso —,
é muito mais vantajosa a protelação recursal em perío-
(78) Ideia desenvolvida pelo Professor Márcio Pochmann, em trabalho publicado na Agência Carta Maior. Não à demissão como válvula de escape. Dis-
ponível em: .
REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO 47
dos de inflação marcante do que o pagamento imediato
do valor objeto da condenação, já que o fato jurídico
representado pelo tempo significa a corrosão do poder
de compra da moeda, não recomposto integralmente
pelos índices de correção monetária trabalhista. Em
síntese, o devedor direciona os recursos (valores) que
seriam destinados ao credor, para aplicações de curto
ou médio prazo que resultam num lucro muito superior
comparativamente ao valor da condenação trabalhista
em último grau de jurisdição, ainda que aplicados os
índices de correção monetária e os juros de mora.
No que concerne aos bancos, independentemente
dos ciclos inflacionários, a concentração dos depósitos
judiciais, incluídos os denominados depósitos recur-
sais em bancos oficiais — Caixa Econômica Federal
(CEF) e Banco do Brasil (BB) — produz efetiva ge-
ração e apropriação de mais capital em decorrência de
realimentação do próprio capital.
A sistemática de concentração dos denominados
depósitos judiciais em bancos oficiais produz a gera-
ção de uma maior acumulação de capital ao banco em
decorrência do grande volume de capital derivado des-
tes depósitos, assim como pela circunstância na qual
esses depósitos não permanecem estáticos, com a ex-
clusiva finalidade de remunerar ao final do processo o
credor trabalhista no percentual de 6% ao ano, acresci-
do da Taxa Referencial (TR). Por certo, a lucratividade
aferida pelos bancos com aquisição de títulos da dívida
pública com esses recursos lhes proporciona rentabili-
dade muito superior àquelas remuneradas aos credores
quando da finalização do processo.
Em síntese, os bancos oficiais lucram com a con-
centração do depósito recursal, sendo que tal lucrativi-
dade não é repassada em qualquer medida para efeito
de atenuação das desproporções entre capital e traba-
lho, mas ao contrário há uma maior acumulação de ca-
pital sem qualquer interveniência da esfera produtiva.
Nesse contexto, a CEF e o BB adquirem ativos
lucrativos — não é por outra razão que se posicionam
entre os maiores bancos do país — sem repassar qual-
quer valor do lucro em favor dos trabalhadores, que
são afinal os destinatários da prestação jurisdicional
efetivada pela Justiça do Trabalho, instituição pública
que garante a manutenção e a concentração de todos os
depósitos judiciais, o que traduz em um volume imen-
so de captação aumentado geometricamente em razão
do giro dos negócios, ou seja, o capital gerando mais
capital de forma independente.
E, portanto, parece muito claro que parte do re-
ferido lucro deve ser direcionado para a formação do
denominado fundo para as demissões massivas, que
poderia ser gerido pelos Tribunais, abrindo espaço
para que a CEF e o BB, no caso, contribuam com a
redistribuição da riqueza em atividade produtiva, e não
a meramente especulativa do capital.
Não parece justo que o capital gerado em razão
exclusivamente dos processos trabalhistas e conse-
guinte, em decorrência do trabalho ainda que pretérito,
não seja capaz de gerar benefício ao próprio trabalho,
em ratificação à lógica capitalista que visa maior acu-
mulação de riqueza.
A inversão da lógica financeira, com a utiliza-
ção do capital em favor da concreção de valores mais
conformados com ideal de Justiça, é solução sistêmica
significativa de aperfeiçoamento das instituições.
6. UMA VISÃO PESSIMISTA SOBRE O TRA-
BALHO
O trabalho hoje, quando consolidada a ideia de
ser uma das mais importantes formas de desenvolvi-
mento do ser humano, tanto na esfera pessoal quanto
na profissional, e ainda fator de sua inserção definitiva
no mundo por lhe proporcionar a satisfação de suas ne-
cessidades básicas, passa indiscutivelmente por uma
espécie de crise estrutural na medida em que alteradas
substancialmente as formas de acumulação de capital.
Ora, visto que prevalentes as formas de geração de ca-
pital pelo próprio capital, ou seja, o capital gerando
capital de forma independente em detrimento da esfera
produtiva, parece óbvio que o papel do trabalho do ser
humano não mais terá a importância que desempenhou
em outros momentos históricos. E talvez em um futu-
ro muito próximo a tendência seja a de desaparecer
ou, no mínimo, constituir-se em diminuta parte de um
complexo processo de transformação que se opera na
sociedade capitalista.
Por certo, será muito mais produtivo alavancar
lucros pela esfera puramente financeira, sem qualquer
interveniência do trabalho humano. Dado em que a es-
peculação financeira passa a ter papel central na for-
ma de acumulação de capital em detrimento da esfera
produtiva, e como tal geradora de empregos, não resta
maior futuro para o trabalho humano. E pouco importa
que a economia e a própria sociedade se transformem
em algo que possa prescindir do homem, mesmo por-
que valores éticos já estão em acelerada fase de desa-
gregação.
48 REFORMA TRABALHISTA • PRIMEIRO ANO
A filósofa Marilena Chauí na conferência “Inte-
lectual engajado: Uma figura em extinção?”(79) adverte
sobre a ideologia do que denomina de “política pós-
-moderna”:
(...) A ideologia pós-moderna, sob a ação das
tecnologias virtuais, faz o elogio do simulacro,
cuja peculiaridade na sociedade contemporâ-
nea se encontra no fato de que por trás dele
não haveria alguma coisa que ele simularia ou
dissimularia, mas apenas outra imagem, outro
simulacro.
(...) A “política” pós-moderna opera, assim,
três grandes inversões: substitui a lógica da
produção pela da circulação (os micropoderes
e o nomadismo das singularidades) e por isso
substitui a lógica do trabalho pela da infor-
mação (a realidade como narrativa e jogos de
linguagem), e, como consequência, substitui a
luta de classes pela satisfação-insatisfação do
desejo (...).
Em síntese, em uma era que prevalecem a simu-
lação, como adverte a filósofa, e o nomadismo do ca-
pital, como estrutura primordial de enriquecimento,
muito pouco espaço haverá para o trabalho na forma
originalmente em que foi desenvolvida ao longo dos
séculos.
7. CONCLUSÕES
7.1. Proposição legislativa para a criação do Fun-
do de Demissões Coletivas com a finalidade de pre-
servação dos empregos e manutenção dos contratos de
trabalho em situações específicas de demissões massi-
vas de empregados por força de razões de ordem téc-
nica, econômica ou empresarial.
7.2. Alteração da forma da correção monetária
para os créditos trabalhistas a serem calculados pelas
mesmas taxas do spread bancário.
7.3. Responsabilização direta dos administrado-
res públicos — civil, penal e administrativa —, pelas
diversas formas de contratações anômalas em detri-
mento do cumprimento da norma constitucional de
exigência de concurso público para provimento de
cargos públicos.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CLT — Decreto n. 5.452, de 1º de maio de 1943,
primeira edição, publicação A Revista — Trabalho,
Indústria e Comércio, suc. de “O orientador”, Livraria
Continente, 1943.
Suplemento LTr, Ano XXVI, n. 48/90, p. 250-51.
Art. 2º, da Lei n. 7.789/89Art. 2º “Os salários
dos trabalhadores que percebam até 3 (três) salários
mínimos mensais serão reajustados mensalmente pelo
Índice de Preços ao Consumidor — IPC do mês an-
terior, assegurado também o reajuste de que trata o
art. 4º, § 1º, desta Lei”.
DOU de 1º de fevereiro de 1989.
CLT e legislação específica do FGTS.
Súmulas do TST.

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