Flexibilização Trabalhista em Tempos de Crise: para Além de uma Visão Econômica do Direito do Trabalho

AutorKonrad Saraiva Mota
Páginas106-110

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Konrad Saraiva Mota *

Capitalismo, crise econômica e flexibilização trabalhista: colocação do problema

Seria insensato ignorar que o capitalismo alcançou uma escala hegemônica na alta modernidade. O mundo é capitalista! Por mais que se queira estabelecer um contraponto capaz de suplantá-lo – o que, em teoria, afigura-se perfeitamente possível – a realidade parece o impor de maneira avassaladora. A prevalência do capital vem cada vez mais se mostrando um modelo universal, que invade todo tipo de relação humana: da política à religião, do trabalho ao consumo, da família à educação.

Por outro lado, não se mostra menos insensato deixar de perceber que o capitalismo, na sua caminhada evolutiva, está permanentemente acompanhado por crises. Crise econômica, crise tecnológica, crise ética. Crise e capitalismo seguem sempre pari passu. A sensação que fica é de que o capitalismo necessita continuamente superar suas crises para afirmar-se viável. Nada obstante, as crises do capitalismo renovam-se ciclicamente, carregadas de complexidade e sutilezas. É como se crise e capitalismo se retroalimentassem perenemente.

Uma das crises que mais se renovam no ambiente capitalista é a crise econômica. A ela, ajunta-se toda sorte de diagnóstico sombrio, com previsões de desemprego e de assolamento da classe que vive do trabalho. Como bem destaca Delgado, esse tipo de diagnóstico sempre vem envolto em três eixos de argumentação: “[...] as mudanças provocadas pela terceira revolução tecnológica do capitalismo; as mudanças vinculadas à restruturação empresarial [...]; a acentuação da concorrência capitalista”. (DELGADO, 2007, p. 69).

Destarte, as crises econômicas acabam por criar um ambiente fértil para o processo de desconstrução do primado do trabalho e emprego e de todo seu sistema de proteção. A receita é perversa: o capitalismo cria uma crise econômica que precisa ser superada. O mercado exige maiores garantias. Em países, como o Brasil, onde o arcabouço de medidas regulatórias das relações de trabalho é predominantemente legal, o discurso da flexibilização sempre vem à tona. A solução é deixar a cargo das próprias partes o comando dos contratos de emprego. A intervenção do Estado passa a ser mostrada como perniciosa e ultrapassada.

As etapas da flexibilização trabalhista são sempre as mesmas. Primeiro, anuncia-se uma crise. Posteriormente, fala-se em desemprego, sempre compa-

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rando o Brasil com outros países de economia pujante. Finalmente, enfatiza-se a necessidade de reforma trabalhista e daquilo que seus sequazes denominam de “modernização do direito do trabalho”. No fundo, o que se pretende é a destruição pura e simples desse segmento especializado do direito, cuja índole reside exatamente em humanizar as relações econômicas em tempos de crise.

José Pastore, professor de economia da Universi-dade de São Paulo, retrata, em seus escritos, ótimos exemplos das etapas de desconstrução anteriormente mencionadas. Em 2009, no auge da crise norte-americana, Pastore atrelava a qualidade dos empregos brasileiros à economia daquele país. Dizia o autor que “por mais que o mercado interno alavanque a economia, a qualidade dos empregos brasileiros estará intimamente atrelada ao que vai acontecer com a economia de nossos compradores” (PASTORE, 2009, p. 14). Ressalte-se que, em 2009, o Brasil possuía baixíssimos índices de desemprego. Como o ataque não podia ser na falta de emprego, o alvo passava a ser a sua qualidade.

Em 2012, com a crise na Europa, Pastore falava sobre o uso de medidas flexíveis nas crises. No texto, o autor fez uma comparação entre Alemanha e Brasil, dizendo que em solo europeu foram utilizadas medidas flexíveis para salvar empregos. Já “no Brasil, as leis são rígidas, inflexíveis e sujeitas a interpretações oscilantes dos magistrados, que, muitas vezes, anulam cláusulas de acordos negociados” (PASTORE, 2012, p. 3).

No início de 2016, já com a crise econômica conjuntural instalada no Brasil, impregnada de conotações político-ideológicas, Pastore escreveu sobre os alarmantes índices de desemprego no país, dizendo-se pouco otimista com o aumento dos postos de trabalho naquele ano, para, ao final, arrematar com a seguinte aspiração: “oxalá o ano venha a ser marcado pelo início das reformas estruturais que podem garantir um quadro melhor a partir de 2017” (PASTORE, 2016a, p. 29). O desemprego, portanto, exigiria reformas, dentre elas a trabalhista.

Em meados do mesmo ano de 2016, Pastore já evocava abertamente uma reforma trabalhista no Brasil. Comparando com a França que, de acordo com o autor, teria dado um importante passo para...

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