A situação da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção – CITES – no Brasil: Análise empírica

AutorGabriela Garcia Batista Lima
Páginas97-113

Gabriela Garcia Batista Lima. Pesquisadora do UniCEUB – Brasília/DF; membro do projeto de pesquisa “Internacionalização dos Direitos”. Endereço para contato: gblima@gmail.com.

Page 97

1 Introdução

A Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, conhecida como CITES1, consiste em um tratado que visa a proteger e a conservar a fauna e a flora silvestres. Com a regulamentação da comercialização internacional que envolve determinadas espécies, busca garantir que a atividade não ameace a sobrevivência ou a função ecológica da população envolvida.

O objetivo desta pesquisa, desenvolvida no âmbito do Direito Ambiental, é avaliar a efetividade da CITES no Brasil. Determinados os limites da consolidação da Convenção no contexto brasileiro, pretende-se delinear as principais falhas sistêmicas, identificando o que pode e o que deve ser reestruturado para que sua concretização se torne plena.

Page 98

Assim, primeiro, faz-se importante compreender, ainda que brevemente, como ocorre o controle realizado pela CITES e, também, como deve ser a composição interna brasileira para estar compatível com o que foi estabelecido nesse campo. Com isso, torna-se possível a análise da efetividade da Convenção no contexto brasileiro, e geral, utilizando-se, como parâmetro, a própria conceituação jurídica de efetividade, uma vez que a Convenção é um instrumento do Direito.

2 O monitoramento da atividade do comércio internacional realizado pela CITES

A CITES emergiu em um contexto delineado pela internacionalização dos problemas ambientais, até então locais ou regionais. Esses problemas surgiram quando o desenvolvimento econômico dos países se manifestava, ainda, sem qualquer medida para a conservação do meio ambiente. Diante, por exemplo, da intensidade da queima de combustíveis fósseis, da poluição da água e do ar, da destruição de florestas, evidenciou-se um estresse cumulativo dos recursos naturais.

Desse modo, a degradação ambiental agravou-se nos últimos 60 anos, em razão, principalmente, do elevado número de pessoas, com suas necessidades por refrigeração, transporte, madeira, busca por animais exóticos, acarretando a perda da biodiversidade da Terra, sem precedentes2 em termos históricos. Com a repercussão internacional de tais problemas, organizaram-se debates e criaram-se diversos instrumentos para que houvesse, em todos os ramos, ações efetivas voltadas à conservação ambiental.

Não obstante o uso de animais e de plantas silvestres ser uma prática comum há séculos, a preocupação com a diversidade ecológica passou a ser necessária a partir do momento em que o homem começou a utilizá-los como mercadorias para fins comerciais e econômicos3. Após a perda do habitat, a retirada de espécies do seu espaço para subsistência e comércio é a segunda maior ameaça à fauna e à flora silvestres4.

Destaca-se que populações de várias espécies declinaram em uma média de 40%, entre 1970 e 20005. Caso não se controle a exploração comercial de alguns animais e plantas,Page 99 esse comércio, somado a outros fatores – por exemplo, a destruição do habitat –, é capaz de prejudicar, em níveis elevados, a população da espécie e, mesmo, levá-la à extinção,.

Nesse panorama, quando foi criada a CITES, o comércio internacional de recursos silvestres já existia e era realizado sem qualquer preocupação com o impacto ambiental que a atividade causava. Assim, a sua efetivação faz-se imprescindível diante da necessidade de preservação tanto dos recursos da fauna e da flora quanto das condições de existência e de adaptação dos ecossistemas e do ser humano e, ainda, diante da relevância do desenvolvimento sustentável da atividade comercial objeto de sua regulamentação.

Nesse sentido, releva-se a questão de serem a fauna e a flora, assim como os demais recursos ambientais, componentes da chamada biodiversidade ecológica. As funções exercidas por esses componentes permitem o equilíbrio ecológico em seu ecossistema. Por conseguinte, a ausência de quaisquer desses componentes afeta a composição da biodiversidade, acarretando alterações nos ecossistemas.

Assim, ainda que o objeto da Convenção se restrinja apenas à conservação e ao monitoramento das espécies e espécimes afetados pelo comércio internacional, não englobando toda fauna e flora existente, a CITES é de extrema importância para a conservação da biodiversidade. A questão é, ainda, mais complexa no que diz respeito a seu campo de atuação, pois busca-se alcançar a conservação da biodiversidade em seus extremos, quais sejam, a ameaça de extinção de várias espécies e o comprometimento de sua função ecológica.

Deve-se salientar que o comércio da fauna e da flora silvestres constitui a base de subsistência e de desenvolvimento de muitos países, inclusive do Brasil. Nesse comércio, estão comprendidas atividades como a extração de pérolas, de madeira, de graxa de borracha, além de exportação de animais e de plantas, de pesquisas na área de medicamentos e de alimentação, entre outras. Ademais, os avanços medicinais, pelo uso e estudo de plantas e de animais silvestres que resultam na criação de produtos derivados como poções, cremes e remédios, propiciam melhor qualidade de vida6.

O desafio para a continuidade do comércio de vida selvagem nessas regiões reside na conscientização relativa ao como e ao porquê da preservação ambiental e do exercício dessa atividade de forma sustentável. Além da regulamentação, do incentivo e da criação de mecanismo para viabilizar a atividade por parte do governo, é preciso gerar, no seu complexo social e político, a referida conscientização7.

Page 100

A CITES é um reflexo da atenção para o desenvolvimento sustentável e exige a colaboração entre os Estados para sua consolidação, envolvendo tanto os países de importação e de exportação, como os de reexportação. A comercialização das espécies descritas somente é possível com a devida regulamentação, autorizada após um sistema de licenciamento, manuseado pelas Autoridades Administrativas e Científicas nos Estados membros. Isso importa em uma pesquisa a respeito da legalidade da origem, das condições de transporte e do impacto da atividade na população da espécie, de modo a evitar que, pela comercialização, haja afetação no equilíbrio ecológico8.

Sobre esse aspecto, esclarece-se que, para o campo do direito internacional ambiental, a questão da eficiência e mesmo da efetividade de uma Convenção como a CITES remete a discussão para a concretização do desenvolvimento sustentável. A necessidade de regulamentação resulta, pois, não apenas da relevância da preservação ambiental, mas, também, da importância da atividade para o

desenvolvimento dos países. Explica Varella que “o princípio do desenvolvimento sustentável vem da fusão de dois grandes princípios jurídicos: o do direito ao desenvolvimento e o da preservação do meio ambiente”9.

Ensina Amartya Sen que desenvolvimento abrange o crescimento econômico de um país e, principalmente, a expansão de liberdade de seus cidadãos, como o acesso à saúde, à educação, ao trabalho, contemplando um sistema apto a fortalecer a estrutura de seu país tanto em termos econômicos quanto políticos10. Assim, elaborar os termos de uma Convenção internacional responsável pela regulamentação de atividades econômicas que utilizam recursos ambientais implica possibilitar, também, a própria concretização dos direitos dos cidadãos. É dizer que o esforço para o desenvolvimento define um modo sustentável na sua realização, que aposta na capacidade natural da região, valorizando os seus recursos específicos, para a satisfação das necessidades fundamentais da população em matéria de alimentação, habitação, saúde e educação, emprego, segurança, qualidade nas relações humanas. Sendo o desenvolvimento voltado para a realização do homem, sua efetividade exige um resultado satisfatório11.

Com recursos como a CITES, a sociedade possui um instrumento que orienta como deve ser a atividade, ao mesmo tempo que a promove, permitindo o desenvolvimento social e econômico. As espécies estão discriminadas em três apêndices, de acordo com o grau de proteção de que necessitam, e poderão ser comercializadas, somente, se apresentado o documento apropriado nos portos de entrada e de saída dos países. O documento é a licençaPage 101 emitida pelo órgão responsável pela administração da CITES, após análise, pelo órgão científico, dos impactos pertinentes.

Os requisitos para emissão da licença podem variar de acordo com a legislação dos países, mas devem estar em conformidade com as condições básicas da CITES. Do apêndice I constam espécies à beira da extinção que possam ser afetadas pelo comércio internacional, e sua comercialização é permitida, apenas, em circunstâncias excepcionais. O apêndice II inclui espécies que não estão em alto risco de extinção, mas sua comercialização deve ser regulamentada a fim de evitar que esse risco ocorra. No apêndice III, estão as espécies protegidas em pelo menos um país membro, o qual busca a cooperação das outras partes para assistência no controle do mercado de tais espécies12.

Percebe-se, assim, a relevância da atuação efetiva da CITES no território brasileiro e a importância do estudo para apontar as mudanças internas necessárias ao atendimento da demanda internacional do comércio da fauna e da flora. Significa, pois, possibilitar a continuidade de uma atividade que trabalha para o desenvolvimento humano, bem como conservar as condições de sobrevivência e de qualidade de vida no planeta, à medida que a Convenção proporciona, também, a conservação biológica das espécies envolvidas.

3 A CITES como instrumento de coibição do tráfico ilegal

O...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT