Flora e florestas

AutorMaria Luiza Machado Granziera
Páginas227-262
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FLORA E FLORESTAS1
15.1 A NOVA LEI DE FLORESTAS
A Lei nº 4.771, de 15-9-1965, revogada pela Lei nº 12.651/12, foi editada em época
anterior à tomada de consciência global sobre as questões do meio ambiente e a neces-
sidade de sua proteção. Se não era uma lei perfeita, era coerente com seus princípios e
objetivos. Faltava, sim, instrumentação técnica para a sua implementação. Nada que não
pudesse ser adicionado ou revisto ao longo do tempo, como de fato chegou a acontecer,
com a MP nº 2.166-67/01, de 24-8-2001, e outras normas anteriores.
Ocorre que a Lei nº 4.771/65 padeceu de um mal histórico que aflige o Brasil de
maneira geral, que é a falta de fiscalização e a impunidade. Dessa forma, muitos de seus
dispositivos, em vigor desde a sua edição, foram sistematicamente descumpridos, sem que
isso fosse de alguma forma cobrado pelas autoridades. Poucos Estados, por meio de suas
polícias ambientais e seus órgãos e entidades voltados à proteção da flora preocuparam-se,
de modo efetivo, com o cumprimento da referida lei. Tampouco se formularam políticas e
instrumentos que viabilizassem e apoiassem os produtores rurais no cumprimento da lei.
Quando, em 22-7-2008, o decreto então vigente que regulamentava a Lei de Cri-
mes Ambientais, dispondo sobre infrações administrativas, foi revogado pelo Decreto nº
6.514/08, o cenário começou a mudar. O Decreto nº 6.514/08 estabeleceu, entre outras,
pesadas multas para quem deixasse de averbar a Reserva Legal na matrícula do seu imó-
vel. Além disso, em 29-2-2008, foi editada a Resolução nº 3.545, do Banco Central, que
passou a condicionar a liberação de crédito agropecuário à regularização ambiental das
propriedades rurais.
Importante também salientar que muitos países importadores e consumidores de
alimentos exigem, como norma, que os produtores estejam em conformidade com a legis-
lação do país, inclusive a ambiental.
Essas normas, em seus respectivos âmbitos de aplicação, tiveram por objetivo ga-
rantir a preservação da mata nativa e da biodiversidade nas propriedades e posses rurais,
o que se coaduna perfeitamente com a noção de desenvolvimento sustentável. Todavia, o
efeito não foi esse.
Deu-se início a um movimento nacional por parte dos proprietários rurais incon-
formados com as limitações ao exercício de seu direito de propriedade, que tinha como
objetivo alterar a lei, flexibilizando as obrigações então vigentes.
Após uma longa e acirrada negociação entre ambientalistas e a bancada ruralista do
Congresso Nacional, sobre a formulação de um novo marco legal sobre florestas, foi edi-
1. Este capítulo foi escrito em coautoria com Beatriz Machado Granziera.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
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A análise do texto da lei nos mostra que os danos e as infrações ambientais cometi-
dos no passado, como a supressão de vegetação em APP e atividades irregulares em áreas
de reserva legal, foram praticamente anistiados, e a responsabilidade por sua reparação
perdoada, configurando uma afronta ao princípio da isonomia, no que diz respeito aos
produtores que investiram no cumprimento da lei e na manutenção das áreas preservadas.
Além disso, a nova lei efetivamente autoriza o desmatamento de áreas que antes estavam
protegidas, o que configura um retrocesso em termos de proteção à biodiversidade e ou-
tros recursos naturais.
Chama a atenção a forma como o texto da Lei nº 12.651/12 foi concebido. Em linhas
gerais, os objetivos são a proteção das florestas e da vegetação nativa. O retrocesso, assim,
não se encontra nos princípios da lei, mas nos procedimentos estabelecidos para sua im-
plantação: de forma sub-reptícia, a Lei nº 12.651/12 vai, aos poucos, permitindo o que
proibiu, flexibilizando nos parágrafos o que restringiu no caput dos artigos.
Diante de tais controvérsias, o texto da nova Lei foi objeto de diversas Ações Diretas
de Inconstitucionalidade (ADIs) – nos 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937 – e da Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC) nº 42, que tiveram seu julgamento pelo Supremo Tribunal Federal
concluído em 22-02-18, resultando no reconhecendo da validade de vários dispositivos, decla-
rando alguns trechos inconstitucionais e atribuindo interpretação conforme a Constituição a
outros itens. Vale dizer que o princípio do retrocesso não foi considerado nas decisões.
Ainda não se têm estudos suficientes para quantificar com exatidão as perdas, seja
de vegetação nativa, seja de fauna, seja da produção de água. Mas pela simples análise da
lei em vigor, é perfeitamente possível verificar que haverá consequências ambientais pelo
perdão da reparação dos danos ambientais cometidos no passado e da permissão para
desmatar áreas que na lei anterior estavam protegidas.
Os efeitos da lei na natureza serão percebidos quando talvez já seja tarde. E o papel do
País perante a comunidade internacional, ignorando compromissos assumidos, também
terá repercussões negativas. São as gerações futuras que saem prejudicadas.
15.2 CONCEITOS: FLORA E FLORESTAS
As normas ambientais utilizam os termos flora e floresta, sem estabelecer uma defini-
ção de cunho legal. Considerando a importância do conhecimento científico na aplicação
do direito ambiental, cabe estabelecer esses conceitos, com vistas a uma clareza maior
sobre o que é efetivamente protegido pela lei.
A flora consiste no conjunto de plantas de uma determinada região ou período, lis-
tadas por espécies e consideradas como um todo.2 Pode-se entender que a flora, objeto de
proteção constitucional, refere-se a todas as espécies vegetais localizadas no território na-
cional, constituindo o gênero, do qual cada tipo de vegetação constitui uma espécie.
A flora constitui gênero, do qual as florestas são espécie, constituindo essas últimas
ecossistemas complexos, nos quais as árvores são a forma vegetal predominante que protege o solo
contra o impacto direto do Sol, dos ventos e das precipitações.3
2. ACADEMIA DE CIÊNCIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Glossário de ecologia, 2. ed. São Paulo: ACIESP, 1997, p. 122.
3. MOREIRA, Iara Verocai Dias. Vocabulário básico de meio ambiente. Rio de Janeiro: Fundação Estadual de Engenharia do
Meio Ambiente, 1990, p. 101.
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É importante ter em mente que a floresta não se dissocia do ecossistema, mas é parte
integrante do mesmo. Qualquer dano que um venha a sofrer atingirá os demais compo-
nentes, por serem todos parte de um todo: meio físico, floresta e fauna, traduzidos em
biodiversidade.
15.3 IMPORTÂNCIA DAS FLORESTAS
Floresta, solo, água e diversidade biológica são elementos indissociáveis, que formam
ecossistemas. A floresta retém a umidade do solo, mantém o sistema pluvial e abriga a
fauna. No texto a seguir transcrito, Odum e Barrett explicitam a importância da cobertura
florestal em relação ao solo.
Nos trópicos úmidos [...], a remoção de florestas retira a capacidade da terra de reter e reciclar nutrien-
tes (e combater as pragas) por conta das altas temperaturas durante o ano todo e dos longos períodos
de chuvas lixiviantes. Frequentemente, a produtividade agrícola declina com rapidez e a terra é aban-
donada, criando um padrão de agricultura itinerante.4
Segundo os autores citados,
a maior parte dos estoques de nutrientes [em zonas temperadas] está no solo e na serapilheira [cama-
da de folhas, galhos etc. de mistura com terra, que cobre o solo da mata]5 ao passo que nos trópicos
úmidos, os estoques de nutrientes estão na biomassa.
Os autores fazem uma comparação entre as características dos nutrientes.
Os ecossistemas tropicais pobres em nutrientes são capazes de manter alta produtividade sob condi-
ções naturais por meio de uma variedade de mecanismos de conservação de nutrientes. Quando es-
sas florestas cedem lugar à agricultura de grande escala ou a plantação de árvores esses mecanismos
são destruídos e a produtividade declina muito rapidamente, assim como o rendimento das lavouras.6
Por essa razão, a destruição das florestas úmidas, como a Floresta Amazônica, é preo-
cupação mundial. Sua ocorrência gera impacto no equilíbrio dos ecossistemas, afetando a
diversidade biológica, reduzindo a fertilidade do solo até torná-lo estéril, alterando o ciclo
hidrológico e provocando queda na produção de água doce, “sobretudo nas selvas tropicais,
que interceptam a umidade das nuvens”,7 sem falar na liberação do dióxido de carbono
(CO2), principal responsável pelo aquecimento global.
15.3.1 Importância da cobertura vegetal
Não é apenas a floresta que possui importância ecológica. Outros tipos de vegetação
como, por exemplo, o Cerrado, o Mangue e a Caatinga exercem fundamental papel, não
apenas na fixação do solo, evitando a erosão, como também fazendo parte integrante dos
ecossistemas que abrigam a fauna, compondo a rica biodiversidade brasileira. Os biomas
4. ODUM, Eugene; BARRETT, Gary W. Fundamentos da ecologia. Trad. da 5. ed. norte-americana. São Paulo: Thomson
Learning, 2007, p. 170.
5. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.
1573.
6. ODUM, Eugene; BARRETT, Gary W. Fundamentos de ecologia. Trad. da 5. ed. norte-americana. São Paulo: Thomson
Learning, 2007, p. 172.
7. INTERNATIONAL UNION FOR CONSERVATION OF NATURE (IUCN). Estratégia mundial para a conservação: a conser-
vação dos recursos vivos para um desenvolvimento sustentado. São Paulo: CESP, 1984, Estratégia 2, páginas não
numeradas.

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