Florestan Fernandes' criticism to university reform and its present relevance/A critica de Florestan Fernandes a reforma universitaria e sua atualidade.

AutorJunior, Adilson Aquino Silveira
CargoReport

Introducao

A estruturacao do ensino superior entre nos deslanchou encarnando um "padrao brasileiro de escola superior" (FERNANDES, 1975), um destino historico peculiar das resolucoes dos dilemas educacionais forjadas nos limites do "circuito fechado" da "dominacao imperialista externa" e do "desenvolvimento desigual interno". Alem disso, e uma expressao particularizada do "drama cronico" que assola a emergencia e a maturacao da sociedade de classe em nossas latitudes (FERNANDES, 1976).

Aqui, um ambiente agreste tendia a produzir uma universidade arida. As problematicas que ela suscitava nao deixavam de insinuar aquelas mazelas proprias da evolucao historica--tal como narrou Eduardo Galeano (2002, p. 187) no magistral As veias abertas da America Latina--dos demais paises do continente: "o desenvolvimento do capitalismo dependente uma viagem com mais naufragos que navegantes--marginaliza muito mais gente do que e capaz de integrar". Nao e casual que as vicissitudes postas pela "tutelagem externa" e a modernizacao conservadora no ensino superior--nomeadamente, os processos de "senilizacao institucional precoce", o "privatismo exaltado" (operante atraves do "carater ultra-elitista da educacao superior") e o "farisaismo cultural" (FERNANDES, 1975)--interviessem de modo tao visceral, porem renovado, num dos episodios decisivos de mudanca educacional no pais: a reforma universitaria de 1968.

No primeiro lustro do seculo XX, o debate da reforma universitaria no continente latino-americano transladava seus proprios marcos, congregando as aspiracoes pelas demais reformas sociais e instigando as tentativas de ampliacao do alcance das reformas institucionais. Destrinchando a significacao politica e a orientacao da reforma universitaria no Brasil, cuja ocorrencia manifesta-se retardatariamente, Fernandes (1975) a concebe enquanto um movimento social voltado para a ruptura com o conservadorismo no ensino superior; uma tentativa de suplantar o "antigo regime" nessa esfera e alcancar a instauracao de uma "universidade integrada e multifuncional". Exigencia posta para o desenlace da "formacao de um patamar de pesquisa criadora, ao nivel da ciencia, da tecnologia avancada e de outros ramos do saber, capaz de engendrar processos culturais relativamente autonomos de dinamizacao da civilizacao moderna na sociedade brasileira" (FERNANDES, 1975, p. 63). Este desenlace nao poderia ocorrer senao num processo global de rompimento com o "desenvolvimento dependente", ou do que Fernandes (2007) denominaria mais tarde de "revolucao dentro da ordem".

Condensadas em seu livro de 1975, A universidade brasileira: reforma ou revolucao? (1), essas analises nos interessam porquanto elucidam as repercussoes do arcaico modelo educacional brasileiro na configuracao das diretrizes, circuitos e encaminhamentos legais do processo de reforma universitaria absorvido e enquadrado pelo regime autocratico-burgues. Operada uma verdadeira modernizacao educacional conservadora no ensino superior pela ditadura empresarial-militar, aquele "padrao brasileiro de escola superior" repos-se em alguns de seus aspectos basilares. Interessanos sinalizar para essa "continuidade na descontinuidade" (MESZAROS, 2009) resultante daquele episodio, alem de explorar elementos heuristicos da analise historica e apontar algumas determinacoes do referido "padrao" que parecem perdurar na conducao das "reformas"--verdadeiramente contrarreformas - das ultimas decadas.

As reflexoes contidas na brochura da qual extraimos nossos insumos teoricos--diga-se, A universidade brasileira: reforma ou revolucao? - nao se encontram entre os escritos pura e manifestamente "marxistas" do mencionado intelectual. Ela foi constituida de um material originalmente produzido para balizar suas intervencoes publicas (artigos jornalisticos, palestras, mesas-redondas, depoimentos) ao longo, sobretudo, do ano de 1968; e produzidas num ritmo de trabalho febril, engajado na defesa da educacao publica e nos movimentos pela reforma universitaria. Acerca disso, Florestan Fernandes (1975, p. 9) assumia: "Movia-me, apenas, o fito de colaborar com os estudantes, os intelectuais, os politicos e os poucos colegas que nao se desarvoraram diante da vitoria e das ameacas da reacao conservadora".

Porem, ele era requisitado enquanto "sociologo" e buscava mover-se nos limites das expectativas alimentadas em vista desse "papel social" e das responsabilidades "cientificas" dele derivadas. O que nao invalidava, contudo, a efetividade critica das analises desenvolvidas e, inclusive, a absorcao criativa de problematicas e angulacoes teorico-metodologicas proprias da tradicao marxista. Classificava-se, no exercicio de suas funcoes profissionais durante esse periodo, basicamente como um "professor ecletico" - com uma producao que ainda nao era posta no rol das "contribuicoes de cunho marxista puro" (OLIVEIRA, 2010). Na mesma epoca, contudo, sustentava tambem, sem cerimonias: "minhas conviccoes filosoficas e politicas sao especificamente revolucionarias" (FERNANDES, 1975, p. 11).

Embora ele se esforcasse para equalizar suas contribuicoes ao movimento da reforma universitaria segundo os anseios politicos dos agentes que o requisitavam--ou seja, limitando-se a travar os debates dentro da perspectiva circunscrita de "como a 'questao universitaria' se coloca na ordem social existente e como ela poderia ser solucionada dentro dela" (p. 9)--nao titubeava em asseverar: "Se me colocasse diante de nossos problemas educacionais e dos nossos dilemas culturais em termos de minhas conviccoes, so recomendaria uma saida, que e aquela fornecida pelo socialismo" (FERNANDES, 1975, p. 11).

Nesse caso, a formacao marxista de Florestan, germinada de modo lento e composito, operava, ainda, na sua atividade docente e cientifica, como um "rio subterraneo"--segundo a indicacao de Antonio Candido (2001, apud OLIVEIRA, 2010); porem, nao deixava de "brotar agua", infletindo na analise concreta da situacao educacional entao vigente e no diagnostico propugnado para sua reversao, durante a intervencao teorico-cientifica militante no movimento da reforma universitaria. Demonstra, assim, a fusao entre o rigor da Sociologia e uma perspectiva politico-revolucionaria adequada as circunstancias sociais imperantes, alem de consciente da natureza (e limitacao) politica daquele movimento ao qual servia. Assim, inobstante as razoes que levaram a isso, sua formacao marxista parece ser conduzida atraves do caminho teorico-pratico a que Gramsci (2011) alude atraves da expressao "filosofia da praxis".

No inicio dos anos 1950, Florestan vai se desligando do movimento socialista oficial (e, como consequencia, afastando-se das influencias dos dogmatismos e estreitezas teoricas em parte nele operantes) a medida que comeca a se dedicar progressivamente as tarefas do magisterio e da pesquisa. Com isso, ele encontra possibilidades de enveredar por uma formacao teorica diversificada, apta a lidar competentemente com um leque amplo de orientacoes metodologicas. Em tal percurso, amadurece igualmente como cientista social e intelectual-militante, projetando uma "sociologia critica" que o impele a estudar rigorosamente a realidade de modo sistematico e a preparar instrumentos teoricos adequados a sua profunda mutacao (OLIVEIRA, 2010; IANNI, 2004). Em face disso, advoga Candido (2001, p. 60 apud OLIVEIRA, 2010, p. 32): "Creio que ele foi o primeiro e ate hoje o maior praticante no Brasil desse tipo de ciencia sociologica, que e ao mesmo tempo arsenal da praxis, fazendo o conhecimento deslizar para a critica da sociedade e a teoria da sua transformacao".

Atento ao carater dependente do "padrao brasileiro de escola superior", Florestan Fernandes examinava as alternativas vigentes na ampla moldura do "dilema educacional brasileiro": as determinacoes socio-historicas engendradas pela dinamica do capitalismo heteronomo impunham, concomitantemente e com igual intensidade, exigencias de intervencao pela educacao e obstaculos a efetivacao mesma dessas requisicoes. Era como se o avanco dessa sociedade criasse a necessidade de extensao das influencias socializadoras da escola as classes subalternas, com a consequente realizacao de transformacoes substanciais nos aspectos didaticopedagogicos, enquanto o proprio sistema educacional retrogrado limitava a procura, rejeitava os candidatos a escolarizacao e resistia a mudanca interna.

Na sintese de Saviani (1996, p. 76)--retomando Fernandes: o "dilema" posto consistia no fato de que o sistema educacional brasileiro era constituido por "instituicoes deficientes de ensino, que requerem alteracoes complexas, onerosas e profundas"; no entanto, nao podia contar senao com "meios de intervencao insuficientes para fazer face, com expectativas definidas de sucesso, as exigencias praticas da situacao". Tambem o processo da reforma universitaria, selado em 1968, manifestou-se como um dos decisivos dilemas educacionais brasileiros. Ele pressupos pressoes sociodinamicas --sejam aquelas de natureza estritamente socioeconomicas, sejam os condicionamentos oriundos das colisoes politicas--inerentes a consolidacao do regime dos monopolios para sua consecucao e enredou-se nos obstaculos as mudancas progressivas necessarias, erigidos pelas forcas conservantistas entranhadas na antiquada "escola superior", as quais expressavam um "fator sociopatico de resistencia a mudanca educacional" (SAVIANI, 1996, p. 77) (2).

Esse processo da reforma teve de se mover para encaminhar as mudancas necessarias, no solo historico pantanoso do padrao heteronomo de ensino superior e, em parte transigindo com esse passado, logrou reinstituir originalmente seus tracos medulares: desde a transplantacao empobrecedora de modelos educacionais foraneos, diga-se, a "senilizacao institucional precoce"; o carater ultra-elitista do ensino superior, em especial quanto ao estrangulamento da oferta e distribuicao...

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