Fontes do direito

AutorAurora Tomazini de Carvalho
Páginas701-744
663
Capítulo XVI
FONTES DO DIREITO
SUMÁRIO: 1. Sobre o tema das fontes do direito; 1.1. Fontes
do direito na doutrina jurídica; 2. Sobre o conceito de “fontes
do direito”; 3. Enunciação como fonte do direito; 4. Dicotomia
das fontes formais e fontes materiais; 5. A lei, o costume, a ju-
risprudência e a doutrina são fontes do direito?; 6. Documento
normativo como ponto de partida para o estudo das fontes; 6.1.
Enunciação-enunciada; 6.1.1. Utilidade da enunciação-enuncia-
da; 6.1.2. Enunciação-enunciada é fonte do direito?; 6.1.3. Sobre
a exposição de motivos; 6.2. Enunciado-enunciado; 7. Enuncia-
ção como acontecimento social e como fato jurídico na enuncia-
ção-enunciada; 8. Que é veículo introdutor de normas?; 9. Sín-
tese explicativa; 10. Classificação dos veículos introdutores; 11.
Hierarquia dos veículos introdutores; 11.1. Hierarquia das Leis
Complementares.
1. SOBRE O TEMA DAS FONTES DO DIREITO
Lidar com o tema das “fontes do direito” não é um traba-
lho tão simples, quanto à primeira vista possa parecer. Há uma
tendência doutrinária em se considerar como fontes do direito
a lei, o costume, a jurisprudência e a doutrina. E nós, in-
fluenciados por esta verdade consensual, continuamos repe-
tindo tal tendência sem ao menos perguntarmo-nos: (i) que é
fonte do direito e (ii) que faz a lei, o costume, a jurisprudência
664
AURORA TOMAZINI DE CARVALHO
e a doutrina serem fontes do direito? – questões elementares
para que possamos compreender a matéria.
Antes, no entanto, de encontrarmos respostas para tais
perguntas, faremos uma incursão pela doutrina jurídica, com
o intuito de desvendar, sumariamente, como os autores traba-
lham o assunto, para que possamos, no decorrer deste capítulo,
observar as confusões metodológicas que cercam o tema das
fontes do direito. Mesmo porque, o posicionamento de PAULO
DE BARROS CARVALHO com relação ao tema é muito dife-
rente do trabalhado pela doutrina tradicional do direito.
1.1 Fontes do direito na doutrina jurídica
Para HANS KELSEN a “fonte do direito” é o próprio
direito, o autor utiliza-se da expressão para caracterizar o
fundamento de validade das normas jurídicas. Segundo sua
concepção, o direito regula sua própria criação, de modo que
todas as normas têm como fundamento jurídico outra norma
de dentro do sistema. Neste sentido, a Constituição seria a
fonte suprema do direito, pois ela regula a criação de todas as
normas e todas elas dela derivam. Seguindo sua linha de ra-
ciocínio, a legislação (Códigos, leis, consolidações) seria fonte
da decisão judicial nela baseada, a decisão judicial seria fonte
do dever imposto à parte, e assim por diante532. Mas, KELSEN
também chama a atenção para outro sentido de “fontes do
direito”, empregado para designar os conceitos que influen-
ciam a criação do direito, como por exemplo, as normas mo-
rais, os princípios políticos, a doutrina, etc.533
Também relacionando o estudo das fontes do direito com
a questão do fundamento de validade das normas jurídicas,
LUIS RECASENS SICHES entende que todo o direito tem
como única fonte a vontade do Estado534.
532. Teoria pura do direito, p. 258.
533. Teoria geral do direito e do estado, p. 192.
534. Introducción al estúdio del derecho, p. 165.
665
CURSO DE TEORIA GERAL DO DIREITO
Neste mesmo sentido, ANTÔNIO BENTO BETIOLI sus-
tenta que a fonte do direito é um poder capaz de especificar o
conteúdo do devido e de exigir o seu cumprimento. Em suas
palavras: “a gênese de qualquer regra de direito, só ocorre em
virtude da interferência de um ‘poder’, o qual, diante de um
complexo de fatos e valores, opta por dada solução normativa
com características de objetividade e obrigatoriedade”535.
Já NORBERTO BOBBIO leciona que as fontes do direito
são os fatos ou atos indispensáveis, pelo ordenamento jurídico
para a produção de normas jurídicas536. Neste sentido, a lei
seria a fonte direta e superior do direito. O autor faz uma dis-
tinção entre ordenamentos simples e complexos segundo as
normas que os compõem serem derivadas de uma só fonte, ou
de mais de uma que, no seu entender, seriam fontes indiretas.
Assim, classifica as fontes em direta (a lei) e indiretas (costu-
me, sentença, autonomia privada).
Sob outro enfoque, MARIA HELENA DINIZ divide as
fontes do direito em formais e materiais. De acordo com a au-
tora, as fontes materiais seriam os fatos que dão o conteúdo
das normas jurídicas e as formais, os meios em que as pri-
meiras se apresentam revestidas no reino jurídico. Segundo
sua concepção só as materiais seriam fontes do direito, pois
determinam de onde ele provém (fenômenos sociais e dados
extraídos da realidade social juridicizados pelo direito). As
fontes formais seriam as formas pelas quais o direito positivo
se manifesta na história, segundo a autora: a lei, o costume, a
jurisprudência, a doutrina, os tratados internacionais e os prin-
cípios. Dentre as fontes formais existiriam aquelas constituídas
de normas escritas, promulgadas pelo Estado (Constituição,
lei, regulamento, decreto, jurisprudência), denominadas de
“fontes estatais” e aquelas constituídas de normas não-escri-
tas, não promulgadas pelo Estado (costumes, doutrina, prin-
cípios), denominadas de “fontes não-estatais”537.
535. Introdução ao estudo do direito, p. 98.
536. Teoria do ordenamento jurídico, p. 44.
537. Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 256.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT