Fora dos holofotes: estudo empírico sobre o controle da imparcialidade dos ministros do STF

AutorRubens Eduardo Glezer/Lívia Gil Guimarães/Luíza Pavan Ferraro/Ana Laura Pereira Barbosa
CargoFundação Getúlio Vargas, São Paulo - SP, Brasil/Universidade de São Paulo, São Paulo - SP, Brasil/Fundação Getúlio Vargas, São Paulo - SP, Brasil/Fundação Getúlio Vargas, São Paulo - SP, Brasil
Páginas385-421
Fora dos holofotes: estudo empírico
sobre o controle da imparcialidade dos
ministros do STF1
Out of the spotlight: an empirical study on the
impartiality control of STF’s justices
Rubens Glezer*
Fundação Getúlio Vargas, São Paulo – SP, Brasil
Lívia Gil Guimarães**
Universidade de São Paulo, São Paulo – SP, Brasil
Luíza Pavan Ferraro***
Fundação Getúlio Vargas, São Paulo – SP, Brasil
Ana Laura Pereira Barbosa****
Fundação Getúlio Vargas, São Paulo – SP, Brasil
1. Introdução
A realização de julgamentos imparciais é um dos pilares da legitimidade do
Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque um dos componentes cru-
1 A pesquisa foi conduzida no Supremo em Pauta da FGV Direito SP. Gostaríamos de agradecer
a Thales Coimbra, ex-pesquisador do projeto, pelo auxílio na construção do banco de dados
deste estudo na sua fase inicial.
* Professor da FGV Direito SP. Doutor em Teoria do Direito (USP), Mestre em Direito e Desen-
volvimento (FGV-SP). E-mail: rubens.glezer@fgv.br.
** Doutoranda e Mestra em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. Pesquisadora CAPES/PROEX. E-mail: liviagilguimaraes@gmail.com.
*** Pesquisadora da FGV Direito SP. Mestra em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito
de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. E-mail: luiza.pferraro@gmail.com.
**** Pesquisadora da FGV Direito SP. Mestra em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. Email: analaura.barbosa7@gmail.com.
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ciais para a legitimidade e autoridade do STF é a confiança na instituição2,
e uma das condições para a confiabilidade das decisões judiciais, conforme
testes empíricos, é a percepção de que essas decisões são tomadas após
um processo justo3. Estudos empíricos4 e normativos5 indicam que essa
percepção de justiça do processo corresponde em grande parte a uma per-
cepção de imparcialidade dos processos de decisão. A imparcialidade de
magistrados e especialmente de ministros do STF é fomentada por uma
série de garantias, como a vitaliciedade e inamovibilidade, bem como por
mecanismos processuais que visam à inércia do Judiciário e o princípio do
juiz natural. Contudo, mesmo diante dessas garantias, um determinado
magistrado pode ter a sua imparcialidade comprometida ou, pelo menos,
sob suspeita de estar comprometida. Para lidar com tais casos, existem os
mecanismos de arguição de impedimento e arguição de suspeição6. É por
meio desses incidentes processuais que as partes podem discutir no pro-
cesso a imparcialidade de quem julga seu caso.
Diante disso, seria natural imaginar a existência de um corpo razoável
de estudos empíricos sobre a efetividade desses mecanismos de controle
da imparcialidade, especialmente em um contexto de progressiva queda de
confiança no Judiciário7. Contudo, a produção de estudos empíricos sobre
os institutos do impedimento e da suspeição judiciais na literatura jurídica
nacional é rara8.
2 FRIEDMAN, 2009.
3 TYLER; MITCHELL, 1993, p.786.
4 Ver: TYLER, 2006, pp. 57-60.
5 “Seria absolutamente ilegítimo e repugnante o Estado chamar a si a atribuição de solucionar
conflitos, exercendo o poder, mas permitir que seus agentes o fizessem movidos por sentimen-
tos ou interesses próprios, sem o indispensável compromisso com a lei e os valores que ela
consubstancia – especialmente o valor do justo” (DINAMARCO, 2013, p. 205).
6 Tanto o impedimento quanto a suspeição dizem respeito à quebra de imparcialidade do ma-
gistrado. Embora neste trabalho a diferença entre os dois conceitos não seja crucial, cabe aqui
um pequeno esclarecimento sobre suas particularidades. Os motivos que justificam ambas as
alegações estão previstos em diferentes artigos do Código de Processo Civil (CPC) e do Código
de Processo Penal (CPP), sendo as causas de impedimento dadas pelo art. 252, do CPP, e arts.
144 e 147, do CPC, e as causas de suspeição previstas pelos art. 254, CPP, e art. 145, do CPC.
A diferença crucial entre eles é que “o impedimento tem caráter objetivo, enquanto que [sic] a
suspeição tem relação com o subjetivismo do juiz. A imparcialidade do juiz é um dos pressu-
postos processuais subjetivos do processo. No impedimento há presunção absoluta (juris et de
jure) de parcialidade do juiz em determinado processo por ele analisado, enquanto na suspeição
há apenas presunção relativa (juris tantum)”, em: BRASIL, 2009.
7 CUNHA, 2017.
8 Afirmação feita a partir de pesquisa no banco de dados RVBI, Banco de Teses da CAPES,
Banco de Teses da USP, Biblioteca Digital da FGV, realizada em junho de 2018.
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Lívia Gil Guimarães
Luíza Pavan Ferraro
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No geral, artigos científicos e livros dedicados aos temas do impedi-
mento e da suspeição tendem a abordar abstratamente a aplicação do ins-
tituto a alguma situação processual específica9, propõem-se a uma reflexão
a respeito da noção de imparcialidade10, oferecem um panorama da regula-
ção desses institutos11, ou mesmo realizam a comparação do modelo brasi-
leiro perante diretrizes internacionais ou de outros países12. No campo das
investigações empíricas sobre a imparcialidade judicial, merecem destaque
as pesquisas sociológicas de Bárbara Gomes Lupetti Baptista13, bem como
a pesquisa jurisprudencial de Alexandre Douglas Zaidan de Carvalho14.
A pesquisa de Zaidan de Carvalho realiza o único levantamento em-
pírico que encontramos sobre arguições de impedimento e suspeição no
STF15. Seu principal achado é que nenhuma das arguições de impedimen-
to e suspeição foi levada ao julgamento do plenário do Supremo e que,
portanto, os ministros não tiveram a oportunidade de controlar a impar-
cialidade de seus pares. Diante desse dado, o pesquisador concluiu que
vigora uma espécie de lei do silêncio entre os ministros, que compromete
a percepção de imparcialidade do tribunal:
O fato de nenhuma das arguições ter sido levada ao plenário revela que o STF
não parece disposto a discutir a parcialidade de seus ministros e que o ques-
tionamento da imparcialidade na Corte não tem encontrado espaço adequa-
do nos instrumentos processuais postos à disposição dos jurisdicionados. Os
dados sugerem que a avaliação dos ministros sobre a própria imparcialidade
e de seus colegas assume uma condição naturalizada, sequer discutida na for-
ma juridicamente estabelecida, o que fragiliza a condição imparcial do Tribu-
9 Ver: LINDOSO, 2010, pp. 743-746; TAVARES, 2016, pp.132-151; CARNEIRO, 2016; FRAN-
CO, 2011.
10 ÁVILA, 2010, pp. 147-172; REICHELT, 2014, pp. 105-122; PAMPLONA FILHO et. al.,
2011. POZZEBON, 2013, pp. 116-120.
11 GAJARDONI, 2009, pp. 82-112; SCHAVI, 2007, pp. 1303-1307.
12 MATZENBACHER, 2011.
13 Sobre o trabalho da docente da Universidade Federal Fluminense (UFF) destacamos: LUPE-
TTI BAPTISTA, 1991, pp. 301-314.
14 As diversas publicações recentes do docente da Universidade Católica de Salvador (UCSal) a
esse respeito parecem ser derivadas de seu doutorado: CARVALHO, 2016.
15 Recente monografia de Isabella Cristino teve por enfoque todos os casos em que os próprios
ministros se declararam impedidos ou suspeitos fora das arguições de impedimento e suspeição
durante o ano de 2017, ver: CRISTINO, 2018.
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