Forma notarial

AutorChristiano Cassettari
Páginas49-72
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FORMA NOTARIAL
A vida se apresenta aos nossos sentidos pela forma. O som, o cheiro, a palavra, o
gesto, o toque, a visão, são todos elementos de expressão e de cognição dos fatos da vida.
Forma dat esse rei, o brocardo latino para “a forma dá existência à coisa”, demonstra
que necessitamos, na vida jurídica, das formas, para que a cognição se faça perfeita e
para que delas decorram efeitos.
O direito se vale da forma para prever e regular as relações jurídicas. A forma pode
ser solene, se a lei prever e exigir o cumprimento de certos requisitos, ou não solenes,
quando aceitar como bastante apenas a manifestação das partes. São aceitas as formas
verbal ou oral, a forma escrita particular ou a forma pública.
A lei exige a solenidade apenas excepcionalmente. A validade da declaração de
vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir
(CC, art. 107).
A regra geral para a escritura pública é a prevista no art. 108: a escritura pública
é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem a constituição, transferência,
modif‌icação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes
o maior salário mínimo vigente no País, se a lei não disser o oposto. Você sabe quanto
são 30 salários mínimos? Saiba para o concurso.
Há outros atos para os quais é indispensável a escritura pública. Os principais são
a emancipação do menor, os pactos antenupciais, a instituição de fundação, as consti-
tuições de renda ou de bem de família1, a cessão de direitos hereditários. Há outros atos
em que a forma pública é facultada e cujo uso está consagrado pela sociedade: o testa-
mento público, o reconhecimento de f‌irmas em documentos de relativa importância, o
mandato para f‌ins bancários e, mais recentemente, a separação e o divórcio, o inventário
e a partilha, a mediação e a conciliação.
A forma notarial reveste-se de aspectos de grande subjetividade, decorrentes da
necessidade e do reconhecimento social da fé pública.
A atuação do tabelião é ritualística. As técnicas que utiliza compõem o seu próprio
rito, derivado de sua autonomia e prudência.
Há também uma liturgia, seja na narrativa, seja nos sinais exteriores lançados pelo
tabelião, como rubricas, sinais, selos, carimbos. Tome-se como exemplo a expressão
“saibam todos”, que implica num anúncio que é, por um lado, específ‌ico ao leitor do ato
1. Execuções preexistentes não obstam a instituição. As dívidas anteriores à instituição são inef‌icazes. Nesse sentido,
Processo n. 0030394-64.2012.8.26.0100, da 1ª Vara de Registros Públicos.
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TABELIONATO DE NOTAS • PAULO ROBERTO GAIGER FERREIRA E FELIPE LEONARDO RODRIGUES
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e, por outro lado, generalista e ambicioso, clamando a todos da comunidade, ou mesmo
a qualquer ser do universo, a existência e a fé pública do ato notarial.
Finalmente, a atuação notarial é dramática. Ela envolve o interesse das partes com
sua humana subjetividade. Por trás das frias linhas da escritura ou da ata há emoções,
a alegria de quem adquire a casa própria ou a dor de quem se divorcia da pessoa antes
querida.
6.1 DOCUMENTO E INSTRUMENTO
Documento e instrumento são expressões utilizadas como sinônimas, mas não são
idênticas no quanto def‌inem. Ambas as palavras são oriundas do latim: instrumento
vem de instruere, instruo, instruis, ou seja, algo que nos informa do passado, instrui-nos.
Instrumento, hoje, serve para def‌inir desde utensílios e ferramentas de trabalho até,
genericamente, para denominar tudo aquilo que é apto para nos permitir alcançar uma
determinada f‌inalidade2.
Para o direito, na def‌inição de Paulo, instrumento é tudo aquilo com que se pode
provar uma causa3.
Documento deriva de doceo, doces, doceres, palavras que designam ensinar4. Do-
cumento é toda a representação de um fato5. Por seu turno, instrumento é uma espécie
de documento constituído com a intenção deliberada de fazer prova no futuro6, como
a exigência da lei pátria para a compra e venda de bem imóvel, negócio que necessita
da escritura pública.
Para Carnelutti, o documento é prova histórica real, visto que representa fatos
e acontecimentos pretéritos em um objeto físico, servindo, assim, de instrumento de
convicção7.
Segundo Pontes, documento, como fonte de prova, é todo ser composto de uma
ou mais superfícies portadoras de símbolos capazes de transmitir ideias e demonstrar
a ocorrência de fatos8.
É idêntica a visão de Dinamarco, para quem o documento, como meio de prova, é
toda coisa em que se expressa por meio de sinais o pensamento9.
Quanto à origem, os documentos podem ser públicos ou particulares, con-
forme seu autor seja um particular ou um ente público. Pontes classifica os do-
2. PELOSI, Carlos A. El documento notarial. Buenos Aires: Astrea, 1997, p. 13-14.
3. Lei Primeira do Digesto, Livro 22, Título IV ou V, apud PELOSI, Carlos A. El documento notarial, p. 14.
4. PELOSI, Carlos A. El documento notarial, p. 14.
5. LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 3. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007.
6. LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil, p. 112.
7. Apud MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 1. ed., rev., atual. e comp. por Ovídio
Rocha Barros Sandoval. Campinas: Milennium, 2000, v. 3, p. 355.
8. PONTES DE MIRANDA, F. C. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 282 a 443. 3. ed., rev. e aum. por
Sergio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1997, t. IV, p. 357.
9. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006,
v. 3, p. 564.
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