Formação e alteração do contrato de trabalho

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1117-1176

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I Introdução

O contrato de trabalho, como os negócios jurídicos em geral, nasce em certo instante, cumpre-se parcialmente ou de modo integral, sofre alterações ao longo do tempo, quase que inevitavelmente, e, por fim, extingue-se.

O presente capítulo centra-se, essencialmente, no estudo das alterações do contrato laborativo, tema de fundamental relevância no cotidiano trabalhista. Contudo, esse exame não pode se descurar de uma referência analítica à formação do contrato de trabalho, com os problemas mais importantes que se apresentam no desenrolar desse momento.

II Formação contratual trabalhista

A formação do contrato de trabalho tem relevantes pontos comuns com o processo genérico de formação de pactos contratuais no Direito Civil. Algumas importantes regras relativas a esse momento inicial de vinculação entre as partes contratuais trabalhistas são semelhantes às que imperam no campo privado, notadamente quanto ao ajuste de vontades (que pode ser expresso ou tácito), fixação do objeto central do pacto (tipo de prestação de serviços), local de seu cumprimento, etc.

É bem verdade que há pontos de diferenciação, dados pela especificidade da relação justrabalhista. Ilustrativamente, no ajuste do conteúdo do contrato um conjunto de cláusulas já desponta predeterminado, em decorrência das normas imperativas que incidem sobre qualquer contrato empregatício. Por outro lado, parte significativa desse conteúdo tenderá a ser fixada unilateralmente por uma única das partes, o empregador (embora, aqui, haja nova aproximação com o Direito Civil, em vista dos diversos contratos de adesão também nele existentes).

Outros pontos diferenciadores dizem respeito a certas formalidades e ritos específicos que a contratação de empregados impõe ao empregador. Trata-se, por exemplo, da assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social, documento importante para a identificação socioprofissional do trabalhador (arts. 13 a 34, CLT); do lançamento de dados contratuais nos correspondentes livros administrativos (art. 41, CLT), os quais cumprem o

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papel de garantir a reunião de informações estatísticas esclarecedoras sobre o perfil do mercado de trabalho no país, além de facilitarem o exercício da fiscalização trabalhista e previdenciária pelo Estado1. Neste rol ilustrativo, cite-se, ainda, a preparação documental para os recolhimentos legais, sejam trabalhistas, como FGTS, sejam previdenciários, sejam fiscais e parafiscais.2

Relembre-se que a irregularidade estritamente administrativa no tocante à contratação de empregados (falta de assinatura de CTPS, de lançamentos informativos, de recolhimentos legais, etc.) não torna inexistente ou nulo o contrato empregatício formado. Conforme já examinado no Capítulo XV deste Curso, tal pacto consuma-se mesmo que tacitamente ajustado. Nesse diapasão, as eventuais irregularidades administrativas apenas ensejam seu oportuno suprimento, na forma cabível, com a aplicação de penalidades previstas pela CLT e legislação previdenciária, se for o caso.

Experiência Prévia (art. 442-A, CLT) — A Lei n. 11.644/2008 (DOU de 11.3.08) inseriu o art. 442-A na CLT, estabelecendo que, para fins de contratação, o empregador não exigirá do candidato a emprego comprovação de experiência prévia por tempo superior a seis meses no mesmo tipo de atividade. O preceito visa a diminuir as dificuldades enfrentadas pelo trabalhador jovem ou menos experiente em sua busca de inserção no mercado de trabalho. Como regra geral, dispõe a lei, não se pode exigir experiência funcional excedente a seis meses do trabalhador concorrente a emprego.

O novo dispositivo tem de ser lido, naturalmente, com lógica jurídica. É que os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, a par da própria sensatez inerente a qualquer dinâmica interpretativa do Direito, permitem inferir não ser, porém, irregular a exigência de experiência mais

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significativa em situações de manifesta necessidade de elevada experiência para o cargo designado. O novo preceito legal quer apenas afastar o exagero seletivo do empregador contratante, mas não eliminar a validade e a força da história profissional de cada trabalhador, consistentemente agregada em seu curriculum vitae.

III Formação do contrato: momento e local

No estudo da formação contratual trabalhista é importante ter clareza a respeito dos exatos momento e local de celebração do pacto.

De maneira geral, não há dúvidas a respeito desses dois importantes aspectos da celebração do pacto empregatício. Porém, há situações menos claras sobre uma ou outra de tais circunstâncias: em tais situações, o conhecimento acerca de algumas regras regentes da formação dos contratos pode ser de grande interesse.

A definição do instante preciso de celebração do contrato pode estabelecer, por exemplo, o instante de início dos efeitos obrigacionais entre as partes, ainda que não se tenha dado, efetivamente, a real prestação de serviços (se se tratar do caso de aplicação do art. 4º, CLT). Na mesma linha, a fixação do momento preciso de formação do contrato permite estabelecer também o local de celebração do pacto, permitindo fixar, desse modo, em alguns casos, a competência territorial do Juiz Trabalhista para conhecer lides acerca do referido contrato.

1. Policitação e Formação Contratual

A formação do contrato de trabalho pode efetuar-se mediante manifestação expressa ou tácita da vontade das partes (art. 442, caput, CLT). Expressa é a manifestação que se exterioriza mediante declarações inequívocas e transparentes da intenção empregatícia dos sujeitos contratuais. Tácita é a manifestação que não se formula de modo transparente, mas se concretiza pela prática material de atos indicadores da existência de uma vontade comum direcionada à realização de um vínculo trabalhista entre elas. No cotidiano das relações laborais, é a manifestação expressa, escrita ou verbal, a fórmula mais comumente utilizada pelas partes para selar o encontro de suas vontades em direção ao contrato empregatício.

Esse contrato inicia-se, de maneira geral, através da apresentação de uma proposta contratual por qualquer dos interessados (tratando-se de um contrato de adesão, sabe-se que, na prática, esta proposta origina-se, essencialmente, do tomador de serviços, e não do trabalhador). A proposta contratual (também chamada, no Direito Civil, de policitação) é, como se conhece, o ato através do qual uma parte (policitante) apresenta

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os parâmetros básicos para a formação de um contrato de seu interesse, pedindo a manifestação da vontade de alguém no sentido desse pacto (oblato).

A policitação tende a fixar o momento e o local de formação do contrato, principalmente se feita e aceita entre presentes, como ocorre na generalidade das situações propiciadas pelo cotidiano trabalhista. De fato, se apresentada a proposta entre presentes, e imediatamente aceita pelo oblato, ela estabelece o local de formação do contrato entre as partes (art. 1.087, CCB/1916; art. 435, CCB/2002).

A proposta, apresentada e aceita entre presentes, também estabelece, regra geral, o momento de formação do contrato. Porém, neste caso, pode existir, explícita ou implicitamente na policitação, um termo adiando o efetivo início de eficácia das cláusulas contratuais (art. 123, CCB/1916; art. 131, CCB/2002). Registre-se que a presença de um termo inicial para a eficácia do contrato afasta, em princípio, o critério do tempo à disposição, inerente à CLT, ao menos no período entre a formação contratual e a data desse termo de início de seu real cumprimento.

2. Formação Contratual e Competência Judicial Trabalhista

De todo modo, ainda que ocorrendo a existência de um termo explícito ou implícito adiando o efetivo exercício do contrato, o simples estabelecimento do local de formação do pacto é importante para a prática justrabalhista: é que esse local pode (nem sempre, é claro) ter influência direta no que diz respeito à determinação da competência territorial dos Juízes Trabalhistas para conhecer e julgar ações laborais vinculadas àquele contrato.

É bem verdade que a regra geral celetista estabelece que a competência territorial dos Juízes do Trabalho fixa-se em função do local de prestação efetiva dos serviços, independentemente do local da contratação (art. 651, caput, CLT). Contudo, a mesma ordem jurídica esclarece que, “em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços” (§ 3º do art. 651, CLT; grifos acrescidos). Neste último caso, portanto, o exame do...

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