A Formação Desportiva, seus Principais Problemas Atuais e Sugestões para seu Desenvolvimento Visando a Melhoria das Condições das Crianças e Adolescentes

AutorFirmino Alves Lima
CargoJuiz do Trabalho Titular de Vara da 15ª Região
Páginas30-57

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Ver nota 1

1. Introdução

O presente texto pretende relatar os aspectos abordados na apresentação feita pelo autor no dia 24 de setembro p.p., em mesa redonda realizada no IV Simpósio Nacional de Direito do Trabalho Desportivo em Campinas, sobre a nova manifestação do desporto de formação, introduzida pela a recente Lei n. 13.155, de 4 de agosto de 2015, nos termos do § 4º, incorporado ao art. 3º da Lei n. 9.615/1998.

O autor tece algumas considerações iniciais sobre destacar a manifestação do des-porto de formação, abordando a legislação anterior e a legislação vigente à época da apresentação. Por outro lado, pretende demonstrar a realidade de crianças e adolescentes no esporte atual, e, ao final, faz algumas propostas para a melhoria das condições para a prática da referida manifestação desportiva.

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2. Os problemas de uma legislação desajustada para a prática desportiva de crianças e adolescentes que pretendam alcançar o desporto de rendimento

A estruturação dada pela Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé - tão desfigurada e emendada que mereceria uma revisão total, pelo menos em termos de organização e sistematização), anteriormente à Lei n. 13.155, de 4 de agosto de 2015, possibilitava encontrar três manifestações reconhecidas pelo seu art. 3º para a prática de desporto:

I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer;

II - desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente;

III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.(g.n.)

Um simples exame das três manifestações de desporto reconhecidas pela Lei n. 9.615/1998, antes da Lei n. 13.155/2015, já era possível se deparar com dificuldades para vislumbrar em qual delas a prática da formação desportiva de crianças e adolescentes, que tem como meta alcançar o desporto de rendimento, poderia melhor se encaixar.

Inicialmente, a primeira manifestação, o desporto educacional, de forma alguma não recebe a prática desportiva que visa a formação de futuros atletas, principalmente aqueles que praticam o desporto competitivo. Isso porque o desporto educacional visa evitar a seletividade e a hipercompetitividade de seus praticantes, situação encontrada nas categorias de base. Ao contrário, tal modalidade esportiva visa o desenvolvimento integral do indivíduo, o qual deve ser entendido como um direito universal a todas as crianças e adolescentes que estejam em fase educacional regular pois, a norma legal exige sua prática dentro dos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação. O art. 1.1. da Carta Internacional da Educação Física e do Esporte da UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura2, de 21 de novembro de 1978, é bem claro ao afirmar este direito nos seguintes moldes:

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1.1. Todo ser humano tem o direito fundamental de acesso à educação física e ao esporte, que são essenciais para o pleno desenvolvimento da sua personalidade. A liberdade de desenvolver aptidões físicas, intelectuais e morais, por meio da educação física e do esporte, deve ser garantido dentro do sistema educacional, assim como em outros aspectos da vida social.

Diversas práticas esportivas educacionais, em especial as norte-americanas, acabam se tornando extremamente controvertidas pois, em competições educacionais, a hipercompetitividade ocorre em larga escala naquele país atingindo, em muitos casos, uma situação de profissionalismo disfarçado, especialmente no ensino médio e superior. Esta é uma situação que deve ser analisada com muito cuidado, pois o inciso III, do art. 217 de nossa Carta Política, exige um tratamento diferenciado entre o desporto profissional e o não profissional, não permitindo situações como aquelas vivenciadas naquele país, e com total razão.

Na segunda manifestação, o desporto de participação, é que não há como albergar a formação esportiva. Esta última exige a prática reiterada e competitiva como formação de atletas crianças ou adolescentes, que participam de atividades organizadas por entidades de administração esportiva, visando resultados a serem obtidos em competições organizadas sob a égide de regras de prática desportiva de cada modalidade. O desporto de participação é uma forma voluntária, compreendendo a prática desportiva para fins recreativos, sem ser uma atividade extremamente organizada, e que possui finalidades bastante distintas do desporto de rendimento.

Somente na forma de desporto de rendimento é que era possível associar a prática desportiva de formação de crianças e adolescentes. Somente aí elas começam sua formação desportiva, pois participam de competições com regras estabelecidas pelas entidades de administração do desporto, visando obter resultados. E aqui seria aceitável associar as crianças e adolescentes que procuram desenvolver sua prática desportiva, a uma prática essencialmente competitiva. São buscados resultados dentro de competições organizadas mediante regras claras e sistemas competitivos adequados para cada faixa etária. No entanto, há de se considerar que a condição especial de formação física e psíquica das crianças e adolescentes, não permite que os mesmos métodos e os mesmos sistemas de preparação e competição dos adultos a eles sejam aplicados. A proteção integral da criança e do adolescente prevista no art. 227 da nossa Carta Política proíbe, claramente, que haja qualquer dano, de qualquer natureza, às crianças e adolescentes, que gozam de proteção máxima com prioridade absoluta sobre qualquer outro direito.

No entanto, o legislador da Lei n. 9.615/1998, ao tentar melhor esclarecer o des-porto de rendimento, o faz mediante uma polêmica divisão, pois confunde conceitos e somente complica a compreensão das manifestações esportivas competitivas.

§ 1º O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:

I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva;

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II - de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. (Redação dada pela Lei n. 9.981, de 2000)

Nesta controvertida divisão, a formação esportiva de crianças e adolescentes não encontra uma opção mais adequada. Porque não é a existência de contrato formal de trabalho que será o meio de definir a prática desportiva profissional, senão a própria dependência do atleta em relação à sua atividade esportiva como meio de sua subsistência pessoal, isso sem contar a existência de outros meios de configuração do vínculo empregatício, ou mesmo do grau de vinculação pessoal à atividade desportiva. Apenas para exemplificar, um tenista profissional não deixa de ter tal característica ainda que autônomo, pois até pode possuir uma equipe de preparação por ele contratada e remunerada (técnico, preparador físico, nutricionista etc.), ou seja, inverte-se a relação de dependência. Isso não desnatura sua condição de atleta profissional, pois como atleta autônomo que necessariamente é, não deixa de ser profissional, vive e se dedica a uma atividade profissional, por ela subsiste e até remunera terceiros, sem manter os requisitos acima expostos. E em muitas modalidades, encontramos exemplos semelhantes.

Esta lastimável distinção feita pelo legislador é um dos principais problemas que o desporto praticado por crianças e adolescentes enfrenta no mundo jurídico. Uma criança de 10 (dez) anos pode praticar natação e competir até mesmo internacionalmente, ao representar uma equipe de natação, estando subordinado a ela, até mesmo receber alguns incentivos de patrocínio e o custeio de seus deslocamentos. Claramente, não é e não poderia ser um atleta profissional em face da proibição da Constituição Federal para o trabalho abaixo dos dezesseis anos salvo na condição de aprendiz, com o mínimo de quatorze (art. 7º XXXIII), pois sequer possui idade para tanto, não obstante tenha um ritmo de vida e uma preparação que, de algum modo, lembrem tal condição. Não custa lembrar que as exigências do atleta em formação ocupam determinada parcela de tempo e dedicação que podem atrapalhar, senão comprometer integralmente, a formação educacional, esbarrando na doutrina de proteção integral.

Por outro lado, um atleta de futebol profissional como Lionel Messi, que ao despontar como um grande talento, foi levado da Argentina para a Espanha, tendo sido contratado pelo Barcelona com 13 (treze) anos de idade, contrariando todas as perspectivas de proibição de trabalho infantil existentes no globo, especialmente a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho3 que estabelece como idade mínima para o

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trabalho, a idade de 15 (quinze) anos. Apesar de todas as simulações possíveis feitas pelo clube, não há qualquer dúvida que o jovem rapaz celebrou um contrato com tal idade, e que aos 16 (dezesseis) anos, já passou a...

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