A Formação do Direito do Trabalho

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro
Ocupação do AutorPós-Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Castilla-La Mancha com bolsa de pesquisa da CAPES
Páginas27-50

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3.1. Fatores econômicos, sociais e políticos

Na 2ª metade do Século XIX muitas mudanças já haviam ocorrido na sociedade e tendo em vista uma conjugação de fatores, sejam sociais, políticos e econômicos, tornou-se forçosa a existência de um ramo da ciência jurídica que disciplinasse as relações laborais.

Para que se entenda a formação do Direito do Trabalho e todo seu emaranhado de normas é de extrema importância compreender estes fatores que levaram ao seu desenvolvimento.

Nos dizeres de Luiz Otávio Linhares Renault16:

O Direito não se afirma na ausência dos fatos, já que estes é que lhe dão vida. A vida do Direito pressupõe antes a vida como um todo, na qual se inserem a cultura e a experiência dos homens nas ciências, assim como as suas relações com seus semelhantes nas diversas épocas.

De acordo com Mauricio Godinho Delgado17, tais fatores eram de ordem econômica, social e político-ideológica e podem assim ser explicados.

Os fatores econômicos foram o surgimento do capitalismo, das grandes indústrias com grande número de trabalhadores e da concentração e centralização do capital e de trabalhadores.

Os fatores sociais foram a urbanização, levando as cidades a tornarem-se o centro das atividades, bem como a formação de verdadeiros redutos proletários, gerando maior união e organização de seus membros.

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Os fatores político-ideológicos, antes da metade do Século XIX, foram, inicialmente, o ludismo, passando-se, depois, para o terrorismo e, por fim, veio o socialismo utópico.

Portanto, como diz Luiz Otávio Linhares Renault: “As sociedades são o reflexo dos comportamentos obtidos a partir dos valores morais predominantes entre os seus membros.”18Então, primeiramente, numa análise econômica, o surgimento do Direito do Trabalho deu-se num contexto de grande industrialização, por meio da qual despontou a figura do operariado, oprimido na grande empresa.

O Direito do Trabalho, como se sabe, foi fruto de violentas lutas e de algumas concessões do capital, que necessitava de uma fórmula jurídica moderna, que assoalhasse a utilização pacífica e disciplinada da mão de obra em massa, necessária e útil à implementação e ao desenvolvimento da revolução industrial.19A figura oprimida do trabalhador na fábrica é uma face nítida do surgimento do Direito do Trabalho e da eclosão do capitalismo e, tomando os dizeres de Márcio Túlio Viana, pode ser bem entendida:

Essa dualidade reaparece com o capitalismo, que divide os homens em possuidores e despossuídos dos meios de produção. A força de trabalho torna-se, então, mercadoria; e o trabalhador – mercador de si próprio – “perde a sua vida para ganhá-la”, como escreveu alguém, talvez Marx.20Quando as condições laborativas passaram, abertamente, a não mais propiciar a dignidade humana, chegando a feri-la, eis que a indústria nascente explorava o homem, dando-lhe um tratamento como se mercadoria fosse, desvalorizando em sua essência o próprio valor do trabalho, assim como a saúde, a higiene e a segurança, além de outros fatores relacionados com o ser humano, o Direito do Trabalho surgiu como um sonho de paz, de equilíbrio, de justiça, enfim, como uma válvula de escape para a harmonização do sistema, que paulatinamente era implantado pelos detentores dos meios de produção.

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Percebe-se, assim, que o Direito do Trabalho é contemporâneo da Revolução Industrial, pela qual restaram abolidas as formas de prestações servis de trabalho, conferindo valor ao trabalho livre e subordinado.21O surgimento do Direito do Trabalho foi possível tendo em vista as transformações geradas pela Revolução Industrial, que fez surgir a máquina em lugar do trabalho manual e o vapor como fonte de energia, transformando o modo de produção até então existente.

As palavras de Daniela Torres Conceição assim expressam esse momento histórico:

A importância da Revolução Industrial reside na ascensão do modo de produção capitalista, é resultado do processo de transformações sociais, políticas, econômicas e tecnológicas que ocorreram no mundo nos fins do Século XVIII e início do Século XIX. Consiste em um sistema econômico, político e social que surgiu na Europa e se expandiu para o mundo, como um modelo predominante.22Do ponto de vista social, temos que alguns fatores, que estão totalmente conjugados com os econômicos e políticos, podem ser percebidos.

Uma vez transformado o modo de produção de mercadorias, que passou a ser orientado pelo mercado, pela propriedade privada dos meios de produção, pela busca da mais valia, surge o embate entre duas camadas sociais bem definidas.

De um lado, encontra-se o pequeno número de detentores dos meios de produção; de outro, está o segmento social desprovido de riqueza e que possui somente sua força de trabalho – a qual é colocada à venda.

Neste momento histórico, numa sociedade de embate entre capital e trabalho desponta uma verdadeira luta – que se tornaria clássica para os tempos atuais – entre a busca do lucro pelos detentores do capital e as reivindicações por melhores condições de trabalho e vida pelos trabalhadores.

Para Mauricio Godinho Delgado23, a concentração do proletariado nas cidades industriais americanas e europeias permitiu o surgimento de uma identificação

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de classes entre os operários que se uniam por um mesmo conjunto de ideias, fortalecendo o movimento sindical e conquistando direitos trabalhistas pelas ações coletivas organizadas.

Neste palco de rinhas entre capital e trabalho “mesmos os mais ortodoxos hão de compreender que ao capital está atrelado o trabalho – ambos se complementam e se justificam – e aos dois se deve atribuir o valor que merecem”.24Como consequência dessa situação caótica, mostrou-se indispensável a existência de um Direito apto a apaziguar as desavenças, os desentendimentos, bem como as contradições do sistema, além de propiciar uma convivência harmoniosa entre estas duas forças.

Márcio Túlio Viana coaduna do entendimento quanto ao surgimento do Direito do Trabalho:

Mas eis que surge ainda uma outra contradição, também ligada ao trabalho, ou mais precisamente à fábrica. Para controlar os trabalhadores, e racionalizar a produção, o capitalista os reúne num mesmo ambiente, sujeitando-os aos mesmos sofrimentos. Nasce então a resistência operária e – com ela – o Direito do Trabalho”.25Por fim, os fatores políticos, em conjunto com os anteriores, consistiram na descoberta da ação coletiva em lugar da simples e fraca ação individual e apartada. Somado a isto tem-se aperfeiçoamento desta estratégia coletiva pela consolidação de organizações coletivas de trabalhadores, de cunho nitidamente político.26Por via de consequência, o Estado, em resposta à mobilização e pressão dos trabalhadores, passa a atuar na sociedade civil, incorporando normas autonomamente produzidas, permitindo a convivência harmônica entre o negociado e o legislado.27Uma vez apreendido o momento histórico de surgimento efetivo do Direito do Trabalho, vale ressaltar que este processo não foi tão simplório, nem tampouco se pode entender que, após a Revolução Industrial, como num passe de mágica, despontava o Direito do Trabalho.

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O homem existe por meio do trabalho, pois é recolhendo os frutos deste que ele é retirado do terreno da necessidade e da subsistência para o plano da liberdade e da dignidade. O Direito do Trabalho é o homem em seu movimento social. Tal ramo dinâmico do Direito teve seu processo de formação e consolidação ao longo dos dois últimos séculos e as fases de surgimento, sistematização e consolidação, assim como os processos não lineares de reconhecimento, valorização e crise do Direito do Trabalho devem sempre ser analisadas sob olhar crítico e atento aos momentos históricos nos quais esses processos se delinearam.

3.2. O estado liberal de direito e um ainda não direito do trabalho

O trabalho é o mecanismo mediante o qual o homem torna-se produtivo, pelo qual ele se forma e se transforma, sendo também a porta de abertura para o outro, pois enquanto ser social, é através do trabalho que ele se insere socialmente. Assim, o trabalho faz despontar o ser social, enquanto condição de sobrevivência digna, de formação, desenvolvimento e sociabilidade humana.

Ou seja, o trabalho distingue a própria pessoa humana, na medida em que promove a cadeia de mediações que o tornam livre e digno.

Desta forma, o trabalho se afirma como central e inerente ao ser social, característica que antecede ao sistema capitalista, remontando as antigas civilizações, donde já se observava a divisão das tarefas e a racionalização da convivência em grupo mediante o trabalho.

Então, o homem é um ser social, que se relaciona, e ao se relacionar desponta algo também inerente à sua natureza, o conflito. Este, assim como o trabalho, é inerente ao homem, configurando e caracterizando as relações entre fortes e fracos e entre ricos e pobres, presentes desde o início dos tempos quando os povos rudimentares aprisionavam os vencidos, que tornavam-se seus escravos.

E o Direito do Trabalho tem no conflito entre o capital e o trabalho seus fundamentos mais remotos até os dias atuais. As condições materiais para o surgimento do Direito do Trabalho são encontradas na Revolução Industrial, por meio da grande indústria. Esse modelo de organização da produção inaugura o capitalismo e, consequentemente, seu conflito com o trabalho. Assim, torna-se imprescindível, para o desenvolvimento do modelo capitalista de produção, a adoção de medidas com o condão de equilibrar e harmonizar uma relação naturalmente desigual.

Ou seja, a história do trabalho se confunde com os próprios movimentos sociais que deram vazão à sua valorização. De fato, trabalho e movimentos sociais estabelecem uma relação recíproca...

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