A Formação do Direito do Trabalho no Brasil

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro
Ocupação do AutorPós-Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Castilla-La Mancha com bolsa de pesquisa da CAPES
Páginas51-62

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Acredita-se que o Direito do Trabalho no Brasil ainda esteja em formação e, atualmente, por mais contraditório que possa parecer, assim como no restante do globo, sofrendo uma crise.

No Brasil, por não se ter experimentado com verdadeira clareza um Estado Liberal e ainda com menor intensidade um verdadeiro Estado Social, a localização do surgimento, desenvolvimento e consolidação deste ramo jurídico e dos movimentos de massa é bastante complexa e também tardia.

Com a Lei Áurea, em 1888, foi abolida a escravatura no Brasil. Somente a partir desta data, então, pode haver a procura por um efetivo Direito do Trabalho, pois somente, com o fim da escravidão torna-se comum o trabalhador livre, que pode dispor de seu trabalho em troca de alguma retribuição.

4.1. O liberalismo brasileiro e um ainda não direito do trabalho

Com o marco histórico da Lei Áurea é possível visualizar uma primeira etapa do Direito do Trabalho, denominada por Mauricio Godinho Delgado de manifestações incipientes ou esparsas e refere-se ao período em que o trabalho subordinado era relevante em poucos segmentos da economia brasileira, tais como no setor agrícola cafeeiro avançado de São Paulo e nas indústrias nascentes do país.

Ainda segundo Delgado, a conjuntura histórica deste período, que se estende de 1888 a 1930, é assim narrada:

É característica desse período a presença de um movimento operário ainda sem profunda e constante capacidade de organização e pressão... Nesse contexto, as manifestações autonomistas e de negociação privada vivenciadas no novo plano industrial não têm ainda a suficiente consistência para firmar

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um conjunto diversificado e duradouro de práticas e resultados normativos, oscilando em ciclos esparsos de avanços e refluxos.70Ademais, apesar das especificidades brasileiras, a política do liberalismo e a ideologia do individualismo exerciam hegemonia na sociedade daquela época, o que permitia pouca penetração ou a quase abstenção estatal no que se refere à elaboração de leis ou intervenção no mercado de trabalho.

No que toca ao Estado Liberal, a principal característica era a participação ínfima do governo na economia. Já o individualismo surge, também, como aspecto fundamental desta doutrina, por deixar de lado a chamada questão social, o cole-tivo. Assim, o Estado Liberal não favoreceu o Direito do Trabalho, mas deu ensejo para que se percebesse a necessidade da existência deste.71As condições de trabalho no final de século XIX e início do século XX são narradas por Antenor Nascimento:

Metade dos trabalhadores tinha menos de 18 anos deidade e 8% tinham menos de 14 anos. O salário médio dava para comprar uma cesta composta de meio quilo de arroz, de açúcar, de café, de macarrão e de banha. As fábricas eram mal iluminadas, mal ventiladas e várias não tinham instalações sanitárias. Algumas descontavam do salário das mulheres o tempo gasto amamentando os filhos. No campo, o trabalho aproximava-se da servidão.72Trata-se de um período com dispersas legislações relacionadas ao trabalho, objetivando setores e/ou assuntos específicos, sem formular qualquer estuário legal sistematizado.

Não obstante, ainda que em pequenas proporções, ocorreu certa valorização do trabalho, o que atendia ao interesse do próprio capitalismo que se difundia pelo Brasil e que necessitava de mão de obra para sustentá-lo.

A lógica do capitalismo é bem demonstrada por Daniela Torres Conceição73, ao dizer que as leis existentes no período de surgimento do Direito do Trabalho não representavam ameaça ao sistema capitalista, pelo contrário, ser-

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viam como forma de atenuação dos abusos cometidos pelos empregadores com que a sociedade não mais coadunava.

Essa valorização do trabalho se confunde com o capitalismo ou, pelo menos, com o surgimento das condições para a formação desse sistema econômico baseado no trabalho livre. O novo modo de produção alicerçado na divisão do trabalho em tarefas necessitava da valorização do trabalho para se tornar o modo predominante de produção de bens da sociedade.74No que tange ao sindicalismo, existiram algumas associações, de fins assistenciais ou de finalidade reivindicativa, além de uniões e ligas operárias, mas nenhum tipo de movimento que fosse dotado de organização e poder de pressão e que recebesse a denominação de sindicato. Foi o anarco-sindicalismo que exerceu primordial papel como força de pressão pelo desenvolvimento da organização dos trabalhadores.75De fato, com a vinda de imigrantes europeus, aqui, se espalhou largamente a ideologia anarco-sindical, razão pela qual as primeiras associações operárias surgiram na ilegalidade e tinham uma concepção anarquista, anticapitalista.764.2. O TÍMIDO ESTADO SOCIAL BRASILEIRO E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO

Em 1930, o Direito Trabalhista brasileiro sofre um salto histórico, fase considerada por alguns estudiosos como até mesmo uma supressão de etapas. Mas as conquistas e evoluções angariadas neste período não deixaram de ser feitas pela união e pressão dos trabalhadores, ainda que em menor proporção se comparados ao resto do mundo.

Esta etapa vai de 1930 até 1945 – o Estado Getulista – e é conhecida como Institucionalização do Direito do Trabalho, que tem seus efeitos refletidos até a promulgação da Constituição Federal de 1988.77

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O Estado largamente intervencionista que ora se forma estende sua atuação também à área da chamada questão social. Nessa área implementa um vasto e profundo conjunto de ações diversificadas mas nitidamente combinadas: de um lado, através de uma profunda repressão sobre quaisquer manifestações autonomistas do movimento operário; de outro lado, através de uma minuciosa legislação instaurando um abrangente novo modelo de organização do sistema justrabalhista, estreitamente controlado pelo Estado.78De fato, tudo isso corrobora para a afirmação de que o Direito Trabalhista no Brasil foi um direito posto e não um Direito amplamente conquistado, já que em observância ao que ocorria no resto do mundo, onde se desenvolveram verdadeiros Estados de Bem-Estar social, Getúlio Vargas se adianta às organizações dos trabalhadores e quando o movimento operário e a união de massas eram ainda embrionários, o Estado brasileiro produziu uma multiplicidade de normas trabalhistas.

Criaram-se os sindicatos de patrões e empregados, ambos controlados pelo Estado e foram proibidas e reprimidas as organizações autônomas, criando a Consolidação das Leis do Trabalho, o salário mínimo, o Ministério do Trabalho, a Justiça do Trabalho e reformando e ampliando o sistema oficial de previdência – retirando, em parte, a possibilidade de que estas normas surgissem das lutas sociais e que um Estado Social fosse implementado no Brasil sob bases verdadeiramente democráticas.

Somente no cotidiano do labor, da rotina das indústrias éque os trabalhadores poderiam perceber suas necessidades, descobrir a vantagem de se unirem e reivindicar mais direitos que realmente coincidissem com seus anseios e histórias de lutas. Diz-se então que:

A evolução política brasileira não permitiu, desse modo, que o Direito do Trabalho passasse por uma fase de sistematização e consolidação, em que se digladiassem (e se maturassem) propostas de gerenciamento e solução de conflitos no próprio âmbito da sociedade civil, democratizando a matriz essencial do novo ramo jurídico.79Mozart Victor Russomano retrata este fenômeno, ao dizer que:

O sindicato oprimido, controlado, dirigido ou modelado segundo as programações, os desejos e as ambições do Governo ou do Partido não tem a pos-

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sibilidade de desenvolver programas eficientes de negociação coletiva. Falta-lhe a alma, que nasce do direito de reivindicação e do poder de barganha, sem os quais a negociação coletiva é infrutífera.80Em opinião contrária, Arnaldo Sussekind81, um dos autores da Consolidação das Leis do Trabalho, comenta não ter havido uma cooptação das lutas operárias e do sindicalismo pela promulgação da CLT.82Para Süssekind a Consolidação das Leis do Trabalho cumpriu quatro funções essenciais no Estado Getulista. Primeiramente, desapropriou a Vale do Rio Doce e instituiu uma empresa pública para exploração do minério. Em seguida, detectando-se que era preciso que esse minério fosse transformado em aço, instituiu então a Volta Redonda. E logo após, compreendendo que, terminada a guerra, vários direitos dos trabalhadores teriam que ser reconhecidos, justamente pelos anseios dos trabalhadores que já se demonstravam...

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