Formacao social brasileira: interface com as relacoes raciais/Brazilian social formation: connection with race relations.

AutorCorato, Carmen
CargoREVISTA EM PAUTA

Introdução

Pesquisar a formação social e racial brasileira remontando aos principais elementos do período escravagista de nossa história, ocorrido entre 1500 e 1888, nos permite evidenciar as consequências desse passado que excluiu a população negra na participação da riqueza socialmente produzida, fazendo com que essa parcela componha o maior número de pobres no Brasil. Abarcar esta temática implica expor os elementos centrais, a começar pela conjuntura política e econômica em que se encontrava Portugal quando os portugueses chegaram ao Brasil em fins do século XV. Em seguida delineamos, ainda que em linhas gerais, o que resultou do encontro entre os povos que aqui habitavam e os colonizadores portugueses. Por fim, traçamos nossa perspectiva sobre a formação social brasileira nos períodos subsequentes, tendo como base as elaborações de Jacob Gorender (2016) e Clóvis Moura (1988a,1988b; 1994; 2014). Vale notar que este esforço teórico-metodológico em desvendar o passado escravocrata do Brasil surge através do movimento intelectual de pensadores e pensadoras negros/as que em grande medida se identificavam entre si, de modo que se identificam também com a tradição marxista.

O entendimento sobre conceitos de modo de produção e formação social neste artigo está envolto nas elaborações teórico-metodológicas do pensamento crítico, ou, se preferir, do marxismo. Faz-se imprescindível sinalizar que são dois temas extremamente polêmicos e não consensuais nessa vertente teórica, e como tal, aqui também nos inserimos nessa seara no intuito de ampliar ainda mais as reflexões e elaborações.

A escolha em trazer tal reflexão se dá porque a sociedade burguesa na qual vivemos é uma construção social com quase três séculos, o que implica dizer que a história da humanidade nem sempre esteve determinada pela lei do valor. Trazer à luz esta reflexão cumpre o objetivo de desnaturalizar as relações sociais e, desse modo, não perpetuá-las, como se toda a história humana fosse encerrada no capitalismo e que outra forma social não pudesse ser edificada.

Abordar a formação social brasileira nos permite identificar a nossa particularidade no modo de produção capitalista, uma vez que a escravidão atravessou a história desse país, ocasionando uma enorme desigualdade social no Pós-Abolição. Analisar tal consequência implica perceber porque a população negra hoje compõe o universo da classe trabalhadora mais pauperizada.

Modo de produção e formação social

A sociedade é a forma em que os seres humanos se organizam para assegurar sua reprodução material da vida, cuja origem se deu através do trabalho. Este último é apreendido como a interação de homens e mulheres com a natureza, criando meios para a satisfação de suas necessidades. Ao realizá-las, produz novas necessidades, isto é, é uma atividade que desde o início destina-se a um fim a ser alcançado e já desenhado idealmente no cérebro humano.

No que se refere à interação entre os seres humanos e a natureza que determina a sociedade, o que varia são as formas desta relação entre um e outro, ou seja, os modos de produção e reprodução material da vida, as condições de existência, a maneira pela qual a humanidade satisfaz suas necessidades etc. Portanto, os seres humanos, membros componentes da natureza, através do trabalho se diferenciam do ser natural e se constituem como ser social. É nesse trânsito que o marxismo apreende a história, como a história do desenvolvimento do ser social.

O desenvolvimento do ser social, sobre os moldes que estamos desenhando, está associado ao afastamento das barreiras naturais, que, muito embora insuprimíveis, deixam sua influência na vida humana decrescerem. A título ilustrativo, podemos mencionar a construção de moradias, que, dentre outras funções, nos protegem das chuvas, do frio etc; veja, as chuvas, assim como o frio, continuam a existir, no entanto, agora nos protegemos quando ocorrem, isto é, são barreiras naturais que recuaram na vida social.

O curso da história dos modos de produção, portanto, está imbricado na maneira com que os seres humanos se organizavam e se organizam, numa correspondente relação entre o estágio do desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção estabelecidas. Destarte, o modo de produção capitalista é um entre muitos outros que a humanidade experienciou, visto que é uma forma societária muito recente, ancorada na socialização da produção e na apropriação privada da riqueza socialmente produzida, cujo objetivo central é a valorização do valor. De acordo com a teoria social marxiana, o capital se constitui como uma relação social que submete todas as dimensões da vida à lei do valor, e sua máxima expressão encontra-se na era monopólica.

Desta maneira, podemos afirmar que o capitalismo é o modo de produção hegemônico em todas as sociedades, tendo por grandes marcos históricos as Revoluções Inglesa, em 1688, e a Francesa, em 1789, em que a burguesia se tornou a classe econômica e politicamente dominante. Vale advertir o/a leitor/a que ser dominante não é o mesmo que afirmar que esta suprimiu todas as formas anteriores, mas sim que as submeteu aos seus interesses, e que é perfeitamente possível a combinação de formas arcaicas e modernas de produção numa mesma sociedade (1).

Necessário apontar que, a depender da relação que se estabelece com os meios de produção que produzirão as classes sociais ou não, se estes meios são de uso coletivo, toda a produção será para a satisfação das necessidades dos membros que compõem tal sociedade; o oposto ocorre quando são tornados propriedade privada, implicando que a produção seja social e a apropriação, privada, gerando um conflito antagônico e inconciliável entre aqueles que produzem (o proletariado) e aqueles que se apropriam da produção (a burguesia). As bases do capitalismo puderam surgir quando houve a separação entre meios de produção e classe trabalhadora, e estes últimos foram transformados proprietários única e exclusivamente da sua própria força de trabalho, isto é, desprovidos de todo meio de produção, para que fosse viável a produção de mais-valia para a acumulação de capitais.

Assim sendo, aos burgueses interessa a manutenção dessa ordem, enquanto que, para as/os trabalhadoras/es, suas inclinações tencionam revolucionar essa forma societária, objetivando a emancipação humana. São as diversas manifestações desses tensionamentos entre as classes sociais fundamentais (burgueses e proletários, mas não somente) que o marxismo denomina de lutas de classes. Eis que surge o papel do Estado e, de acordo com a vertente marxista, este é um ente fundamental para a manutenção da ordem do capital, uma vez que se declara como gestor e regulador dos interesses gerais, quando em essência é o defensor apenas dos interesses da burguesia (MARX; ENGELS, 2008).

Esta defesa não é de fácil execução, dado que de tempos em tempos as classes dominadas se levantam em questionamentos da forma societária capitalista, exigindo do Estado que atenda às demandas das/os trabalhadoras/es, o que implica ampliar as suas funções, passando a desenvolver ações coesivas. Em outras palavras, em determinados momentos da luta de classes, a classe trabalhadora reúne forças suficientes para impor ao Estado suas demandas, e é nesse momento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT