Fraude contra credores

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas372-387

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26. 1 Introdução

É princípio de Direito e mandamento de lei, o da responsabilidade patrimonial, sendo que, em virtude de tal princípio, responde o devedor, para o cumprimento de suas obrigações, com a totalidade dos seus bens penhoráveis, presentes e futuros. "Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor" a teor do art. 391 do Código Civil, bem como, "O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, - diz o art. 591 do CPC - com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei". Ora, se os bens do devedor são garantia do pagamento de suas dívidas e se encontra em insolvência, é seu dever não dispor de seu patrimônio. Se o fizer, estará enganando seus credores.

Concluindo, tem-se que o devedor em insolvência está proibido de alienar seus bens, porque o seu patrimônio responde pelo cumprimento de suas

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obrigações; se ele se despoja de seus bens, fica ciente de que, assim o fazendo, prejudicará o credor, frustrando-lhe o recebimento de seu crédito. "A venda a preço vil de todo o mobiliário e utensílios, com o posterior retorno ao patrimônio do vendedor, pouco antes da constituição da dívida, - decidiu o tribunal - caracteriza fraude contra credores" (in RT 609/109).

A garantia que estamos apontando é a dos credores quirografários. Não se confunde com a garantia real, onde existe um bem determinado, móvel ou imóvel, que fica sujeito ao cumprimento da obrigação.

Os credores quirografários são aqueles sem garantia específica e que contam, apenas, com a garantia do patrimônio do devedor. Se este desfalcá-lo, alienando seus bens, pode comprometer a garantia, prejudicando e fraudando os seus credores.

Além do instituto chamado fraude contra credores, há ainda a fraude de execução.

A fraude contra credores refere-se ao ato fraudulento da alienação ou da oneração que ocorre antes da instauração do processo judicial, enquanto que a fraude à execução refere-se ao ato fraudulento que acontece após a instauração do processo judicial.

Para a distinção entre esses dois institutos, completamente distintos, de verificação diferente e regidos por normas diferentes, socorremo-nos na lição objetiva de Lauro Laerte de Oliveira que faz exaustiva e detalhada análise dos pontos de contato e divergência entre a fraude contra credores e a fraude à execução:

"A fraude contra credores está sob a égide do Direito Privado (CC, 158-165), enquanto a fraude de execução está na órbita do Direito Público, com amparo nos arts. 592, V e 593 do CPC287".

"A fraude contra credores é ato anulável, consoante o disposto no art. 171, II, do CC. A fraude à execução é ato nulo ou ineficaz de pleno direito".

"A fraude de execução, por ser ato nulo e estar sob a esfera do Direito Público, é tratada com maior rigor. A fraude contra credores, por não ocorrer a transferência ou oneração de bens durante a demanda, é tratada de forma mais branda".

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"A fraude contra credores não pode ser conhecida de ofício pelo juiz, pois somente mediante provocação dos interessados poderá ser apreciada. A fraude de execução poderá ser declarada de ofício pelo juiz da causa onde ocorrer".

"A fraude de execução independe de provar consilium fraudis e a prova da insolvência somente será necessária em alguns casos, como na hipótese do n.º II do art. 593 do CPC. A fraude contra credores sempre dependerá da prova de todos os requisitos exigidos para revogação do ato, conforme cada caso".

"A fraude contra credores prescreve em quatro anos. A fraude de execução é, a princípio, imprescritível, por ser ato ineficaz ou nulo"288.

"Não constitui fraude à execução - decidiu o tribunal - a transferência de imóvel pelo executado se comprovado que a transação teve início em data anterior à citação no processo de execução, embora tenha sido o documento particular registrado após a efetivação da penhora" (in RT 569/158). "Para a caracterização da fraude de execução, (CPC, art. 593, II) de total irrelevância é a anterioridade da penhora e mesmo do processo de execução por título judicial, bastando que ao tempo da alienação estivesse em curso o processo de conhecimento" (in RT 567/102). Portanto não ocorre fraude de execução quando não existe execução ou processo de conhecimento; o fato de estar o devedor e alienante cheio de dívidas e com títulos protestados, ainda não é execução. Denuncia, no máximo, a sua insolvência, ou seja, será uma alienação em fraude a credores. "Indica fraude contra credores a venda de bem móvel do filho para o pai quando a situação econômica do alienante é precária e há dívidas anteriores a serem resgatadas" (in RT 556/218).

26. 2 Conceito

Fraude deriva do latim fraus, fraudis, que significa engano, má-fé. Se o devedor, para tornar ineficaz a cobrança de seu débito, maliciosamente, diminui seu patrimônio, reduzindo-o ao nada, estará enganando seus credores289. Não devemos esquecer do princípio de que o patrimônio do

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devedor responde por suas dívidas e, para evitar a fraude, a própria lei, no intuito de proteger os credores, desde que ocorram certos pressupostos demonstrativos da insolvência daquele, permite a estes desfazer os atos então praticados, restabelecendo a garantia. À evidência, não estando o devedor em insolvência, terá ele plena liberdade de dispor de seus bens, desde que não se torne insolvente.

Diz haver fraude contra credores, - ensina Sílvio Rodrigues - "quando o devedor insolvente, ou na iminência de tornar-se tal, pratica atos suscetíveis de diminuir seu patrimônio, reduzindo, desse modo, a garantia que este representa, para resgate de suas dívidas".290De fato, se o devedor, sabendo da existência de débito, despoja-se de seus bens, sem demonstrar posteriormente sua solvibilidade, ciente de que, assim o fazendo, prejudicará o credor, frustrando o recebimento de seu crédito, estará cometendo fraude contra seus credores. Há, pois, um negócio jurídico real, verdadeiro, mas feito com intuito de prejudicar terceiro, agravando a insolvência do alienante-devedor.

Portanto, pode-se conceituar a fraude contra credores como toda manobra do devedor dispondo de seus bens com a finalidade de evitar possível execução. Ocorrendo a fraude, importa na ineficácia do ato lesivo, cujo prazo decadencial, expressamente admitido como tal pelo Código Civil, para anular o negócio jurídico eivado de fraude é de quatro anos, contado do dia em que se realizou o negócio. Veja o art. 178, II, do CC: "É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico".

26. 3 Atos através dos quais a fraude pode se apresentar

A fraude pode aparecer nos seguintes tipos de negócios jurídicos:

  1. atos de transmissão gratuita de bens ou de remissão de dívidas;

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  2. atos a título oneroso;

  3. pagamento antecipado de dívidas vincendas;

  4. constituição de direitos de preferência a um ou alguns dos credores quirografários (outorga fraudulenta de garantia).

    Explico cada um:

26.3. 1 Atos de transmissão gratuita ou de remissão de dívidas

1) Atos de transmissão gratuita - Todos os atos praticados pelo devedor para fugir ao cumprimento de suas obrigações, especialmente por meio de atos de transmissão gratuita de bens, que por estes fique ele reduzido à insolvência, permite o Código Civil que sejam anulados. É o que se extrai da dicção textual do artigo 158, in verbis:

"Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos".

Como se vê, a regra atinge as doações, ocasião em que o devedor transfere os seus bens a título gratuito, reduzindo-se à insolvência, o que autoriza o credor a postular a revogação da liberalidade erigida em ato danoso. "Havendo fraude contra credores, pela doação dos bens do avalista efetuada pouco antes da concordata do avalizado, podem os credores, ainda que já devidamente habilitados, pleitear a anulação da transmissão, pois a responsabilidade do avalista frente aos avais firmados é autônoma" (in RT 616/243). "Procede a ação pauliana se o devedor, sabendo da existência de débito, desfaz-se de seus bens em curto espaço de tempo, sem demonstrar posteriormente sua solvabilidade, ciente de que assim o fazendo, prejudicaria o credor, frustrando o recebimento de seu crédito" (in RT 698/180).

É elementar que, no caso de doação, não se exige o requisito referente à intenção do devedor de lesar o credor, ou que o beneficiário pela liberalidade esteja a par da insolvência. Basta o estado de insolvência, quando do ato, ou que este tenha reduzido o devedor a tal. Vale dizer, não interessa saber se existiu qualquer ajuste fraudulento entre o doador e o donatário. A doação faz presumir a fraude. "Só os credores, que já o eram ao tempo daqueles atos -

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diz o § 2º do art. 158 - podem pleitear a anulação deles, propondo, dentro de quatro anos, a competente ação pauliana "que é ação revocatória, isto é, tem por fim colocar o devedor e os seus credores na situação anterior ao ato fraudulento"291.

"A fraude, que dá lugar à revocatória, não exige a presença do animus nocendi292. É suficiente que o devedor, quando se despoje de seus bens, tenha consciência de que esse ato acarretará prejuízo para seus credores" (in RT 698/182). O devedor só terá uma saída: provar sua solvência.

2) Atos de remissão de dívidas - Remissão...

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