Fruição de direitos sociais por estrangeiros à luz do princípio da igualdade: estudo do caso dos venezuelanos

AutorJordânia Cardoso Soares, André Ricardo Fonsêca da Silva
Páginas212-227
214
Jordânia Cardoso Soares • André Ricardo Fonsêca da Silva
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 11, n. 2, p. 2112-227, jul./dez. 2020.
Keywords: Social Rights. Principle of Equality. Venezuelans. Development.
1 INTRODUÇÃO
Todo cidadão, não importando qual seja sua nacionalidade, carrega consigo, onde for,
os di reitos e devere s concer nentes à cidada nia. Implica em a rmar que ci tado atributo integra
o acervo de garantias do indivíduo, não do Estado originário dele.
Como um direito humano, a cidadania deve ser respeitada por todos os países
signatários dos Tratados e Convenções internacionais relativos à temática, a exemplo da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (art. 6º) e da Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948.
A cidadania decompõe-se em direitos civis, políticos e sociais, que é objeto de estudo
do presente artigo.
Assim, os direitos sociais surgiram, primeiramente, na Europa como forma de
promover a igualdade material na sociedade da época, marcada pelo Estado Liberal e a
igualdade formal. A partir de então, se instala o Estado Social, voltado para a satisfação das
necessidades materiais das pessoas, como direitos sociais, econômicos e culturais, embasados
no princípio da igualdade.
So b es se es pí ri to , a Co ns ti tu iç ão Fe dera l de 19 88 , co nh ec id a ta mb ém co mo Con s ti tu iç ão
Cid adã, co loca no art .1º, II , a cidadania como um funda mento da Repúbl ica. E no ar t. 5º, caput,
aduz que todos são iguais perante a lei (igualdade formal).
Com base nessas premissas, o presente artigo abordou, especicamente, o acesso dos
estrangeiros, notadamente os venezuelanos, aos direitos sociais no Brasil à luz do Princípio
da Igualdade.
Quanto aos aspectos metodológicos, foi escolhida uma pesquisa qualitativa, pois
ap rese nt a o int ui to de an al isa r o ac esso do s ven ezue la nos aos dire ito s so ciais e nã o a elab oraç ão
de dados estatísticos. Quanto aos procedimentos técnicos, a pesquisa é bibliográca, tendo
em vista que sua base foi material já elaborado, como livros e artigos cientícos. Quanto à
abordagem, a pesquisa é dedutiva, tendo em vista que partiu da análise geral dos direitos
sociais e do princípio da igualdade, para depois, particularmente, abordar as ações concretas
relacionadas ao venezuelanos.
Por m, o presente artigo está dividido em seis tópicos, onde o primeiro e o último
tratam da introdução e considerações nais, respectivamente. Já o segundo versa sobre a
evolução do princípio da igualdade. O terceiro aborda os direitos sociais, como uma das
dimensões da cidadania. O quarto foca no Poder Judiciário como efetivador de direitos
fundament ais soc iais. E o quinto ab orda as ações imple mentada s pelo Governo bra sileiro, por
meio da Operação Acolhida.
2 EVOLUÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nesta seção ser ão analisados os signicados as sumidos pelo pri ncípio da igualdade ao
longo do tempo.
Como muitos institutos jurídicos, o princípio da igualdade sofreu mutações, conforme
o contexto histórico em que se estabeleceu.
No início dos tempos, existia uma ideia amplamente difundida de desigualdade
natural. Com isso, as pessoas não eram tratadas de forma igualitária, ou seja, tinham
215
FRUIÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS POR ESTRANGEIROS À LUZ DO PRINCÍPIO
DA IGUALDADE: ESTUDO DO CASO DOS VENEZUELANOS
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 11, n. 2, p. 2112-227, jul./dez. 2020.
tratamento inferior ou superior, de acordo com a sua classe social. Nesse primeiro momento,
essa diferença no tratamento das pessoas devia-se ao relacionamento do conceito de diferença
com o de desigualdade. (GONÇALVES, 2010).
No nal do século X VIII, com as Declarações de Direitos da Virgínia (1776) e a dos
Direitos do Homem e do Cidadão (1789), foi inaugurada a igualdade formal (isonomia). A
partir desse momento as pessoas começaram a ser tratadas de maneira igualitária, sem
nenhuma espécie de privilégio, quando se encontravam em uma situação semelhante. Era a
chamada igualdade perante a lei, que apenas se preocupava com a aplicação isonômica da lei,
não com a justiça social . (MENEZES , 2007). Essa cção ju rídica surgi u após a que da do Ant igo
Regime e ascensão do Estado –Liberal Burguês, marcado pelas ideias do constitucionalismo
clássico liberal (SARMENTO, 2006).
Mas apenas uma igualdade perante a lei não seria o suciente para suprir as demandas
de uma socied ade cada vez mais dive rsicada. Por isso, a par tir do sécu lo XX, o Est ado Social
ofertou direitos sociais, que são prestações positivas, um fazer estatal, que veio para realmente
fa zer just iça so cial , conce der ig uald ade de opor tun idade s para indiví duos que se enco ntrava m
em situações desiguais. Essas são as bases da chamada igualdade material. (GONÇALVES,
2010)
Para Aris tóteles, deve-se trata r igualmente os igua is e desigualmente os desiguais, na
medida de suas desigualdades. Celso Antônio Bandeira Mello (1998) concorda em parte com
o lósofo grego, pois ele levanta a seguinte indagação: “Quem são os iguais e quem são os
desiguais?” (MELLO, 1998). Na obra , o autor lec iona que a igu aldade seria ma ntida se a nor ma
fosse geral (individualização abstrata do destinatário) e abstrata (renovação da hipótese de
incidência sobre um ou mais indivíduos). Também a simetria seria respeitada se o fator de
discrímen tivesse relação lógica com os regimes autorizados. Paranalizar, prescreve que
a norma para determinado nicho deve ser especíca o suciente para alcançar a igualdade
material. (GONÇALVES, 2010)
O princípio da igualdade substancial é concretizado por meio das ações armativas,
que s ão polí ticas ou aç ões púb licas voltadas pa ra a correç ão das desig ualdade s reai s. Exemplos
de ações armativas são: cotas raciais para universidades públicas, percentual mínimo de
vagas em concursos públicos para decientes físicos, gratuidade de passagem em transporte
coletivo para maiores de 65 anos de idade, mínimo de 30% de candidaturas de um gênero
distinto, prioridade de recebimento de imposto de renda por idosos (acima de 60 anos).
(CLÈVE, 2016)
Não há como falar de igua ldade sem mencionar o conceito de justiça. Há autores que
utilizam os termos igualdade justa ou justiça igualitária (RAPOSO, 2004).
Aristóteles dividia a igualdade em duas categorias. A igualdade aritmética estaria para
a justiça comutativa e a igualdade geométrica voltada para a justiça distributiva. (AMARAL,
200 5).
Outro conceito relacionado à ig ualdade que deve ser abordado é o da diferença.
Ferrajoli (1999) enumera quatro formas de tratar juridicamente as diferenças.
A primeira forma é simplesmente ignorar as diferenças. Aqui não há qualquer proteção
às minorias. (GONÇALVES, 2010)
A segunda consiste em diferenciar juridicamente as situações desiguais, o que permite
diferenciação de tratamento. (GONÇALVES, 2010)
A terceira fazia a homologação jurídica das diferenças. (GONÇA LVES, 2010)
A última forma baseia-se no princípio do livre desenvolvimento da personalidade.
Signica que só haverá igualdade quando se conhecer e se respeitar as diferenças. Essa foi a
maneira de tratar a diferença no ordenamento jurídico brasileiro. (GONÇALVES, 2010)

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT