Função gratificada: O artigo 468, § 2º, da CLT em confronto com o princípio da estabilidade financeira

AutorOlimpio Paulo Filho
Páginas156-161

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Ver Nota1

“A Constituição e outras normas, como o Código de Processo Civil, tratam com cuidado e zelo a figura do abuso do direito”.

Ministro Mauricio Godinho Delgado.

“É de fundamental importância pelo momento crítico em que a lei entra em vigor, cercada de uma pressão muito grande no sentido em que os juízes não poderão interpretar a lei, mas o juiz não só interpreta esta lei, ele interpreta todas as leis. A norma não é o texto, a norma é o comando que se extrai da lei”.

Ministro Cláudio Brandão.

O homem sendo a resposta para todas as perguntas, em qualquer atividade do conhecimento, precisa da permanente construção e zelo da deontologia, da ética, para resguardar a vida e os valores essenciais da pessoa humana”.
Maury Rodrigues da Cruz

1. Breve histórico da destruição dos direitos laborais

A Constituição Federal de 1988, no art. 7º, incisos I a XXXIV, garante aos trabalhadores os direitos fundamentais, com o objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária; e, desde o início de sua vigência, foram várias as tentativas de tornar letras mortas as garantias aos trabalhadores, até que, em 23 de dezembro de 2016, em pleno recesso parlamentar, com a justiça do trabalho e os tribunais em recesso, e com a população brasileira em clima de confraternização das festas natalinas e da proximidade do ano novo, o Governo encaminha à Câmara dos Deputados um projeto de reforma trabalhista, o PL n. 6.787/2016, com pedido de tramitação em regime de urgência.

Com recesso na justiça obreira, só mesmo alguns poucos juristas percebem de imediato o atentado que se faz aos direitos dos trabalhadores. Tão logo termina o recesso parlamentar, no dia 3 de fevereiro de 2017, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados encaminha o projeto de reforma trabalhista às comissões competentes da casa para o exame; e em seguida, no dia 9, é criada uma comissão especial para elaborar parecer, e o ato de nomeação é lido no mesmo dia no Plenário da Câmara.

A base parlamentar do Governo está decidida a aprovar a reforma sem qualquer alteração, de modo que a tramitação nas diversas comissões não passa de um faz de conta. Ouve-se apressadamente alguns magistrados, procuradores do trabalho, advogados, entidades sindicais e empresariais, em audiências públicas, só para constar dos registros das sessões, porque há recomendação de quem tem a chave do cofre no sentido de não se alterar nada: em 26 de abril de 2017, a reforma já está aprovada na Câmara dos Deputados.

Eufórico com a tramitação meteórica do projeto de retrocesso social, um deputado resolve ousar ainda mais, e protocola um projeto de lei que torna lícita a remuneração de trabalhador rural constituída tão somente de moradia e de alimentação2.

Aprovada a reforma na Câmara dos Deputados, há o imediato encaminhamento ao Senado, que recebe o material em 28 de abril de 2017 e, em 11 de julho de 2017, aprova a reforma sem qualquer alteração.

O Presidente da República não perde tempo, e, em 13 de julho de 2017, sanciona a reforma, sem vetos, tornando-a lei. No dia seguinte, 14 de julho de 2017, ocorre a publicação no Diário Oficial da União, Lei n. 13.467/2017,

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com vigência em 120 dias após a publicação; e no dia 14 de novembro de 2017, quatro dias após o início da vigência é editada a Medida Provisória n. 808/2017, para tentar corrigir parte das incoerências contidas na Lei n. 13.467/2017. Essa MP, até o momento em que este artigo é escrito, já recebeu aproximadamente 1.000 emendas, o que comprova que não houve, de maneira nenhuma, bom senso no açodamento para a aprovação desse monstrengo chamado Reforma Trabalhista.

2. Perplexidade e reação dos juristas, e das entidades sindicais

Enquanto a reforma trabalhista tramita nas duas casas legislativas, os advogados trabalhistas, os procuradores do trabalho, os magistrados trabalhistas, inclusive ministros do Tribunal Superior do Trabalho, e as entidades sindicais, refletem, reagem, ponderam, clamam pelo bom senso, e demonstram que a reforma está eivada de inconstitucionalidades e de ofensas a tratados internacionais, subscritos ou ratificados pelo Brasil. Uma reforma de tamanho vulto, alertam, precisa ser amplamente discutida com a sociedade, e principalmente com a comunidade jurídica, a exemplo do que ocorreu com o Código Civil, que teve uma tramitação de aproximadamente 25 anos, do Código de Defesa do Consumidor e do Código de Processo Civil.

Durante a tramitação da reforma, e mesmo após a sanção presidencial, a OAB e suas seccionais, a ABRAT
— Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista — e as associações a ela filiadas, a ANAMATRA — Associação Nacional da Magistratura Trabalhista —, e a ANPT — Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho — realizam vários eventos, todos conclusivos de que a reforma não tem como ser aplicada, porque fere a Constituição Federal, fere os princípios jurídicos e fere os tratados inter-nacionais subscritos ou ratificados pelo Brasil, como bem pondera Souto Maior:

Uma reforma pressupõe identificação de problemas, avaliação das causas e formulação de proposições com projeções de resultados que sejam eficientes para a solução desses problemas, partindo de estudos, pesquisas e análises; e a “reforma” trabalhista não atendia nenhum desses pressupostos, não passando, pois, de mera explicitação de poder de um setor muito específico da sociedade, um poder que, inclusive, se lhe apresentou de forma quase ilimitada no contexto da lógica antidemocrática instaurada.

Buscaram demonstrar que o que se pretendia fazer na “reforma” era unicamente integrar à legislação fórmulas de interesse exclusivo do grande capital para aumentar a exploração do trabalho e possibilitar a ampliação das margens de lucro; que a “reforma”, enfim, se destinava a impor retrocessos jurídicos e sociais, ou seja, a retirar direitos dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros, criando, ao mesmo tempo, fórmulas com o fim de fragilizar a atuação coletiva da classe trabalhadora, além de mecanismos processuais para obstar o acesso à Justiça do Trabalho3.

No mesmo sentido, a eminente magistrada Valdete Souto Severo, do TRT da 4ª Região (RS):

(...) ao se fazer esse exercício de hermenêutica sobre a Lei n. 13.467, nenhum dos artigos vai resistir; nenhum dos artigos, ali, tem condições de se tornar norma jurídica trabalhista, porque são regras que negam a proteção e, no caso do Direito do Trabalho, da Justiça do Trabalho no Brasil, se a gente tiver alguma dúvida sobre a presença desse princípio instituidor, basta que a gente recorra ao decreto que contém a exposição de motivos da Justiça do Trabalho4.

A reforma trabalhista está aprovada, e agora é preciso enfrentá-la, e manter sempre o foco na lei maior, na Constituição Federal: tudo o que desviar da Constituição Federal, tudo o que ferir os princípios básicos do direito do trabalho, tudo o que for contrário aos tratados inter-nacionais subscritos ou ratificados pelo Brasil, tem que ser afastado, até que a jurisprudência dos tribunais se consolide, ou até que as forças irracionais, que produziram a reforma, façam o “mea culpa” e tragam ao mundo do trabalho um diploma jurídico com sintonia com o estado de direito democrático. Até lá, é...

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