Função de Regulação e Limites Normativos da Aneel

AutorSérgio Guerra
Ocupação do AutorPós-Doutorado em Administração Pública. Doutor e Mestre em Direito
Páginas678-698
678 FUNÇÃO DE REGULAÇÃO E LIMITES NORMATIVOS DA ANEEL
25.1 INTRODUÇÃO
O exercício da função de regulação de atividades econômicas pelo Estado é,
de certa forma, novo no Brasil, e, por isso, de diícil compreensão pelas auto-
ridades e pela própria sociedade. A estrutura estatal necessária para equi-
librar os subsistemas regulados,1 ajustando as falhas do mercado, ponde-
rando-se diversos interesses ambivalentes, não se enquadra em categorias
já consolidadas.
Basicamente, adotando-se ou não as denominações tradicionais, é
maioria na doutrina de direito público o pensamento de que o Estado brasi-
leiro exerce quatro funções estatais: intervenção direta, fomento, serviço
público e poder de polícia.
Essas funções estão diretamente ligadas aos fundamentos do Estado
brasileiro, conforme previsto na Constituição Federal de 1988: soberania,
cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho, livre
iniciativa e pluralismo político. Ademais, essas mesmas funções devem
ser exercidas de acordo com os objetivos do Estado, também enumerados
na Carta cidadã: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir
o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.
De acordo com alguns fatores que impactam diretamente a atuação
estatal (globalização, reforma do aparelho do Estado, desestatizações,
complexidade/tecnicidade e, mais recentemente, os movimentos sociais),
a função de regulação se apresenta como uma nova etapa, uma real evolução
do processo de mutação da atuação estatal que supera bases anteriormente
1 Subsistema regulado, para efeito deste artigo, é aquele apontado por Floriano de
Azevedo Marques Neto como sendo parcelas do ordenamento jurídico pautadas
por princípios, conceitos e estruturas hierárquicas próprios a determinado setor.
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Pensando o controle da atividade regulação
estatal. In: GUERRA, Sérgio (Coord.). Temas de direito regulatório, p. 301. Veja-se
a construção doutrinária sobre os subsistemas à luz da teoria dos ordenamentos
setoriais em: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do
direito administrativo econômico, p. 179 et seq.
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postas pelo Estado e pela doutrina mais tradicional do Direito Adminis-
trativo.2
A função regulatória decorre do fenômeno de mutação constitucional,
3
desencadeado pelas alterações estruturais passadas pela sociedade e que
tiveram como consequência – no plano das instituições políticas –, o surgi-
mento do imperativo de mudança nas formas de exercício das funções esta-
tais clássicas. O fenômeno da regulação, tal como é concebido nos dias
atuais, nada mais representa do que uma espécie de corretivo indispensável
a dois processos que se entrelaçam. De um lado, trata-se de um corretivo às
mazelas e às deformações do regime capitalista4 e, de outro, um corretivo
ao modo de funcionamento do aparelho do Estado5 engendrado por esse
mesmo capitalismo.
2 Floriano Azevedo Marques Neto anota que “a atividade regulatória é espécie do
gênero atividade administrativa. Mas trata-se de uma espécie bastante peculiar.
[inclusive] é na moderna atividade regulatória estatal que melhor se manifesta
o novo paradigma de direito administrativo, de caráter menos autoritário e mais
consensual, aberto à interlocução com a sociedade e permeado pela participação
do administrado”. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Pensando o controle da
atividade regulação estatal. In: GUERRA, Sérgio (Coord.). Temas de direito regu-
latório, p. 202.
3
Na expressão de Joaquim Barbosa, atual presidente do Supremo Tribunal Federal,
em GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Agências reguladoras: a “metamorfose”
do estado e da democracia (uma relexão de Direito Constitucional e Comparado).
In: Direito da regulação. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo
Estado do Rio de Janeiro. v. 9. Alexandre Santos de Aragão (Org.), p. 90.
4 O inconformismo com a ordem liberal econômica já se apresentava na penúltima
década do século XIX. Em 1887 foi criada a primeira “Agência Reguladora” esta-
dunidense, a Interstate Commerce Commission, e, uma década depois, editado o
Clayton Act para combater as práticas anticoncorrenciais. Cf. MOREIRA, Vital.
Auto-regulação proϔissional e administração pública, p. 17.
5 Bresser Pereira comenta a questão do ponto de vista das burocracias tecnica-
mente especializadas: “Um dos papéis que desempenham, além do meramente
técnico, é o de desenvolver estratégias de articulação entre os aparatos de Estado
e a sociedade como forma de neutralização de pressões clientelistas ou mesmo de
ampliação de seus recursos. Nesse sentido, a burocracia pode ser um ator polí-
tico no contexto da democracia, valendo-se dos instrumentos que esta faculta.
Ela respeita as decisões dos políticos eleitos, mas desenvolve estratégias de legi-
timação por meio das quais obtém autonomia dos próprios políticos, a partir da
demanda ou do apoio da sociedade”. BRESSER PERREIRA, Luis Carlos. A reforma
do estado para a cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva inter-
nacional, p. 160.

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