A função simbólica do direito penal e sua apropriação pelo movimento feminista no discurso de combate à violência contra a mulher

AutorEduarda Toscani Gindri - Marília de Nardin Budó
CargoPossui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e graduação em Direito pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), instituição na qual foi bolsista de iniciação científica (PROBIC/UNIFRA) - Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e...
Páginas236-268
Rev. direitos fundam. democ., v. 19, n. 19, p. 236-268, jan./jun. 2016.
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
A FUNÇÃO SIMBÓLICA DO DIREITO PENAL E SUA APROPRIAÇÃO PELO
MOVIMENTO FEMINISTA NO DISCURSO DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER
THE SYMBOLIC FUNCTION OF CRIMINAL LAW AND ITS APPROPRIATION BY
FEMINIST MOVEMENT IN THE DISCOURSE OF COMBATING VIOLENCE AGAINST
WOMEN
Eduarda Toscani Gindri
Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) e graduação em Direito pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), instituição
na qual foi bolsista de iniciação científica (PROBIC/UNIFRA).
Marília de Nardin Budó
Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM) e graduação em Comunicação Social - Jornalismo também pela UFSM, onde foi bolsista
PIBIC/CNPq. É especialista em Pensamento Político Brasileiro pela UFSM. É mestre em Direito
pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde foi bolsista Capes.É doutora em
direito na Universidade Federal do Paraná, com estágio sanduíche na Facoltà di Giurisprudenza
da Università di Bologna, na Itália, com bolsa PDSE/CAPES. Atualmente é professora do
Mestrado em Direito da Faculdade Meridional (IMED).
Resumo
O presente artigo visa compreender se o movimento feminista, ao
abordar a abrangência da Lei Maria da Penha, apropria-se e legitima a
função simbólica do Direito Penal. Para isso, partiu-se do marco
teórico da Criminologia Crítica e do paradigma de gênero,
compreendendo o Direito Penal Simbólico e suas críticas. Em um
segundo momento, foi realizada uma pesquisa empírica em 32
postagens de 6 blogs feministas, através da metodologia da Análise
do Discurso. Concluiu-se que o discurso do Direito Penal Simbólico,
percebido como o predomínio das funções simbólicas sobre as
funções reais e instrumentais do direito, está presente no discurso do
movimento feminista. No entanto, no discurso das blogueiras
analisadas, elas apresentam críticas ao sistema penal, em especial à
questão dos preconceitos machistas e racistas dos agentes. Ainda
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assim, requerem a expansão do sistema, o agravamento das penas e
a tipificação de novos crimes, o que leva a crer que suas críticas estão
fundadas numa abordagem conjuntural da deslegitimação do sistema
de controle penal.
Palavras-chave: Violência doméstica. Criminologia Crítica; Direito
Penal Simbólico.
Abstract
The present aticle aims to understand if the feminist movement, when
addressing the extent of the Maria da Penha Law, appropriates and
legitimizes the symbolic function of criminal law. For this, it departs
from the theoretical framework of Critical Criminology and the gender
paradigm, understanding the Symbolic Criminal Law and its critics. In a
second step, an empirical research was conducted in 32 posts from 6
feminist blogs, through the methodology of discourse analysis. It was
concluded that the discourse of Symbolic Criminal Law,
conceptualized as the predominance of symbolic functions above the
real and instrumental functions of law, is present in the feminist
movement discourse. However, in the speech of bloggers analyzed,
they have criticized the criminal justice system, particularly the issue of
sexist and racist prejudices of its agents. Still, they require the system
expansion, aggravation of penalties and the typification of new crimes,
which suggests that their criticisms are based on a conjunctural
approach of the delegitimization of penal control system.
Keywords: Domestic violenc.; Critical Criminology. Symbolic Criminal
Law.
1. INTRODUÇÃO
Os movimentos sociais promovem demandas que podem culminar na
modificação do Direito Penal, passando por questões como danos ambientais,
corrupção e campanhas por direitos civis e sociais, tais como faz o movimento
feminista. O paradigma de gênero, marco teórico feminista, permite a visão de
masculino e feminino como constructos culturais e históricos, e é importante
fundamento de mudança do Direito. A Criminologia Crítica, por sua vez, questiona a
ampliação do Direito Penal em razão das consequências nocivas que este instrumento
pode desenvolver e da sua ineficácia real na solução de conflitos. Assim, pontua se as
reformas pleiteadas por muitos movimentos sociais não teriam um caráter simbólico,
enquanto não cumprem funções reais de alteração do contexto social.
Este trabalho nasce da tentativa de colocar em choque dois movimentos
necessários: o feminismo e suas demandas de proteção e prevenção das formas de
violência contra a mulher, e a criminologia crítica, a partir das inquietações suscitadas
pelas desigualdades sociais e pelas violências construídas e reproduzidas pelo Direito
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Penal. Tendo em vista o direcionamento do foco de pesquisa ao movimento feminista,
será estudada a Lei Maria da Penha (Lei 11.340 de 2006). Também será explorado o
conceito de Função Simbólica do Direito Penal, aquela que opera no discurso e no
imaginário cultural, bem como sua apropriação por movimentos sociais. Portanto, o
presente artigo tem como objetivo geral responder ao problema de pesquisa: o
movimento feminista, ao abordar a abrangência da Lei Maria da Penha, se apropria e
legitima a função simbólica do Direito Penal?
Para isso, o primeiro passo será a revisão bibliográfica sobre a função
simbólica do direito penal e as inquietações provocadas pela Criminologia Crítica
diante da compreensão da deslegitimação do sistema penal. Trará, ainda, um resgate
sobre a articulação do movimento feminista na luta pela criminalização da violência
doméstica e as críticas pertinentes da Criminologia Feminista. Em um segundo
momento, será realizada a pesquisa de cunho empírico, a fim de analisar o discurso
feminista. Para isso, através da metodologia da Análise de Discurso, analisar-se-ão 32
postagens contidas em 6 blogs, num total de 17 blogueiras, com objetivo de responder
à pergunta geral do artigo.
2. A FUNÇÃO SIMBÓLICA DO DIREITO PENAL E A CRIMINOLOGIA FEMINISTA:
ENTRE A REAFIRMAÇÃO E A DESLEGITIMIDADE DO SISTEMA FRENTE AO
COMBATE ÀS VIOLÊNCIAS DE GÊNERO
A seguir, será delineada a problematização do estudo a partir de uma revisão
bibliográfica que conceituará a Função Simbólica do Direito Penal, sob as críticas
promovidas pela criminologia (1.1). A partir disso, discutir-se-á o movimento feminista
em relação à pauta da violência doméstica, à luz de sua luta pela criação da Lei Maria
da Penha com o enfoque criminológico feminista sobre o caráter penalizante da lei
(1.2).
2.1 A crise de legitimação do direito penal e a função simbólica da punição
O impulso desestruturador (COHEN, 2002) que se desenvolve em especial a
partir da década de 60, apresenta um conjunto de críticas ao sistema de controle
penal. De acordo com essas críticas e com a posição de teóricos do que se
consolidaria como a Criminologia Crítica
1, o sistema penal funciona como um
1A Criminologia Crítica, enquanto enfoque criminológico, propõe-se a questionar o controle social e sua
funcionalidade frente ao sistema capitalista. Essa perspectiva teórica parte, inicialmente, da quebra de

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