A Função Social da Posse no Código Civil / The Social Function of Possession in the Civil Code

AutorMauricio Mota, Marcos Alcino de Azevedo Torres
CargoDoutor em Direito Civil pela UERJ. Professor da UERJ (graduação e pós-graduação). Procurador do Estado do Rio de Janeiro. - Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor da UERJ (graduação e pós-graduação). Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Páginas249-324
Revista de Direito da Cidade vol.05, nº 01. ISSN 2317-7721
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Revista de Direito da Cidade, vol.05, nº01. ISSN 2317-7721 p. 249-324 249
A Função Social da Posse no Código Civil
Mauricio Mota
1
Marcos Alcino de Azevedo Torres2
1. Introdução 2. A posse como apropriação econômica no
Código Civil 3. A função social da posse 4. Exceção de não
funcionalização social do domínio e temporalidade: o artigo
1228, §§ 4º e 5º do Código Civil 5. Separação absoluta dos
juízos petitório e possessório 6. Conclusão 7. Referências.
Resumo: No presente texto, os autores analisam os fundamentos teóricos da posse e da
recepção da função social da posse, expressa pela idéia de posse-trabalho, no Código Civil.
Abordando questões práticas, o texto demonstra como, através de diversos institutos
disciplinados no Código Civil, a determinação do cumprimento da função social se tornou um
pressuposto para o deslinde dos conflitos de propriedade.
Palavras-chave: Posse Fundamentos teóricos - Função social da posse Código Civil
Autonomia da posse
Abstract: In the present text, the authors examines the theoretical foundations of possession
and receipt of the social function of possession, expressed by the idea of possession-work, in
the Civil Code. Addressing practical issues, the text demonstrates how, through various
institutes disciplined in the Civil Code, the determination of compliance of the social function
has become a prerequisite to unravel the conflicts of property.
Keywords: Possession - Theoretical foundations - Social function of possession Civil Code
Autonomy of possession
1 Doutor em Direito Civil pela UERJ. P rofessor da UERJ (graduação e pós -graduação). Procurador do Estado do
Rio de Janeiro.
2 Doutor e m Direito Ci vil pela UERJ. Professor da UERJ (graduação e pós-graduação). Desembargador do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Revista de Direito da Cidade vol.05, nº 01. ISSN 2317-7721
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Revista de Direito da Cidade, vol.05, nº01. ISSN 2317-7721 p. 249-324 250
1. Introdução
A posse sempre esteve envolta em polêmicas, desde o alvorecer das
considerações jurídicas. Sendo um instituto jurídico que, como nenhum outro, lança o Direito
nas exigências da facticidade, para sua análise é preciso adentrar no mundo factual, da
apropriação das coisas.
No presente texto procuraremos apresentar a posse como uma relação social
que decorre da necessidade humana de apropriação econômica das coisas, e recebe tutela
desde que esta apropriação corresponda a um ideal coletivo, consoante os costumes e a
opinião pública. Nesse sentido, há que se singularizar sua autonomia e marcar que esta não se
vincula necessariamente ao direito de propriedade.
Para a realização desse desiderato, examinar-se-ão os fundamentos da teoria da
posse de Ihering, ressaltando a necessidade de complementação desta para a compreensão
exaustiva do fenômeno da posse, sobretudo no que diz respeito ao exame da causa
possessionis.
A importância da causa possessionis na determinação da natureza da posse é
demonstrada pela interversão da posse, quando, por circunstâncias objetivas, valoradas e
referenciadas socialmente, transmuda-se a maneira do possuidor agir em relação à coisa,
apropriando-se da mesma. Na interversão da posse se evidencia a posse como a apropriação
econômica da coisa.
Do mesmo modo, o texto examinará os fundamentos da capacitação daqueles
que titularizam a posse, bem como a compressão dos poderes dominiais, a evidenciar, um e
outro aspecto, a posse como essa relação social de apropriação econômica de bens.
Também relevante na presente análise se mostra o acolhimento no Código
Civil da função social da posse, sobretudo na idéia de posse qualificada ou posse-trabalho.
Essa é efetivamente a grande inovação trazida pelo novel diploma civil, a justificar a
determinação minuciosa de seus contornos e efeitos.
Procurou-se quanto a essa última matéria, enfrentar a natureza jurídica do
direito consubstanciado no art. 1228, § 4º, do Código Civil, ressaltando que é no conflito do
direito de propriedade (propriedade sem função social em face da posse qualificada) que o
citado direito codificado se consubstancia e produz os seus efeitos necessários.
Revista de Direito da Cidade vol.05, nº 01. ISSN 2317-7721
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Outra abordagem realizada no texto é aquela concernente à separação absoluta
entre os juízos petitório e possessório. Remontando à origem da exceptio proprieta tis no juízo
possessório, demonstra-se a impropriedade da forma de sua introdução no direito civil
brasileiro e sua definitiva abolição pelo Código Civil.
Consectário dessa separação absoluta dos juízos petitório e possessório, a
valoração jurídica pelo juiz do efetivo cumprimento da função social da propriedade (no
confronto entre a posse qualificada, com função social, e a propriedade sem função social)
passa a ser a tônica da apreciação judicial em sede de juízo possessório (e mesmo no
petitório), instrumentalizando-se, deste modo, a consideração antes, algo genérica, da função
social da posse.
Portanto, verificar-se-á no texto que, ao contrário considerou uma parte da
doutrina, apressadamente, o Código Civil alterou significativamente a tradicional disciplina
da posse no direito brasileiro.
2. A posse como apropriação econômica no Código Civil
A posse tradicionalmente era concebida em nosso direito como uma defesa
avançada do direito de propriedade. O direito de propriedade não está sempre em perfeita
evidência: freqüentemente ele é contestado por muitas pessoas cujas pretensões parecem
igualmente plausíveis. Para saber qual é a pretensão que deve restar vitoriosa na questão da
propriedade, é preciso consultar títulos por vezes contraditórios, inquirir-se sobre fatos
obscuros, abordar situações difíceis, e, por vezes mesmo, após uma longa instrução, a questão
continua ainda duvidosa. Nesse caso, a lei, conforme a razão, almeja que o possuidor seja o
preferido, pois, em tais casos, melhor é a condição do possuidor. De resto, enquanto o direito
de propriedade não é definitivamente estabelecido, a posse não pode permanecer vacante. O
interesse público exige que as terras sejam cultivadas, que os campos não fiquem
improdutivos. Para evitar, portanto, as desordens que poderiam resultar da incerteza da posse,
é de todo necessário adjudicar provisoriamente a posse a um dos dois contendores, de decidir

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