A funcionalidade do regime geral de responsabilidade objetiva: exame a partir da imputação decorrente dos danos ambientais

AutorFelipe Teixeira Neto
Páginas245-266
CAPÍTULO 6
A FUNCIONALIDADE DO REGIME GERAL DE
RESPONSABILIDADE OBJETIVA:
EXAME A PARTIR DA IMPUTÃO
DECORRENTE DOS DANOS AMBIENTAIS
Apresentadas as bases sobre as quais se funda a proposta de reconstrução siste-
mática da responsabilidade civil objetiva – de modo a viabilizar, por meio da recolha
dos elementos que lhe são comuns e, mais do que isso, necessários à adequada con-
cretização das diversas situações em que se manifesta –, cumpre aferir como estes
delineamentos teóricos se comportam a partir de situações concretas.
O propósito deste exercício de aferição da validade dos marcos teóricos até aqui
delineados tem por objetivo, justamente, mostrar que a tão característica fragmen-
tariedade da imputação objetiva não lhe retira o sentido de unidade e de conjunto,
fazendo com que as várias premissas apresentadas sejam efetivamente comuns a todos
os regimes especiais. Inclusive nas situações em que a fragmentariedade é ainda mais
evidente, diante da aparente adoção de pressupostos autonomamente adaptados a
partir dos paradigmas revisitados e postos até aqui, ao ponto de se pretender – com
equívoco – a criação de regimes especiais dentro dos regimes especiais, cedendo-se
à tentação para a fuga rumo à especialidade da especialidade.
Para este f‌im, diante da impossibilidade de se avaliar em concreto todos os regimes
existentes, optou-se pelo exame da forma como se comportam os marcos da teoria
geral da responsabilidade civil objetiva ora proposta na fattispecie associada aos danos
ambientais1. Tal opção deu-se em razão da natureza paradigmática do regime próprio,
seja pelas suas diversidades internas, seja pela sua própria conexão com os inf‌luxos
atuais do instituto, especialmente considerando que nele se manifestam de modo bas-
tante evidente as principais controvérsias levantadas ao longo da presente investigação.
Nesta toada, oportuno retomar que duas são as linhas teóricas sobre as quais se
fundou a ressistematização apresentada: primeiro, que a responsabilidade objetiva
1. De plano, é de se registrar que as considerações que serão apresentadas não têm por f‌im esgotar a temática da
responsabilidade civil em razão dos danos ao ambiente ou tampouco abordá-la com profundidade cientif‌ica
que pudesse trazer sequer uma visão abrangente do tema. Trata-se apenas de, à vista das considerações
de cunho ressistematizador propostas, verif‌icar, a partir de um regime especial de responsabilidade (que
poderia ser outro, inclusive), as formas como se perfectibilizam num plano concreto de aplicação as formu-
lações apresentadas – estas, sim, objeto da investigação. Fica, portanto, desde logo consignada a ressalva no
sentido de que a disciplina dos danos ambientais, especialmente em uma perspectiva comparatista entre os
três sistemas sob exame, não tem qualquer pretensão de exaurimento ou mesmo de sistematização mínima
quanto ao panorama completo dos seus termos.
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RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA FRAGMENTARIEDADE À RECONSTRUÇÃO SISTEMÁTICA
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traz em si, tanto na sua previsão legal, quanto na sua concretização, um inquestio-
nável juízo de ponderação entre interesses contrapostos que precisam ser compati-
bilizados, o que viabiliza a gestão adequada dos prejuízos que lhes estão associados;
segundo, que a limitação dos pressupostos tradicionais do dever de indenizar exige
que aqueles que se mantêm imprescindíveis sejam relidos a partir da necessidade
de operatividade da imputação, absorvendo parcelas daqueles que, não obstante
dispensados, são relevantes em algum grau à adequada gestão dos danos.
Analisar, portanto, (a) a escolha acerca da adoção ou não e da caracterização ou
não de uma hipótese de imputação objetiva, (b) a demarcação dos elementos que
compõem o dano que merece ser reparado, por meio de um processo de jurisdiciza-
ção que permita diferenciar o prejuízo em sentido amplo daquele que legitimamente
pode se converter em fonte de responsabilidade, e (c) a compreensão da forma como
a relação normativa de causa e efeito que se estabelece entre o prejuízo relevante e o
fator de atribuição operacionaliza-se para f‌ins de concretizar a seleção dos interesses
dignos de tutela, são tarefas a serem perseguidas, ainda na tentativa de demonstrar
a operatividade da ressistematização proposta.
1. A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL E O JUÍZO DE PONDERAÇÃO
QUE SE CONCRETIZA POR MEIO DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
A ideia de responsabilidade civil associada à verif‌icação de danos ambientais2
é relativamente nova na civilística, o que se deve não apenas à própria contempora-
neidade do reconhecimento da relevância jurídica dos bens ambientais em si mesmo
considerados, mas também à imprescindibilidade da superação, para este f‌im, de uma
série de restrições típicas do instituto na sua feição clássica. Neste particular, basta
ter-se presente que o conceito de dano talhado à luz da teoria da diferença e a noção de
ilicitude enquanto lesão a direito subjetivo propriamente dito – para f‌icar apenas com
2. A própria designação não é unívoca, pois ao passo em que, na tradição brasileira, pode ser empregada para referir
todo e qualquer prejuízo (individual, coletivo em sentido estrito ou difuso) decorrente da lesão a interesses
juridicamente protegidos associados a bens ambientais, nos sistemas europeus é frequente a sua contraposição
com a ideia de dano ecológico. Nesta linha, enquanto o dano ambiental toma por base a perspectiva do prejuízo
causado às pessoas e às coisas, isto é, aqueles sofridos por determinados sujeitos nos seus bens jurídicos de
personalidade ou nos bens jurídicos patrimoniais em razão da lesão ao ambiente, o dano ecológico parte da
perspectiva coletiva lato senso do interesse jurídico respectivo, quando o próprio bem ambiental/ecológico
é comprometido, de modo a frustrar as utilidades que, sob um prisma difuso de fruição (por isso mesmo
indivisível), dele podem ser extraídas. Sobre o tema, GOMES, Carla Amado. A responsabilidade civil por dano
ecológico. Ref‌lexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo DL 147/2008, de 29 de julho. Disponível
em: . Acesso em: 01 dez. 2017, p. 04-06; no mesmo
sentido, SENDIM, José de Sousa Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecológicos. Da reparação do dano
através da restauração natural. Coimbra: Coimbra, 1998, p. 69-70. É bem verdade que a questão sofreu algum
revés no cenário europeu após a edição da Diretiva 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de
modo a promover uma unif‌icação terminológica por meio da designação dano ambiental, consoante adiante
se verá. De plano, cumpre consignar que a expressão será usada ao longo da presente investigação tendo em
conta uma perspectiva alargada, de modo a abranger tanto o dano ambiental stricto sensu (na sua perspectiva
assim dita individual) quanto o dano ecológico (na sua perspectiva difusa), até mesmo porque se entende que
tal seja producente ao discurso de unidade sobre o qual se funda a tese proposta.
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