Fundações partidárias e processos de politização no Brasil: domínio de atuação, amálgamas e ambivalências
Autor | Eliana Tavares dos Reis, Igor Gastal Grill |
Páginas | 143-190 |
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n37p143
143143 – 190
Fundações partidárias e processos
de politização no Brasil: domínio de
atuação, amálgamas e ambivalências
Eliana Tavares dos Reis1
Igor Gastal Grill2
Resumo
O artigo analisa o espaço das fundações partidárias no Brasil. Esse domínio de atuação é percebido
como veículo e reflexo de processos de politização. O estudo está alicerçado em dois eixos: 1) a
configuração (estrutural e sociográfica) dessas entidades e a relativa autonomia ou dependência
que possuem vis-à-vis às organizações partidárias; 2) as intersecções possíveis entre lógicas
e domínios políticos e intelectuais a partir da exploração desse âmbito específico de atuação.
São, então, cotejados dados referentes à emergência e à cronologia de criação das fundações
partidárias, à estrutura organizacional das mesmas (sites; sedes; setores; divisão de tarefas/
papeis; exigências de especialistas variados; produtos como livros, revistas, cursos; receitas;
etc.) via informações disponíveis na internet, bem como ao perfil social, político e cultural dos
presidentes e ex-presidentes. Foi examinado ainda especificamente o caso da Fundação Perseu
Abramo do Partido dos Trabalhadores.
Palavras-chave: Fundações. Elites. Intelectuais. Partidos. Politização.
Introdução
Nos últimos anos, temos nos dedicado a estudar diferentes vias de inter-
penetração entre lógicas e domínios políticos e culturais, procurando vericar
os fatores que condicionam modos de agir e de pensar de agentes que ocupam
1 Docente e Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (UFMA). Coordena o Labora-
tório de Estudos sobre Elites Políticas e Culturais (LEEPOC). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
E-mail: eliana1reis@terra.com.br
2 Docente e Pesquisador do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (UFMA). Coordena o Laborató-
rio de Estudos sobre Elites Políticas e Culturais (LEEPOC). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
E-mail: igorgrill@terra.com.br
Fundações Partidárias e Processos de Politização no Brasil: domínio de atuação, amálgamas e ambivalências | Eliana Tavares
dos Reis e Igor Gastal Grill
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posições relativamente bem situadas no espaço social brasileiro. É claro o peso
da capacidade de manipulação de bens simbólicos ao êxito político, insepara-
velmente da contundência dos trunfos políticos os mais variados à conquista
de uma condição de “intelectual” ou de reconhecimento prossional.
Direcionados a universos considerados como propriamente “políticos”,
partimos de ênfases e recortes distintos de pesquisa (edicação de genealogias
políticas, padrões de engajamento militante, carreiras parlamentares, entre
outros)3 para demonstrar o quanto as inserções, as trajetórias, as práticas, as
percepções e os repertórios de mobilização, assim como a sua tradução em
multinotabilidades4 conquistadas por agentes que ocupam posições de poder
político, são tributários de certas condições. Grifamos, em especial, aquelas
referentes à origem e à socialização familiar, aos investimentos militantes e
prossionais ao longo da vida e ao acúmulo e produção de recursos culturais,
em determinadas conjunturas e relativamente ao conjunto dos agentes inscri-
tos nas mesmas congurações de luta5.
Foi a partir desses trabalhos que constatamos a recorrência de agentes
que, em algum momento da sua biograa, atuaram mais ou menos formal
e intensamente em institutos ou fundações partidárias. Essas entidades são
geralmente denidas como lugares de formação política e doutrinária, de for-
mulação e transmissão ideológicas, de debate intelectual no âmbito dos par-
tidos políticos, de expressão democrática, e assim por diante. Não por acaso,
parece haver uma associação entre tais atribuições e as características dos seus
componentes e dirigentes. Portanto, a análise desse universo permite exami-
nar as bases da armação de agentes híbridos, vinculados a atividades indis-
sociavelmente políticas e culturais (em sentidos amplos dos termos). E, do
mesmo modo, podemos pontuar aspectos da multiplicidade de dimensões e
registros de atuação, que traduzem lógicas sociais e repertórios de mobilização
política legítimos.
Conjuga-se a isso que a análise dos institutos e das fundações partidá-
rias possibilita observar a consonância entre processos de complexicação/
3 Destacamos as pesquisas publicadas em Grill (2008), Reis (2015) e Grill e Reis (2016).
4 Com base em Reis e Grill (2016; 2015), discutimos a importância da noção de multinotabilidades para en-
tender como as chances de notabilização de agentes nos domínios sociais, de modo geral, e nos políticos e
intelectuais, de forma específica, estão condicionadas à capacidade de aquisição de reconhecimentos, autori-
dades e inscrições nas múltiplas arenas de atuação dos agentes.
5 Uma discussão sistemática dessas dimensões foi feita em Reis e Grill (2017).
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 37 - Set./Dez. de 2017
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diversicação das organizações partidárias com o trabalho intelectual de po-
litização de questões e de domínios. Por um lado, trazendo à tona as dis-
putas entre porta-vozes em torno de jurisdições, das quais podem resultar
em “requalicações da política”6 e, ao mesmo tempo, podem ser derivadas e
promotoras da própria delimitação das fronteiras precárias da “política” e da
(aparentemente paradoxal) garantia da difusão de suas lógicas. E, por outro
lado, fazendo emergir mecanismos mais amplos de imposição de linguagens
e critérios de excelência social, prossional e cultural. Evidenciando, então,
aspectos modulares às estratégias de politização, que abrangem imperativos
e injunções às práticas e discursos, assim como demarcam a legitimação de
agentes e daquilo que adquire o estatuto de inelutável (que é tudo em nome
do qual seus arautos lutam para denir).
Para melhor balizar nosso universo de investigação, propomos uma breve
reexão em torno das três dimensões que, articuladas, são as principais que
o constituem como objeto privilegiado de estudo: i) as condições de insti-
tucionalização das organizações partidárias e, no seu âmbito, dos institutos
e fundações7; ii) as recongurações dos repertórios e formas de mobilização
política e engajamento militante; iii) e os papéis (notadamente de mediação)
que certicam a condição de intelectual no Brasil.
Os estudos sobre partidos políticos comumente se detêm em questões
relacionadas ao enraizamento partidário ou volatilidade eleitoral; à coesão/
disciplina nas votações em legislativos; aos padrões de migração entre siglas;
ao papel dos partidos na formação de governos etc. No entanto, outras pon-
derações nos parecem pertinentes, a começar pelos limites do mimetismo
presentes na implantação de regimes políticos e de sistemas partidários em
“dinâmicas órfãs”.
O ponto de partida pode ser o argumento de Badie e Hermet (1993) de
que as relações entre estados-nações são assimétricas e existem lógicas de de-
pendências entretecidas em uma conguração internacional. Nos intercâmbios
6 Ver a discussão de Lagroye, publicada originalmente em artigo que integra coletânea por ele organizada
(2003) e que foi traduzido neste dossiê.
7 Consideramos aqui institucionalização como concentração em uma organização de recursos materiais e sim-
bólicos (coletivos e individuais), bem como de tecnologias diversas, mobilizados segundo lógicas de concor-
rência que pautam as disputas políticas e intelectuais. Ou seja, em sentido próximo à noção de empresa ou
empreendimento cunhada por Max Weber e retomada por Michel Offerlé (1987).
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