Fundo de garantia do tempo de serviço

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Páginas372-384

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1. Origens e motivações

Até 1967, quando começou a viger no Brasil a Lei n. 5.107, de 13.09.1966, predominava o regime celetista da estabilidade decenal. O empregado estável, então, como visto antes (v., nesta parte, Capítulo XII, n. 2), somente poderia ser dispensado mediante inquérito para apuração de falta grave ajuizado perante a Justiça do Trabalho.

A Constituição de 1967, no art. 158, previa, no inciso V, a integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, nos casos e condições que forem estabelecidos, repetindo o comando da Constituição de 1946 (art. 157, IV), que introduziu esse direito no Brasil. Porém, no inciso XIII, o constituinte de 1967 criou uma opção entre dois regimes diferentes: estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido, ou fundo de garantia equivalente.

A coexistência dos dois regimes permaneceu até o advento da Constituição de 1988 quando, garantido o direito adquirido de quem fosse estável até 5 de outubro, todos os demais trabalhadores brasileiros passaram a ser, necessariamente, integrantes do FGTS, que passou a ser o único regime, desaparecendo a opção que existia anteriormente e que, a rigor, era uma opção obrigatória, a medida em que somente era contratado o empregado que optasse pelo regime.

Havia a possibilidade de opção retroativa, mas dependia, em todo caso, da concordância do empregador, consoante a OJ n. 39 (temporária) do TST:

OJ-SDI1T-39 - FGTS. OPÇÃO RETROATIVA. CONCORDÂNCIA DO EMPREGADOR. NECESSIDADE - A concordância do empregador é indispensável para que o empregado possa optar retroativamente pelo sistema do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

A rigor, o FGTS garante tempo de serviço teórico, mas não garante a permanência no emprego.

Embora maciçamente a doutrina aponte como sendo o principal motivo do surgimento do FGTS o social, qual seja o de subsidiar a construções de habitações populares, acreditamos que houve também uma motivação política bastante relevante.

Dois anos antes da promulgação da Lei n. 5.107, ocorreu no Brasil um movimento militar que implantou regime de exceção durante mais de três décadas (até 1985).

Para resolver o problema de infiltração política nas escolas, e, de outro lado, atender reivindicação de alunos e professores que queriam ver modernizados os métodos educacionais no Brasil, foi efetuada profunda reforma no ensino universitário, terminando o regime seriado anual de turmas fixas e passando a ser adotado o regime semestral de turmas móveis de livre escolha dos alunos. Com isso, o movimento estudantil ficou desarticulado e entrou em franca decadência.

Havia, no entanto, as bases sindicais, bastante sólidas e que apoiavam os governantes depostos. A estabilidade decenal, consagrada na CLT, fazia os trabalhadores serem mantidos nos seus empregos indefinidamente, e, com

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isso, passavam a ter laços mais fortes e mais fraternos entre si, gerando entidades sindicais de maior representatividade, força organizacional, poder de barganha e comportamento mais reivindicativo.

Pensamos que aqui está a motivação política do FGTS. Sua criação falsamente facultativa serviu para desarticular todos os movimentos sindicais brasileiros, promover mobilidade do trabalhador, retirar o sentido de permanência e de integração na empresa, desintegrar grupos e, consequentemente, enfraquecer os sindicatos e seu poder sobre o empresariado.

Hoje, passados tantos anos, acostumaram-se os trabalhadores e os empregadores brasileiros com esse agora único regime, restando umas poucas estabilidades especiais, a rigor garantias de emprego, tais como: gestante, dirigente sindical, vítima de acidente de trabalho, membro de Cipa, integrante de comissão de conciliação prévia, como examinamos acima (v., nesta Parte,Capítulo XII, n. 3), que, no entanto, não influem sobre o FGTS, eis que o depósito deve continuar sendo efetuado na conta vinculada do empregado.

É a Lei n. 8.036, de 11.05.1990, que dispõe sobre o FGTS atualmente, cujo regulamento consta do Decreto n. 99.684, de 08.11.1990, completados por farta gama de normas complementares, inclusive circulares editadas pela CEF.

Uma coisa, todavia, é certeza indiscutível: a criação do FGTS representou gravíssima perda para o trabalhador. Primeiro, perdeu a garantia do seu emprego estável, podendo ser mandado embora pelo empregador a qualquer tempo e por qualquer motivo - judicialmente, qualquer prova lícita é admitida em juízo, e, assim, pode ser provada qualquer boa razão (boa não significa justa) para a dispensa de um trabalhador -, causando-lhe insuperável insegurança; segundo, quando puder, finalmente, receber o que tiver sido depositado em sua conta vinculada, o quantum será, sem sombra de dúvidas, muitíssimo menor que aquele que receberia em caso de uma indenização decenal pelo regime da CLT.

Nesse particular, exempliquemos: um empregado, admitido a 01.03.1990 e dispensado imotivadamente a 05.05.2013, integrante do sistema do FGTS (antes de 1988, obrigado a optar; após 1988, única forma existente), terá direito aos valores depositados no período, mais a multa de 40%. Se não existisse o FGTS, e fosse dispensado pela vontade patronal receberia a indenização de antiguidade em dobro, porque com mais de dez anos de casa (exatos 23 anos, dois meses e cinco dias). Durante esses anos de trabalho, recebeu salário mensal equivalente, em moeda atual, a R$ 1.500,00. Como o único sistema que vigora no Brasil é o FGTS. Terá direito, incluindo a multa de 40%, a receber o total de R$ 48.050,32. Porém, se a situação fosse diferente, não existisse esse FGTS e tivesse direito à indenização dobrada do art. 497 da CLT, receberia R$ 69.265,23, ou seja, R$ 21.214,91 a mais. Isto demonstra, ex abundantia, que o FGTS prejudica pecuniariamente o trabalhador e que, se não existisse, dificilmente esse empregado seria dispensado porque oneraria demasiadamente, de uma só vez, a empresa.

2. Significado

Trata-se o FGTS de uma conta bancária formada pelos depósitos feitos pelo empregador em nome do trabalhador, na qual o primeiro deposita em nome deste último, mensalmente, 8% da sua remuneração, salvo se se tratar de aprendizagem, quando a alíquota será reduzida para 2% (art. 15, caput, e § 7º, da Lei n. 8.036/1990), e cuja movimentação dependerá da observância de várias exigências previstas na legislação, tais como: dispensa sem justa causa, falecimento, aposentadoria, aquisição de casa própria, etc.

3. Natureza jurídica

No que respeita à natureza jurídica do FGTS, esta deve ser examinada sob cinco aspectos, considerando a grande controvérsia que existe em tentar fixá-la sob um único viés.

Pode ter natureza tributária e, em sendo um tributo, representa uma contribuição parafiscal arrecadada pelo Estado, destinada a custeio do Sistema Financeiro da Habitação.

Tem, para alguns, natureza previdenciária, posto servir de garantia à sobrevivência do trabalhador em caso de despedida, dentre outros.

Sua natureza também pode ser indenizatória, porque visa a repor, pecuniariamente, o tempo de serviço despendido pelo empregado.

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Há quem admita tratar-se de uma espécie de salário social porquanto cria-se um fundo social para o trabalhador utilizar em determinados momentos de necessidade (doença grave, aquisição de casa própria, desemprego, etc.).

Finalmente, pode ser também um salário deferido, porque o obreiro o adquire no presente para ser utilizado somente no futuro.

A nosso ver, qualquer desses ângulos pode ser admitido, sendo mais adequada a sua natureza indenizatória, até por sua motivação história, de sucessor da indenização aos que gozassem de estabilidade pelo antigo regime da CLT, fizessem opção após 1966, ou fossem admitidos após a Constituição de 1988.

E, nesse aspecto, o item I da Súmula n. 98 do TST reforça esse entendimento quando consigna:

Súmula n. 98 - I - A equivalência entre os regimes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e da estabilidade pre-vista na CLT é meramente jurídica e não econômica, sendo indevidos valores a título de reposição de diferenças.

Ainda nesse tema, o item II dessa mesma súmula admite a compatibilidade do regime do FGTS com o das estabilidades contratual ou decorrente de regulamento da empresa:

Súmula n. 98 - II - A estabilidade contratual ou a derivada de regulamento de empresa são compatíveis com o regime do FGTS. Diversamente ocorre com a estabilidade legal (decenal, art. 492 da CLT), que é renunciada com a opção pelo FGTS.

4. Administração

Dois importantes órgãos cuidam dos procedimentos de gestão e de aplicação dos recursos do FGTS: o Minis-tério das Cidades e a CEF.

De acordo com a Lei n. 8.036/1990, o Ministério das Cidades exerce a função de Gestor da Aplicação do FGTS, incumbido de selecionar e hierarquizar os projetos a serem contratados.

De outro lado, a CEF, empresa pública federal vinculada ao Ministério da Fazenda, é o Agente Operador do FGTS, cuidando das atividades operacionais a ele ligadas, inclusive:

  1. centralização das contas vinculadas;

  2. controle da rede arrecadadora;

  3. avaliação da capacidade econômica e financeira dos tomadores de recursos;

  4. implementação de atos de alocação de recursos e concessão de créditos;

  5. risco de crédito das operações com recursos do Fundo.

5. Mecanismos do sistema
5.1. Valor do depósito

Os percentuais devidos a título de FGTS variam conforme a situação do empregado. O depósito deverá ser efetuado até o dia 7 de cada mês, em conta bancária vinculada. O percentual comum a todos é de 8% sobre...

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