Furto (Art. 155)
Author | Francisco Dirceu Barros |
Profession | Procurador-Geral de Justiça |
Pages | 1069-1127 |
Tratado Doutrinário de Direito Penal
1069
Art. 155
1. Conceito do delito de furto
O delito consiste no fato de o sujeito ativo subtrai r,
para si ou para outrem, coisa alheia móvel.
A subtração pode ser:
a) imediata: o agente ativo diretamente subtrai a res
furtiva;
b) mediata: o agente ativo manda uma terceira
pessoa ou um animal subtrair a resfurtiva.
TERMINOLOGIAS INTERESSANTES:
a) Abegeato: o furto de gado é juridicamente conheci-
do como abigeato. Se, contudo, alguém se apo-
derar de um animal alheio com o propósito de exigir
alguma vantagem econômica para restituí-lo, o
crime será de extorsão (CP, art. 158);
b) Furto famélico: é a denominação utilizada pela
doutrina e pela jurisprudência no que tange ao
furto cometido por quem subtrai alimentos em
geral para saciar a fome (sua ou de terceiros);
c) Famulato: é o furto praticado pelo empregado,
aproveitando-se de tal situação, de bens perten-
centes ao empregador.
1.1. “O furto simples”
Bento de Faria2613conceitua o furto: O furto sim-
ples — por oposição ao furto quali cado — consiste
no apoderamento, para si ou para outrem, de coisa
alheia móvel, subtraindo-a de quem a detém. É mis-
ter, portanto, que o detentor perca o poder de guarda
da coisa e a disponibilidade física da mesma. Assim,
o objeto da tutela penal é a posse, seja qual for a sua
origem, pouco importando que a ela se encontre reu-
nido o direito de propriedade ou qualquer outro direito.
2613 Obra citada V. 5.
1.2. “O furto majorado”
A pena do crime de furto será aumentada de um
terço, se o crime é praticado durante o repouso
noturno.
Para Masson,2614 o que o Código Penal tem em
mira, com maior punibilidade do furto noturno, é única
e exclusivamente assegurar a propriedade móvel
contra a maior precariedade de vigilância e defesa
durante o recolhimento das pessoas para o repouso
durante a noite. Critério estritamente objetivo.
Luiz Regis Prado e Cézar Roberto Bitencourt2615
estudando o dispositivo, em breve síntese, res sal-
tam três momentos importantes: a) a conduta
nãoqualicaodelito,masaumentaapena;b)
justica-seoaumentoporqueanoitefacilitaa
impunidade; c) refere-se a casa habitada.
1.2.1. O repouso noturno na jurisprudência
TJSC: “O repouso noturno previsto no § 1o do art.
155 do Código Penal não se identi ca com a noite e
sim com o tempo no qual a cidade ou local repousa.”2616
TAMG: “O critério para se aferir o repouso noturno é
variável e deve obedecer aos costumes locais relativ os
à hora na qual a população se recolhe e a em que
desperta para a vida cotidiana.”2617
TAPR: “Basta para caracterização especial do
repouso noturno que se aproveite o agente da
quietude e da oportunidade que as circunstâncias
do horário lhe propiciam para a prática do furto.”2618
2614 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Es-
pecial – vol 2. São Paulo: MÉTODO, 2016, 9ª edição, p.376.
2615 Obra citada.
2616 RT 423/449.
2617 RT 593/431.
2618 RT 537/371-2.
Capítulo 1
Furto (Art. 155)
Tratado Doutrinário de Direito Penal [17x24].indd 106908/02/2018 14:51:04
Francisco Dirceu Barros
1070
1071
Art. 155
Cuidado 1: Há divergência doutrinária sobre a
possibilidade de a majorante em estudo ser aplicada
no caso do furto qualicado (art. 155, § 4o). No entan-
to, em sede jurisprudencial, recentemente decidiu o
STJ que a causa de aumento de pena prevista no §
tanto na forma simples (caput) quanto na forma quali-
cada (§ 4º) do delito de furto.
De acordo com o STJ, não existe nenhuma
incompatibilidade entre a majorante prevista no §
1º e as qualicadoras do § 4º. São circunstâncias
diversas, que incidem em momentos diferentes da
aplicação da pena.
Além disso, recentemente o STJ considerou que
o § 1º do art. 155 poderia ser aplicado não apenas
para o caput, mas também as hipóteses do § 4º do
art. 155 (EREsp 842.425-RS). Isso signica que
a posição topográca do § 1º (vem antes do § 4º)
não é fator que impede a sua aplicação para as
situações de furto qualicado (§ 4º). (STJ. 6ª Turma.
HC 306.450-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, julgado em 4/12/2014 – Informativo de Juris-
prudência nº 554; STJ, 5ª Turma. AgRg no AREsp
741.482/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
julgado em 08/09/2015).
Reforçando o posicionamento esposado nas
decisões colacionadas, foi a decisão proferida pela
segunda turma do STF (HC 130952/MG, Rel. Min.
Dias Toffoli, julgado em 13/12/2016).
Cuidado 2: A doutrina e a jurisprudência majo-
ritária defendem a inaplicabilidade na majorante do
repouso noturno quando o furto é praticado em re-
sidência desabitada ou, se for habitada, na ocasião
do furto os moradores estão acordados. Diz Biten-
court:2619 “O acerto dessa orientação reside no fato
de que a majorante está diretamente ligada à ces-
sação ou afrouxamento da vigilância. Ora, em lugar
desabitado ou na ausência de moradores não pode
cessar ou diminuir algo que nem sequer existe.” E
ainda acrescenta o renomado autor: “Indubitavel-
mente, a majorante do repouso noturno é inaplicável
às hipóteses de furto qualicado, podendo, contu-
do, ser considerada na dosimetria da pena, como
circunstância do crime (art. 59).” Também sustenta
2619 BiTENCOurT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal –
Parte Especial. v. 2. 4. ed. São Paulo: Saraiva, p. 22.
essa posição Rogério Sanches,2620 exigindo local
habitado e com seus moradores repousando.
Já Masson2621 entende em sentido contrário.
Para o autor, a causa de aumento de pena inerente
ao repouso noturno não se relaciona, obrigatoria-
mente, com a circunstância de ser o furto cometido
em casa habitada, aduzindo que o Código Penal
sequer faz distinção se o crime é praticado intra ou
extra muros. O mesmo autor sustenta também que
não se exige que estejam as pessoas efetivamente
dormindo, e exemplica:
No caso no qual o furto é cometido em uma re-
sidência durante a madrugada, mas a vítima, com
insônia, assistia a um lme, deve incidir a causa de
aumento de pena.
É preciso alertar que há decisão do STJ admi-
tindo a majorante pelo furto em período noturno in-
dependentemente de os moradores estarem ou não
acordados. Neste sentido:
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal paci-
caram orientação no sentido de que não cabe habeas
corpus substitutivo do recurso legalmente previsto
para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da
impetração, salvo quando constatada a existência
de agrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2.
Para a conguração da circunstância majorante do §
1º do art. 155 do Código Penal basta que a conduta
delitiva tenha sido praticada durante o repouso notur-
no, dada a maior precariedade da vigilância e a defesa
do patrimônio durante tal período e, por consectário, a
maior probabilidade de êxito na empreitada criminosa,
sendo irrelevante o fato de uma das vítimas não
estar dormindo no momento do crime. 3. Habeas
corpus não conhecido. (STJ 5ªT HC 201501797775,
Rel. Ribeiro Dantas, DJe 03/05/2016)
Cuidado 3: Há decisão recente do STJ admitindo
esta majorante quando se tratar de estabelecimento
comercial. Neste sentido:
1. A majorante prevista no art. 155, § 1º, do Código
Penal incide na hipótese de furto praticado em esta-
belecimento comercial no período do repouso noturno,
2620 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte
Especial (arts. 121 ao 361). Salvador: Juspodivm, 2015, 7ª
edição, p.240.
2621 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte
Especial – vol 2. São Paulo: MÉTODO, 2016, 9ª edição,
p.377.
Tratado Doutrinário de Direito Penal [17x24].indd 107008/02/2018 14:51:05
Tratado Doutrinário de Direito Penal
1071
Art. 155
no qual há maior possibilidade de êxito na empreitada
criminosa em razão da menor vigilância do bem, mais
vulnerável à subtração. Precedentes. 2. Recurso espe-
cial provido. (STJ - REsp: 1193074 MG 2010/0084033-
3, Relatora: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, Data de Julgamento: 05/03/2013, T6 - SEXTA
TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2013)
POSIÇÃO DIVERGENTE
Registro a posição contrária, mas amplamente
minoritária, de Luiz Regis Prado:2622 “No caso em
epígrafe, é maior a gravidade do injusto, pelo acen-
tuado desvalor da ação, já que a circunstância do re-
pouso noturno propicia maior êxito à ação delituosa,
pelo desvigiamento da res.”
1.3. “Furto privilegiado”
Se o criminoso é primário, e é de pequeno va-
lor a coisa furtada, o Juiz pode substituir a pena de
reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois
terços, ou aplicar somente a pena de multa.
Luiz Regis Prado leciona que o valor reduzido
da coisa furtada propicia uma atenuação especial
da sanção, pois o diminuto desvalor do resultado,
aliado à primariedade do agente, acarreta uma gra-
duação do injusto para menor, possibilitando menor
reprovação ao agente. É direito subjetivo do réu o
reconhecimento do privilégio.2623
1.3.1. Os requisitos do furto privilegiado
São dois os requisitos do furto privilegiado:
• primariedade do agente ativo;
• res furtiva de pequeno valor.
Com relação à primariedade do agente, leciona
Bitencourt:2624
Anteriormente, “reincidente” e “primário” constituíam
denições excludentes: ou uma ou outra, tanto que se
adotava o seguinte conceito: “primário é o não reinci-
dente”. A partir da reforma penal referida, essa con-
cepção deixou de ser verdadeira, na medida em que
2622 Curso de Direito Penal brasileiro – Parte Especial. v. 2. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 371.
2623régiS PrADO, Luiz. Comentários ao Código Penal. 2. ed.
2003. p. 525.
2624 BiTENCOurT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal –
Parte Especial. v. 2. 4. ed. São Paulo: Saraiva, p. 23.
passaram a existir três, digamos, categorias: primário,
reincidente e não reincidentes. Com efeito, chama-se
primário quem nunca sofreu qualquer condenação ir-
recorrível; reincidente, quem praticou um crime após
o trânsito em julgado de decisão condenatória (em pri-
meiro ou segundo grau), enquanto não tenha decorrido
o prazo de cinco anos do cumprimento ou da extinção
da pena; não reincidente, como categoria, é aquele
que não é primário e tampouco ostenta a condição de
reincidente (essa é denição exclusiva para o Direito
brasileiro, sendo inaplicável, genericamente, às legis-
lações alienígenas). Não é reincidente, por exemplo,
quem comete o segundo ou terceiro crime antes do
trânsito em julgado de crime anterior; quem comete
novo crime após o decurso de cinco anos do cumpri-
mento de condenação anterior ou da extinção da puni-
bilidade, etc. Dessa forma, discordamos frontalmente
do conceito de primário concebido por Damásio de
Jesus, segundo o qual “criminoso primário (...) é o não
reincidente. Assim, entendemos que é primário não só
o sujeito que foi condenado ou está sendo condenado
pela primeira vez, como também aquele que tem vá-
rias condenações, não sendo reincidente.2625
Obs. 1: quanto à res furtiva de pequeno valor,
leia os casos criminais superinteressantes “o
pequeno valor e o privilégio” e “o privilégio e o
furtoqualicado”.
Obs. 2: leia a matéria “reincidência”, na Parte
Geral.
DUAS OBSERVAÇÕES PRÁTICAS
1- Furto privilegiado e devolução do bem
subtraído à vítima:
Para reconhecimento do crime de furto privile-
giado é indiferente que o bem furtado tenha sido
restituído à vítima, pois o critério legal para o reco-
nhecimento do privilégio é somente o pequeno va-
lor da coisa subtraída. HC 330156/SC, Rel. Minis-
tro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, Julgado em
03/11/2015, DJE 10/11/2015.
2- Furto privilegiado e aplicação da pena:
Reconhecido o privilégio no crime de furto, a -
xação de um dos benefícios do § 2º do art. 155 do
CP exige expressa fundamentação por parte do
magistrado. AgRg no AREsp 603353/MG, Rel. Mi-
nistro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, Julgado em
12/05/2015, DJE 19/05/2015.
2625
JESuS,
Damásio de. Direito Penal, cit., v. 2, p. 311.
Tratado Doutrinário de Direito Penal [17x24].indd 107108/02/2018 14:51:06
Para continuar a ler
Comece GrátisDesbloqueie o acesso completo com um teste gratuito de 7 dias
Transforme sua pesquisa jurídica com o vLex
-
Acesso completo à maior coleção de jurisprudência de common law em uma única plataforma
-
Gere resumos de casos com IA que destacam instantaneamente os principais pontos jurídicos
-
Funcionalidades de busca avançada com opções precisas de filtragem e ordenação
-
Conteúdo jurídico abrangente com documentos de mais de 100 jurisdições
-
Confiado por 2 milhões de profissionais, incluindo os principais escritórios de advocacia do mundo
-
Acesse pesquisas com tecnologia de IA usando o Vincent AI: consultas em linguagem natural com citações verificadas

Desbloqueie o acesso completo com um teste gratuito de 7 dias
Transforme sua pesquisa jurídica com o vLex
-
Acesso completo à maior coleção de jurisprudência de common law em uma única plataforma
-
Gere resumos de casos com IA que destacam instantaneamente os principais pontos jurídicos
-
Funcionalidades de busca avançada com opções precisas de filtragem e ordenação
-
Conteúdo jurídico abrangente com documentos de mais de 100 jurisdições
-
Confiado por 2 milhões de profissionais, incluindo os principais escritórios de advocacia do mundo
-
Acesse pesquisas com tecnologia de IA usando o Vincent AI: consultas em linguagem natural com citações verificadas

Desbloqueie o acesso completo com um teste gratuito de 7 dias
Transforme sua pesquisa jurídica com o vLex
-
Acesso completo à maior coleção de jurisprudência de common law em uma única plataforma
-
Gere resumos de casos com IA que destacam instantaneamente os principais pontos jurídicos
-
Funcionalidades de busca avançada com opções precisas de filtragem e ordenação
-
Conteúdo jurídico abrangente com documentos de mais de 100 jurisdições
-
Confiado por 2 milhões de profissionais, incluindo os principais escritórios de advocacia do mundo
-
Acesse pesquisas com tecnologia de IA usando o Vincent AI: consultas em linguagem natural com citações verificadas

Desbloqueie o acesso completo com um teste gratuito de 7 dias
Transforme sua pesquisa jurídica com o vLex
-
Acesso completo à maior coleção de jurisprudência de common law em uma única plataforma
-
Gere resumos de casos com IA que destacam instantaneamente os principais pontos jurídicos
-
Funcionalidades de busca avançada com opções precisas de filtragem e ordenação
-
Conteúdo jurídico abrangente com documentos de mais de 100 jurisdições
-
Confiado por 2 milhões de profissionais, incluindo os principais escritórios de advocacia do mundo
-
Acesse pesquisas com tecnologia de IA usando o Vincent AI: consultas em linguagem natural com citações verificadas

Desbloqueie o acesso completo com um teste gratuito de 7 dias
Transforme sua pesquisa jurídica com o vLex
-
Acesso completo à maior coleção de jurisprudência de common law em uma única plataforma
-
Gere resumos de casos com IA que destacam instantaneamente os principais pontos jurídicos
-
Funcionalidades de busca avançada com opções precisas de filtragem e ordenação
-
Conteúdo jurídico abrangente com documentos de mais de 100 jurisdições
-
Confiado por 2 milhões de profissionais, incluindo os principais escritórios de advocacia do mundo
-
Acesse pesquisas com tecnologia de IA usando o Vincent AI: consultas em linguagem natural com citações verificadas
