Gamificação no trabalho: o novo 'avatar' do direito do trabalho

AutorRosane Gauriau
CargoJurista. Pesquisadora. Doutora em Direito (summa cum laude) pela Université Paris 1, Sorbonne
Páginas42-71

GAMIFICAÇÃO NO TRABALHO: O NOVO “AVATAR” DO DIREITO
DO TRABALHO
GAMIFICATION AT WORK: THE NEW LABOR LAW “AVATAR”
Rosane Gauriau1
RESUMO: O escopo do artigo é introduzir uma discussão acerca da gamificação na organização do trabalho de
plataformas digitais de transportes urbanos (motoristas) e entregadores (ciclistas), a partir do Direito do
Trabalho, das Neuroc iências, Neuromarketing, da Sociologia, Psicologia e da Psicodinâmica do Trabalho. A
pesquisa se desenvolve a partir de investigação teórica bibliográfica e do método dedutivo indutivo. A tese
defendida é a que a gamificação, utilizando as ciências comportamenta is, pode contribuir para o aumento da
carga de trabalho configurando, assim, um risco psicossocial com possíveis repercussões sobre o direito à saúde
e segurança no trabalho, repouso, lazer e à vida privada do trabalhador. A primeir a parte do tex to apresenta os
aspectos positivos e negativos da gamificação no trabalho de plataformas digitais. Na segunda parte, discute-se
os efeitos da gamificação à luz do Direito do Tr abalho, e, particularmente, da Constituição Federal. Enfim, e sem
a pretensão de esgotar o assunto, pretende-se contribuir à uma reflexão sobre a gamificação que parece se inserir
não num projeto de sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Gamificação; Ciências Comportamentais; Plataformas Dig itais; Direito do Trabalho.
SUMÁRIO: Introdução. 1 Gamificação no trabalho de plataformas digitais. 1.1 Noções Fundamentais. 1.2
Aspectos Positivos. 1 .3 Aspectos Negativos. 1.3.1 Neurociências e Neuromarketing. 1.3.1.1 Gamificação e auto
aceleração. 1.3.2 Sociologia e Psicologia. 2 Efeitos da gamificação no trabalho de plataformas digitais à lu z do
Direito do Trabalho. 2.1 Gamificação e risco psicossocial: intensificação da carga de trabalho. 2.1.1 Gamificação
e Risco Psicossocial. 2.1.2 Gamifica ção e carga de trabalho. 2.2 Efeitos sobre a Direito à Saúde, Segurança,
Repouso, Lazer e Vida Privada. 2.2.1 Saúde. 2.2.2 Segurança no trabalho. 2.3 .3 Direito ao repouso, ao lazer e a
vida privada do trabalhador. Considerações Finais.
ABSTRACT: This article aims to discuss the impact o f gamif ication within the workflow of urban transport
digital platforms (dr ivers and riders), in the light of the Labor Law, Neurosciences, Neuromarketing, Socio logy,
Psychology and the Psychodynamic theory o f Work. I will start by explaining the meaning of "gamification" and
it's implementation in the workplace. For the first segment, I'll d emonstrate the positive and negative aspects of
gamification for a digital platform. Secondly, I'll examin e the gamification’s consequences considering the social
rights guaranteed by the Federal Constitution. In conclusion, I’ll present a critical analysis about gamification in
society that seems to be part of a global society's gamification project.
KEYWORDS: Gamification; Behavioral Sciences; Digital Platforms; Lab or Law.
SUMMARY: Introduction. 1 Gamification at wo rk on digital platforms. 1.1 Fundamental Notions. 1.2 Positive
Aspects. 1.3 Negative Aspects. 1.3.1 Neurosciences and Neuromarketing. 1.3.1.1 Gamification and auto
acceleration. 1.3.2 Sociology and Psychology. 2 Effects of gamification on the work of digital platforms in the
light of Labor Law. 2.1 Gamification and psychosocial risk: workload intensification. 2.1.1 Gamification and
Psychosocial Risk. 2.1.2 Gamification and workload. 2.2 Effects on the Right to Health, Safety, Rest, Leisure
and Private Life. 2.2.1 Health. 2.2.2 Safety at work. 2.3 .3 The worker's right to rest, leisure and private life. Final
considerations.
INTRODUÇÃO
Artigo enviado em: 26/11/2021.
Artigo aprovado em: 06/12/2021.
Jurista. Pesquisadora. Doutora em Direito ( summa cum laude) pela Université Par is 1- Sorbonne. Membre
associée du Centre Jean Bodin, Université d’Angers. Membre de l’Institut de Psychodyn amique du Travail.
Membre de l’Institut de Recherche Juridique de la Sorbonne.

As inovações científicas e tecnológicas proporcionadas pela Quarta Revolução
Industrial2 e sua capacidade ilimitada de aplicação em todas as áreas da vida humana,
particularmente nas dimensões digital, física, biológica e comportamental, transformaram e
continuam a transformar o trabalho e o mundo do trabalho.
O uso da inteligência artificial (mídias digitais, games, internet das coisas etc.), nela
compreendida a gamificação3, faz parte do quotidiano da organização do trabalho podendo
tanto contribuir para a melhoria das condições laborais quanto para o aumento da vigilância,
controle, supervisão do trabalhador, de seu ritmo e a carga de trabalho.
A questão não é mais saber quando as empresas vão utilizar esse conhecimento
científico e tecnológico, mas quando o farão e quais técnicas serão empregadas na
organização do trabalho.
Graças a uma convergência entre as ciências comportamentais4, sobretudo as
Neurociências, Neuromarketing, Sociologia5, Psicologia e Psicodinâmica do Trabalho6, as
empresas podem compreender melhor determinados fenômenos individuais, sociais, o agir e o
comportamento de seus trabalhadores.
As plataformas digitais ilustram esse uso da inteligência artificial e das ciências
comportamentais na organização do trabalho. O trabalho é organizado por meio de
algoritmos, técnicas do nudges7, gamificação8, a fim de orientar, medir e quantificar o
comportamento dos usuários e dos trabalhadores9, influenciá-los (a mudar seu
2 SCHWAB, Klaus. La Quatrième Révolution Industrielle. Dunod, 2017 .
3 Ao que parece, o termo “gamification” foi usado pela primeira vez em 2008, em um b log de Brett Terill.
Disponível em : http://www.bretterrill.com/2008/06/my-coverage-of-lobby-of-social-gaming.html. Acesso em: 5
fev. 2021.
4 Para os fins deste artigo, ciências comportame ntais, termo interdisciplinar, compreende as disciplinas como a
antropologia, psicologia, ciência cognitiva, teoria e comportamento organizacional, psicobiologia, economia
comportamental, sociologia.
5 Cf., principalmente, os trabalhos de S. Deterding; S. Le Lay; E.Savig nac.
6 Segundo os trabalhos de Christophe Dejours.
7 Sobre a noção de nudge: CHU, Ben. What is ‘ nudge theory’ and why should we care? Explaining Richard
Thaler’s Nobel economics prize-winning concept. Independent, 2017. Disponível em:
https://www.independent.co.uk/news/business/analysis-and-features/nudge-theory-richard-thaler-meaning-
explanation-what-is-it-nobel-economics-prize-winner-2017-a7990461 .html. Acesso em: 5 mai. 2021. THALER,
Richard H. et al. Governments are trying to nudge us into better behaviour: is it working? The Washington
Post, 2017. Disp onível em: https://www.washingtonpost.com/news/wonk/wp/2017/08/11/. Acesso em: 5 mai.
2021.
8 “Atualmente, o termo gamificação, derivado d o inglês game, vem sendo utilizado para nomear lógicas da
gestão do mundo do trabalho”. ABÍLIO, Ludmila. C. Uberização: Do emp reendedorismo para o
autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas, v.1, n. 3, p.1-1 1, 2019.
9 Para os fins deste artigo, os termos trabalhador e empregado serão utiliz ados como sinônimos.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT