A garantia do direito à negociação coletiva no serviço público pela organização internacional do trabalho

AutorStanley A. Gacek e Ana Virginia Moreira Gomes
Páginas15-25

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1. Introdução

A garantia da liberdade sindical e do direito à negociação coletiva constituem valores fundamentais do direito internacional do trabalho. Esse reconhecimento advém da história do próprio mérito e construção do direito do trabalho. As associações de trabalhadores tiveram um papel essencial no movimento pela proteção legal do trabalho que levou os Estados a regularem o trabalho e, no âmbito internacional, à criação da Organização Internacional do Trabalho - OIT no início do século XX. Esse protagonismo é reconhecido na própria Constituição da OIT, que em seu Preâmbulo garante o princípio da liberdade sindical. Ademais, a atuação dos trabalhadores por meio de suas organizações moldou a própria ideia do direito do trabalho como um ramo do direito que garante a justiça das condições de trabalho e a autonomia dos trabalhadores mediante normas autônomas e heterônomas no objetivo último de assegurar a dignidade do trabalhador. Nesse sentido, a autonomia e a liberdade dos trabalhadores e a democracia nas relações de trabalho constituem valores tão importantes quanto a proteção do trabalhador. A liberdade sindical e o direito à negociação coletiva garantem a concretização desses valores fundamentais.

Enquanto há um elevado grau de consenso, político e teórico, acerca da importância desses valores nas relações de trabalho privadas, os trabalhadores no serviço público enfrentam importantes obstáculos não só para a efetivação da liberdade sindical e do direito à negociação coletiva, mas também no que concerne ao reconhecimento desses direitos nos ordenamentos nacionais.

O objetivo deste estudo é o de refletir acerca da garantia do direito à negociação coletiva aos servidores públicos no direito internacional do trabalho a partir do exame do ordenamento da OIT acerca do tema. A seção 1 considera a liberdade sindical como liberdade fundamental garantida em tratados e declarações inter-nacionais. A seguir, o artigo analisa a trajetória norma-tiva da OIT em direção ao reconhecimento dos direitos sindicais dos trabalhadores e trabalhadoras do setor público, desenvolvendo uma leitura conjunta das Convenções ns. 154 e 151. Em seguida, este estudo examina a posição do Comitê de Peritos sobre a Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT no que concerne aos valores da negociação coletiva no serviço público. A seção 5 examina as observações mais recentes do sistema de controle normativo da OIT em relação ao Brasil e a negociação coletiva no setor público.

2. A liberdade sindical como liberdade fundamental

A posição de destaque que os direitos sindicais ocupam no ordenamento da OIT não é somente resultado do envolvimento do movimento sindical na defesa pela criação de uma legislação trabalhista internacional. A luta pela liberdade sindical começou muito antes do nascimento da organização. "Em pouco mais de um

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século, a sindicalização passou de um ilícito penal a direito fundamental dos trabalhadores e empregadores, consagrado por um tratado da hierarquia do que selou a paz no Palácio de Versailles", resume Arnaldo Süsse-kind (1987, p. 360).

Mesmo o sindicalismo sendo considerado um ilícito penal, na França - em consequência da Revolução Francesa, que visava, assim, proteger a liberdade individual - na Inglaterra e nos Estados Unidos, esse se desenvolveu em todos os países industrializados (OLEA, 1997, p. 390-392). Até que, em 1824, o Parlamento Britânico revogou a proibição de coalizões. Duas decisões marcantes nesse sentido ocorreram em 1842, quando a corte de Massachusetts, nos Estados Unidos, reconheceu a licitude do sindicalismo, conforme os meios utilizados (Estados Unidos, 1842); e em 1871, na Inglaterra, tendo sido o direito de sindicalização, pela primeira vez, regulamentado. Essa força, demonstrada pelo movimento sindical, se revelou, também, na defesa de uma legislação trabalhista internacional, pois os trabalhadores perceberam que, em lugares diferentes, enfrentavam as mesmas dificuldades.

No preâmbulo da Constituição da OIT, estão arroladas as matérias que necessitavam um plano de ação urgente, entre elas, ressalta-se o direito de associação dos empregadores e trabalhadores. Cumpre-nos ressaltar, ainda, a Declaração de Filadélfia, que teve como objetivo preparar a ação da OIT diante das novas questões surgidas com a Segunda Guerra Mundial. A Declaração, que foi incorporada à Constituição da OIT, ampliou o campo de ação da organização, revelando a ligação existente entre os problemas trabalhistas, sociais, econômicos e financeiros. Foi, ainda, reafirmado como um dos seus princípios fundamentais que "a liberdade de expressão e de associação é essencial para o progresso constante" (OIT, 1944).

O papel exercido pelo movimento sindical foi imprescindível para o nascimento de uma legislação inter-nacional, e, inclusive, influenciou a estrutura tripartite, traço marcante da OIT. Nessa perspectiva, é que se vislumbra a importância atribuída à liberdade de sindicalização na OIT, hoje, não mais somente como um direito do trabalhador, mas, como parte integrante dos direitos humanos fundamentais (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

Como liberdade fundamental, a liberdade sindical encontra-se assegurada tanto em tratados de conteúdo laboral quanto em normas internacionais de abrangência geral. Neste segundo aspecto, destaca-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, assegurando que: "toda pessoa tem direito de fundar, com outras, sindicatos e de filiar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses" (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948); e o Pacto de Direitos Civis e Políticos, declarando que "toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de constituir sindicatos e de a eles filiar-se, para proteção de seus interesses" (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1966).1 Em referência expressa à Convenção n. 87 da OIT, o Pacto determina, no item 3 do art. 22, que nenhuma de suas disposições "permitirá que os Estados-partes na Convenção de 1948 da Organização Internacional do trabalho, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que restrinjam - ou a aplicar a lei de maneira a restringir - as garantias previstas na referida Convenção", indicando a importância da norma da OIT. A relação existente entre a liberdade sindical e as liberdades fundamentais do homem é reconhecida na própria OIT: "la libertad de asociación profesional no es más que un aspecto de la libertad de asociación en general que debe integrarse en un vasto conjunto de libertades fundamentales del hombre, interdependientes y complementarias unas de otras" (OIT, 1994, p. 14). Essa interdependência revela a liberdade sindical como uma das expressões da liberdade de associação, conforme reconhece a resolução de 1970, da OIT, sobre direitos sindicais e sua relação com as liberdades civis, arrolando as liberdades fundamentais para o exercício da liberdade sindical2:

· O direito à liberdade e à segurança da pessoa e à proteção contra a detenção e a prisão arbitrária;

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· A liberdade de opinião e expressão e, em particular, de sustentar opiniões sem ser molestado e de investigar e receber informação e opiniões, e difundi-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão;

· O direito de reunião;

· O direito a processo regular por tribunais independentes e imparciais;

· O direito à proteção da propriedade das organizações sindicais (OIT, 1992, p. 7).

A liberdade sindical, no entanto, além de pertencer ao rol das liberdades fundamentais do homem, possui uma dimensão essencial na regulação das relações de trabalho, ao garantir aos próprios atores sociais o poder de estabelecer as condições nas quais essas relações irão se desenvolver. Daí advém sua importância e, também, os obstáculos para seu total reconhecimento. É diante dessa especificidade, própria do contexto trabalhista, que as normas da OIT garantem de forma mais detalhada o princípio da liberdade sindical e adquirem ainda maior significado; vale destacar, outrossim, que a Declaração Universal dos Direitos do Homem expressa princípios universais do direito internacional, e as convenções da OIT, além dessa função, são suscetíveis de ratificação pelos Estados membros da Organização.

3. Trajetória normativa da oit na proteção ao direitos sindicais

Desde sua criação, em 1919, a OIT afirmou a liber-dade sindical como princípio fundamental do direito internacional do trabalho no Preâmbulo de sua Constituição. Em 1921, foi aprovada a Convenção n. 21, estabelecendo que os trabalhadores agrícolas possuem o mesmo direito de associação dos trabalhadores industriais. Essa foi a primeira convenção que tratou do direito de sindicalização. No entanto, somente em 1948, foi aprovada a Convenção n. 87, pioneira na regulamentação da liberdade sindical garantida para todos os trabalhadores e sindicatos. Atualmente, são várias as convenções sobre direito sindical, como a Convenção n. 98, que trata de sindicalização e negociação coletiva; a Convenção n. 141, sobre o direito de sindicalização dos trabalhadores rurais; e a Convenção n. 151, acerca do direito de sindicalização e negociação coletiva dos servidores públicos, entre muitas outras. Destaca-se, ainda, algumas das recomendações e resoluções aprovadas pela OIT sobre direitos coletivos: a Recomendação n. 91 de 29.06.1951, sobre acordos coletivos do trabalho, e a Resolução sobre a...

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