Garantia de Participação Efetiva

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito Processual. Professora Adjunta de Processo do Trabalho e Prática Processual Trabalhista na UERJ
Páginas245-283

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1.1. Acordo semântico — a garantia de participação como contraditório e devido processo legal

Havendo um tribunal competente, acessível e imparcial, mister que as partes possam influir eficazmente na produção da decisão à qual serão submetidas. Esta garantia necessária para a justiça do processo pode ser enunciada como princípio do contraditório ou do devido processo legal811.

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O núcleo da marcha dialética corresponde ao direito de ambas as partes a, em condições de igualdade812813, dialogarem com o juiz e se defenderem provando, ou seja, propriamente à garantia de participação e de potencial influência decisória. Alguns textos normativos bem como a própria doutrina, por vezes, se referem a tal garantia como ampla defesa, devido processo legal ou contraditório.

Em verdade, o princípio do devido processo legal, na concepção anglo-saxônica, é sinônimo de contraditório, na compreensão mais voltada para os sistemas derivados do direito romano.

Via de regra, na doutrina nacional, quando se fala em elementos ou caracteres do devido processo legal, normalmente, se aborda o enfoque procedimental, realçando e incluindo em seu corpo os princípios da ampla defesa e do contraditório. Essa é a posição de Nery Junior quando enumera as garantias oriundas da cláusula do devido processo legal no Direito brasileiro, a saber:

a) direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; b) direito a um rápido e público julgamento; c) direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais;
d) direito ao procedimento contraditório; e) direito de não ser processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto; f) direito à plena igualdade entre acusação e defesa; g) direito contra medidas ilegais de busca e apreensão; h) direito de não ser acusado nem condenado com base em provas ilegalmente obtidas;

i) direito à assistência judiciária, inclusive gratuita; j) privilégio contra a auto incriminação.814

Lauria Tucci, ao versar sobre o tema, aduz que a cláusula do devido processo legal “impõe assegurar a todos os membros da coletividade o livre acesso ao juiz natural, com o direito de participar em contraditório e com igualdade de condições, institucionalizando-se os mecanismos de controle e exatidão do desfecho do processo”815.

Na jurisprudência, entre as decisões que melhor expõem o tema, impende citar o julgamento do histórico mandado de segurança que envolvia as questões procedimentais relativas ao Impeachment do ex-presidente Fernando Affonso Collor de Melo816, em que o Min. Relator Carlos Velloso afirmou que “[o] due process of law, em termos processuais, ou como garantia processual abrange (...) o juiz natural, o contraditório e o procedimento regular, assentando-se este em regras preestabelecidas, normas preestabelecidas, normas razoáveis”. No mesmo voto, o Min. Velloso explicita melhor os elementos do devido processo legal como: (i) garantia do juiz natural (o juiz legal, o juiz imparcial, o juiz com garantias de independência);
(ii) contraditório, assentado no princípio da igualdade, compreendendo os direitos de defesa e suas implicações (cientificação do processo, contestação, produção de prova e duplo grau de jurisdição); (iii) procedimento regular, assentado em regras preestabelecidas, com formalidades puramente essenciais817.

Não há dúvidas de que o devido processo legal procedi-mental deve assegurar as garantias elencadas, que traduzem a manifestação essencial da Democracia, pressupondo controle e previsibilidade. Diz-se que o procedimento regular inserido

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no devido processo legal deve estar assentado em regras preestabelecidas, motivo pelo qual o STF não admite violação direta ao princípio do devido processo legal. A Corte considera a violação ao dito princípio apenas de forma reflexa, uma vez pressupor a existência de regras criadas previamente no escopo de viabilizar a garantia818.

Para fins meramente didáticos e melhor possibilidade de organização, neste trabalho tomaremos a garantia de participação processual como sinônimo dos princípios do devido processo legal e do contraditório, não obstante termos a convicção de o segundo estar dentro do primeiro819. De qualquer forma, ambos são centrais à ideia de ataque e defesa vivenciadas propriamente após a superação de obstáculos relacionados aos eventuais limites da jurisdição e de acesso à mesma. Faremos uma breve apresentação em separado de ambos os direitos processuais fundamentais, para, na avaliação do processo trabalhista, tratarmos os mesmos em conjunto.

1.2. O princípio do contraditório
1.2.1. Histórico da garantia do contraditório

A garantia do contraditório deriva dos direitos naturais e costumeiramente é apontada pela literatura Europeia como princípio de razão natural imanente ao processo.

No primeiro período do processo comum europeu, o contraditório tinha um conteúdo ético importante, revelando-se em mecanismo próprio de busca da verdade e compensação de forças entre os litigantes.

Picardi defende, neste aspecto, que a transição do originário processo comum, pertinente à tradição italiana dos séculos XIII ao XV, para o sistema jurídico conhecido na Prússia, representou a passagem de uma ordem isonômica (ordine isonomico) para uma ordem assimétrica (ordine assimmetrico), com a decorrente redução do atual conceito correspondente ao princípio do contraditório, de fundamento ético e jus natural do processo, para uma óptica mecânica de contraposição de teses consubstanciada no mero dizer e contradizer. Todavia, a bem da verdade, a suposta ordem isonômica do processo comum europeu não tinha caráter geral e tampouco refletia um direito individual, já que contextualizada na perspectiva estamental da sociedade da época. Em outras palavras, o processo constituía um privilégio de determinada casta social820.

De qualquer forma, é no fim do século XIX que se constata o exaurimento da função axiológica do contraditório e mesmo de qualquer referência do princípio com o direito natural, ou seja, o contraditório veio a perder sua importância ético-ideológica, passando a desempenhar papel secundário, o que, certamente, representou desgaste no liame com a essência do fenômeno processual821. Este desvio de paradigma tem correlação com a paralela transição do liberalismo processual para o chamado processo social.

Os movimentos reformistas do sistema processual iniciados a partir do final do século XIX passam a refletir tendência de transição do processo liberal, escrito e dominado pelas partes, para um processo que segue as perspectivas da oralidade822 e do princípio autoritário, com o decorrente delineamento de um ativismo judicial no trâmite processual, bem retratada na Ordenança Processual Civil austríaca de 1895, de Franz Klein,

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trabalho em que nitidamente o processo passou a ser visto como instituição estatal de bem-estar social.

Este vertiginoso aumento dos poderes judiciais no controle e na iniciativa de atos processuais chegou a sugerir, nos anos 1930 do século passado, que a falta do contraditório e a falta da cooperação das partes não impediriam a obtenção de uma decisão justa823.

Informa Humberto Theodoro Junior que determinada corrente doutrinária ligada à concepção autoritária da Alemanha nacional-socialista chegou ao extremismo de defender a supressão do contraditório no processo civil e a absorção do processo de partes no procedimento oficioso de jurisdição voluntária824.

No segundo Pós-Guerra, com a festejada constitucionalização das garantias processuais e o interesse democrático pela colaboração das partes no processo, o conteúdo do princípio do contraditório volta à ascensão na compreensão processual, máxime consubstanciado por cláusulas constitucionais garantidoras de defesa e isonomia.

1.2.2. O direito processual fundamental ao contraditório

Na lembrança de Guilherme Luis Quaresma, “antigo brocardo oriundo da Alemanha medieval dizia que ‘a alegação de um homem não é alegação alguma; o juiz deve ambas as partes ouvir’ (eines Mannes Red ist Keine Red; der Richter soll die Deel verhoeren beed), de modo que deve o julgador ouvir e considerar os argumentos e contra-argumentos trazidos pelas partes litigantes com o intuito de colaborar na formação de seu convencimento acerca dos fatos e do direito em jogo”825.

A advertência ilustra o princípio do...

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