Meio ambiente do trabalho: garantia constitucional fundamental de efetivação de direitos individuais, coletivos e sociais fundamentais

AutorJorsinei Dourado do Nascimento
CargoProcurador do Trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho da 11ª Região
Páginas173-187

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Introdução

Ao longo dos últimos sete anos, quando passei a atuar na seara trabalhista, tenho percebido que, a cada ano, as demandas no âmbito da Justiça do Trabalho não objetivam mais a tutelar tão somente direitos individuais dos trabalhadores, como pagamento de salário, verbas rescisórias, horas extras, aviso-prévio, entre outros. Atualmente, essas demandas passaram a ter um nível de complexidade muito maior, principalmente, após a Emenda Constitucional n. 45/2004, que conferiu à Justiça do Trabalho a competência para julgar as ações de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidentes do trabalho.

Outro fator que tem elevado o nível dessas demandas tem sido a atuação responsável, firme e efetiva do Ministério Público do Trabalho, na defesa de interesses e direitos difusos que visam a proporcionar ao trabalhador condições de trabalho adequadas, sadias, enfim, dignas.

Essa realidade pode ser constatada pelo número de ações trabalhistas que tramitam perante a Justiça do Trabalho brasileira, na qual o meio ambiente do trabalho tem sido, ao mesmo tempo, alvo de ataques por aqueles que pretendem demonstrar a responsabilidade do empregador, enquanto este procura afastá-la, sob a alegação de ter adotado todas as medidas legais de higiene, segurança e medicina em seu estabelecimento.

Como se observa, o meio ambiente do trabalho constitui-se no ponto de partida de todas essas questões, cujos impactos vão além dos milhares de processos que se avolumam na Justiça do Trabalho brasileira, produzindo efeitos sociais negativos, mormente à Previdência Social, à saúde pública e à vida de empregados e empregadores.

É justamente sobre esse espaço, onde laboram os trabalhadores em geral, que este estudo objetiva analisar. Um estudo, à luz da Constituição Federal, acerca da natureza jurídica do meio ambiente do trabalho, a partir da distinção “barbosiana” entre direitos e garantias fundamentais.

1. Meio ambiente do trabalho: uma figura jurídica constitucional

Não se pode olvidar que o meio ambiente tem, hoje, um tratamento especial em nossa Carta Magna (art. 225), diferentemente das anteriores, que com ele nunca se preocuparam.

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Segundo Édis Milaré1, a Constituição Federal de 1988 constitui- -se no: marco histórico de inegável valor, dado que as Constituições que precederam a de 1988 jamais se preocuparam da proteção do meio ambiente de forma específica e global. Nelas sequer uma vez foi empregada a expressão “meio ambiente”, a revelar total despreocupação como o próprio espaço em que vivemos.

De acordo com o art. 225, caput, da Constituição Federal de 1988:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A partir do texto constitucional, percebe-se, em razão dos termos “ecologicamente” e “bem de uso comum do povo”, que o Constituinte Originário, nesse dispositivo, trata do meio ambiente natural, ou seja, aquele que tem como foco a proteção e a preservação da fauna, da flora, do patrimônio genético e de toda a biodiversidade natural.

Em razão disso, vem à tona a seguinte questão: Afinal, se a Constituição Federal trata do meio ambiente natural, donde se pode concluir que o meio ambiente do trabalho existe juridicamente?

A resposta é extraída do art. 200, VIII, da própria Constituição Federal, que estabelece que, “ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (…) colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.

Com efeito, não existem, atualmente, dúvidas acerca da existência jurídica da figura conhecida como meio ambiente do trabalho, erigida, inclusive, ao status constitucional.

Aliás, o Estado brasileiro, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, já reconhecia a importância do meio ambiente do trabalho, tanto que ratificou convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho — OIT sobre o tema, tais como: a Convenção n. 155/1981 e a Convenção n. 148/1977.

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2. Meio ambiente de trabalho: conceito

Muitos doutrinadores têm definido o meio ambiente do trabalho como sendo um espaço, no qual o empresário desenvolve sua atividade produtiva e o trabalhador emprega sua força de trabalho.

Para João Manoel Grott2, entende-se meio ambiente do trabalho como um conjunto de fatores físicos, climáticos ou de quaisquer outros que, interligados, ou não, estão presentes e envolvem o local de trabalho do indivíduo. (...). Também pode-se afirmar que o meio ambiente, de forma que deve ser considerado como bem a ser protegido pelas legislações para que o trabalhador possa usufruir de uma melhor qualidade de vida.

José Afonso da Silva3, por sua vez, considera-o como sendo o local onde se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso, em íntima dependência da qualidade daquele ambiente.

Segundo Celso Antônio Pacheco Fiorillo4, o meio ambiente do trabalho é o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos, etc.).

Para Rodolfo de Camargo Mancuso5, o meio ambiente do trabalho conceitua-se habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com o ecossistema.

De acordo com Amauri Mascaro6, meio ambiente de trabalho é, exatamente, o complexo máquina-trabalho.

Como se observa, muitos dos conceitos acima definem o meio ambiente do trabalho como o local onde os trabalhadores desenvolvem suas atividades laborais, associando-o à ideia de qualidade de vida.

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Penso que o meio ambiente do trabalho, em síntese, deva ser compreendido como o espaço no qual a atividade econômica deva se desenvolver de maneira segura e saudável aos trabalhadores que a ela empregam sua força de trabalho.

Tal inferência busca conciliar a previsão contida no art. 225 da Constituição Federal e a peculiaridade existente na relação do trabalho, que tem no trabalhador o seu ponto central. É justamente essa característica peculiar que distingue o meio ambiente do trabalho do meio ambiente natural, já que naquele o que se procura proteger imediatamente é o ser humano, enquanto que, neste, é a fauna, a flora, a biodiversidade, visando a preservá-las às presentes e futuras gerações.

3. Meio ambiente do trabalho: manifestação do princípio da dignidade da pessoa humana

Quando se assevera que o ser humano constitui elemento fundamental do meio ambiente do trabalho, o que se quer afirmar é que esse espaço deve proporcionar ao trabalhador, nele inserido, condições de trabalho adequadas, seguras, saudáveis, hígidas, enfim que garanta a incolumidade física, mental e psicológica do ser humano.

A própria Constituição Federal, em seu art. 225, impõe que o meio ambiente seja essencial à sadia qualidade de vida. Essa característica, na verdade, é reflexo da irradiação do princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1º, III, da própria Carta Magna, que, segundo Alexandre de Moraes7, deve ser compreendido como:

...um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo o estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (destaque não consta do original)

Em razão da força normativa e impositiva do princípio da dignidade da pessoa humana (visão neoconstitucionalista), o meio ambiente do trabalho deve voltar-se à proteção do homem, como ser dotado de vida, de saúde, de liberdade (em todas as suas expressões) e de personalidade.

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Grande parte desses direitos do homem está prevista ao longo dos arts. e da Constituição Federal e, mais precisamente, em favor do trabalhador, no art. 7º, que prevê como direitos dos trabalhadores, urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII).

Mauricio Godinho Delgado8 salienta que o trabalhador como pessoa humana tem direito à saúde...

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