GATS – O acordo sobre serviços da OMC

AutorPaula Santos de Abreu
Páginas502-525

Paula Santos de Abreu. Advogada. Pós-graduada em marketing pelo COPPEAD – UFRJ. Mestranda do Programa de Mestrado em Direito, área de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. paula.abreu@aspectworld.com

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Introdução

A prestação de serviços representa atualmente, uma contribuição vital para todas a atividades econômicas. A globalização do comércio de mercadorias levou à expansão paralela do comércio de serviços, já que depende deste para viabilizar sua própria existência. Serviços financeiros, de transporte, telecomunicações e muitos outros, estão intimamente ligados ao comércio de mercadorias1 e em algumas economias, o comércio de serviços já superou o comércio de bens.

De acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC)2, hoje o comércio de serviços representa 60% da produção global, 30% da geração de empregos e 20% do comércio global. As exportações de serviços, segundo números do GATT3 em 1991, chegam a 890 milhões de dólares, concentrando-se em sua maioria nos países desenvolvidos, já que 70% destas exportações são feitas pela América do Norte e Europa Ocidental (contra 62% para as mercadorias)4.

Neste sentido, os países desenvolvidos viram alternativas para ampliar suas oportunidades comerciais, oferecendo serviços onde, tecnologicamente, são mais competitivos, tais como: telecomunicações, serviços financeiros, engenharia, dentre outros. Por outro lado, os países em desenvolvimento têm investido em outras áreas onde suas indústrias podem oferecer maior competitividade, como turismo e construção.

No entanto, a forma de prestação dos serviços poderia inviabilizar esta expansão, daí a grande necessidade de liberalização e regulamentação internacional, até para que também o comércio de mercadorias possa crescer.

O objetivo deste trabalho é justamente analisar os motivos e conseqüências da liberalização dos serviços através do GATS5, o primeiro acordo multilateral envolvendo serviços no âmbito da OMC, além de seu desenvolvimento.

Na primeira parte, faremos uma descrição histórica do acordo, partindo, então, para aPage 504 conceituação de serviços e sua classificação que serão abordadas na segunda parte, dada a importância deste item para o entendimento da complexidade do assunto. A terceira parte é dedicada à análise das barreiras criadas pelos governos a fim de protegerem suas indústrias. O acordo em si será analisado na quarta parte. Por fim, discutiremos os setores mais atingidos e o futuro das negociações.

1. Histórico

Até a década de 90, não se falava em acordo sobre serviços. Todas as disposições existentes eram de natureza setorial e visavam apenas a elaboração de normas técnicas ou regras que viessem a facilitar os negócios internacionais6. Apenas alguns setores de serviços como finanças e transporte marítimo eram abertos como complemento ao comércio de mercadorias. Outros setores como hotelaria, restaurantes e serviços pessoais sempre foram considerados atividades domésticas que não precisavam de regulamentação. Outros segmentos da economia de serviços, desde telecomunicações a redes ferroviárias, eram para alguns governos, de seu domínio e controle exclusivo, dadas sua importância e relevância econômica e social, portanto não carecendo de políticas internacionais de controle7.

Por este motivo, os governos protegiam suas indústrias através de regulamentos nacionais8 sobre o investimento e regras sobre a participação de serviços estrangeiros na economia doméstica. O comércio internacional era até então, visto como comércio de produtos, tangíveis, visíveis e transportáveis entre fronteiras9.

Com a difusão da internet e a redução das distâncias devido à tecnologia, a prestação de serviços foi extremamente facilitada e percebeu-se a magnitude do volume deste comércio. A necessidade de eliminar as barreiras para o comércio de serviços se tornou cada vez maior e o conceito de comércio internacional foi ampliado pela inclusão de discussões sobre o tema.

A primeira mudança na visão de comércio internacional se deu quando o Trade Act de 1974 nos Estados Unidos passou a incluir o comércio de serviços em toda interpretação que se referisse àPage 505 “comércio exterior”.10 Isso porque alguns setores manufatureiros nos EUA perdiam mercados, tanto internos quanto externos, devido à baixa competitividade de suas mercadorias, enquanto seu setor de serviços se mantinha forte e competitivo, especialmente na área de finanças e telecomunicações.11

Sendo assim, a necessidade de um acordo sobre serviços passou a ser uma emergência e os Estados Unidos começaram a pressionar para que a Rodada do Uruguai abordasse o assunto.12

No início das negociações, os países em desenvolvimento, especialmente Brasil e Índia13, se opuseram ao acordo, pois, acreditavam que perderiam competitividade para as companhias americanas em alguns setores, alegando vários motivos: que a inclusão do tema desviaria a atenção para resolução de outros problemas do comércio de bens; que os países em desenvolvimento seriam obrigados a comprar tecnologia não necessárias às suas realidades14; que faltavam informações sobre as barreiras para o comércio de serviços e que deveriam dar suporte às indústrias locais antes da liberalização15.

No entanto, terminaram por perceber que poderiam se sobrepor onde a prestação de serviços estivesse relacionada à mão de obra mais barata, como na produção de softwares pela Índia, serviços financeiros e administrativos pela África do Sul aos vizinhos africanos16, dentre outros. Além disso, poderiam também se beneficiar da cadeia de produção de serviços, operando a parte da mão de obra desta cadeia. Egito, Chile e Filipinas aumentaram substancialmente o saldo de suas exportações devido ao aumento do comércio internacional de serviços17. No Brasil, os serviços em 1992 representavam mais de 57% do PIB brasileiro, apesar de representar apenas cerca de 10% das exportações18. Os países membros perceberam que o ganho do acesso aos mercados internacionais poderia ser substancialmente maior que o custo na mudança de regulamentos domésticos.

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Embora o discurso dos EUA fosse de que o acordo deveria ser abrangente a todos os setores de serviços, sendo apoiado por alguns países da OCED19, como os da UE, até mesmo Cingapura, a definição de serviços acabou por focar as negociações nos setores mais interessantes aos EUA e países desenvolvidos (transações cross border)20, excluindo a liberalização dos movimentos que relacionavam trabalho onde os países em desenvolvimento poderiam ter alguma vantagem competitiva. Além disso, os EUA não queriam apenas estender o princípio do Tratamento Nacional para o campo dos serviços, mas pressionaram para que mudanças nas legislações domésticas fossem efetuadas para permitir acesso aos mercados às empresas estrangeiras21.

Após vários impasses, a negociação chegou ao estabelecimento de um molde para determinados setores se baseando em compromissos aos quais os países se comprometeriam na medida de seus interesses, além de que o princípio do tratamento nacional seria especificamente setorial. Os EUA insistiam em excluir o setor de serviços marítimos do acordo e aprovar a abertura de acordos bilaterais onde não se aplicaria o princípio da nação mais favorecida (NMF). Isto porque alguns fornecedores americanos estavam visivelmente preocupados em terem de competir dentro de seu próprio mercado e alegavam que outros países não abririam seus mercados suficientemente para compensar a abertura de seu próprio. Para que a Rodada pudesse finalmente ser fechada no prazo estipulado, foi necessário acordar que os EUA poderiam excluir o princípio NMF para todos os membros, após um período de seis meses, caso um acordo multilateral não fosse alcançado22.

Acordaram também que o tema sobre a liberalização dos serviços deveria ser discutido na Rodada do Uruguai, mas em um acordo diferente denominado GATS (General Agreement on Trade in Services). O GATS então foi o primeiro instrumento de aplicação multilateral e universal no que tange países e setores de serviços respectivamente. No âmbito da OMC, porém, foi um dos acordos mais polêmicos e com resultados menos significativos.

Em resumo, o GATS regula os tipos de medida que a OMC deve aplicar para o comércio de serviços referente à não discriminação (tratamento NMF), transparência, e regulamentação doméstica. Por ser apenas um modelo, são os próprios membros que decidem o setor de serviços que querem liberalizar, em qual extensão e as suas condições23. Analisaremos o acordo mais detalhadamente adiante.

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A Rodada do Uruguai marcou o início das negociações sobre o comércio de serviços, mas ainda é preciso que seja criado um novo sistema de regras para a liberalização dos serviços. Conseqüentemente, foi lançada uma nova rodada para discussão do tema em janeiro de 2000 – a Rodada de Doha. Nesta fase, não se discutiam mais “se” haveria uma liberalização para o comércio de serviços, mas “como” isso poderia ser efetivado.

Em novembro de 2001, a Conferência Ministerial de Doha concordou em abordar uma agenda mais abrangente, a ser concluída em janeiro de 2005. As negociações irão discutir os acordos de agricultura, serviços, assuntos relativos a acesso aos mercados, regras da OMC, comércio e meio ambiente, dentre outros, formando parte do single undertaking24, isto é, o acordo é obrigatório na totalidade, não podendo ser tomado por partes.

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