Normatização da utilização da informação genética

AutorRoberto Camilo Leles Viana
Ocupação do AutorAdvogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho
Páginas49-70

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6.1. Previsão legislativa sobre a utilização da informação genética no âmbito laboral

De uma maneira geral, sempre foi prática corrente as entidades patronais exigirem que o candidato a emprego ou o trabalhador empregado se submetesse a exames médicos para averiguar se reúne as condições físicas necessárias para o posto de trabalho. Contudo, a especificidade da análise do genoma humano per mite não só diagnosticar o estado de saúde atual, como também prever a saúde futura, com as consequências que daí poderão advir. A decisão final do emprega dor terá por base, não uma incapacidade presente, mas uma mera predição de doenças futuras.

Qualquer legislação laboral relativa ao acesso ao genoma humano poderá sempre optar por uma de entre três posições distintas. A primeira, sustenta que o genoma humano é algo estritamente privado e, como tal, só deve ser usado em benefício próprio. A segunda, diametralmente oposta, defende que os elementos obtidos sobre o genoma humano pertencem à sociedade como um todo, podendo ser usados em benefício desta. Já a terceira, propõe uma posição eclética, sem radicalismos, considerando os dois interesses146.

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Tendo em vista as possíveis orientações legislativas, parte se para a verifica ção e análise dos diplomas normativos internacionais e nacionais sobre a utilização da informação genética.

6.1.1. Quadro Normativo Internacional

Assim como a ciência genética evoluiu, os textos jurídicos também acom panharam, dentro do possível, essa trajetória, visto que a pesquisa médica traz novidades muitas vezes acima da capacidade legislativa de qualquer organismo in ternacional ou poder legislativo de um país. No contexto internacional, tratados e declarações e outros instrumentos normativos tentam dar o rumo, principalmente ético, para a nacionalização de princípios e normas que regulamentam a aplicação das descobertas genéticas.

São vários os diplomas legislativos que dão fundamentação ao direito à in timidade genética e proíbem a discriminação em função do patrimônio genético. Faz se, assim, uma análise cronológica dos principais documentos que tratam do assunto.

A Resolução sobre os Problemas Éticos e Jurídicos da Manipulação Genética, adotada pelo Parlamento Europeu em 16 de março de 1989, prevê que deve ser proibida juridicamente a seleção de trabalhadores com base em critérios genéti cos, e solicita que os exames genéticos de trabalhadores não sejam permitidos antes da sua contratação e só devam ser efetuados com carácter voluntário, acres centando se ainda que apenas os interessados devem ter acesso aos resultados desses exames, e as violações, punidas penalmente147.

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Na mesma linha, em recomendação de 1991, o Comitê de Ética Francês proibiu que terceiros, em especial seguradoras e empregadores, tivessem acesso a registro de informações genéticas dos segurados ou trabalhadores148.

A seguir, a Reunião Internacional sobre Direito ante o Projeto Genoma Huma no deu origem à Declaração de Bilbao de 1993, a qual fixou as seguintes premissas: a intimidade pessoal genética é patrimônio de cada pessoa e a impossibilidade de utilização de dados genéticos que originem qualquer discriminação no âmbito la boral, de seguro ou qualquer outro149.

A Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, de 4 de abril de 1997, estabelece como seu objeto e finalidade o dever dos Estados de proteger o ser humano na sua dignidade e identidade150 e de assegurar a todas as pessoas, sem discriminação, o respeito pela sua integridade, bem como pelos seus direitos e liberdades fundamentais face às aplicações decorrentes da Biologia e da Medici na. A seguir, proíbe toda e qualquer forma de discriminação da pessoa em razão do seu patrimônio genético e veta a realização de testes preditivos de doenças genéticas ou que permitam quer a identificação do indivíduo como portador de um gene responsável por uma doença, quer a detecção de uma predisposição ou de uma susceptibilidade genética a uma doença, salvo para fins médicos ou de in vestigação médica e sem prejuízo de um aconselhamento genético apropriado151.

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As discussões envolvendo o genoma humano atingem grande amplitude e elevada relevância no contexto mundial e ensejaram a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos do Homem de 11 de novembro de 1997152. Tal

Declaração prescreve que a cada indivíduo deve ser assegurado o respeito da sua dignidade e dos seus direitos, quaisquer que sejam as suas características genéti cas, e que tal dignidade exige não reduzir os indivíduos à sua composição genética e respeitar suas singularidades. Além disso, proíbe a discriminação com base nos traços hereditários153.

A Declaração Ibero Latino Americana sobre Ética Genética segue o entendi mento da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e Direitos do Homem e estabelece os princípios éticos que devem guiar as ações da genética médica quanto ao direito à intimidade genética da pessoa. Assim, a informação genética individual é privativa do indivíduo do qual provém e não pode ser revelada a tercei ros sem o consentimento expresso daquele154.

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, aprovada em Nice no dia 7 de dezembro de 2000, ressalta o respeito ao direito à integridade do ser hu mano e veda as práticas eugênicas, nomeadamente as que têm por fim a seleção

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de pessoas. A seguir, estabelece a igualdade de todas as pessoas perante a lei e proíbe a discriminação em razão das características genéticas155.

A Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos da Unesco, de 16 de outubro de 2004, tem como objetivo o respeito da dignidade humana e a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em matéria de recolha, utilização e conservação de dados genéticos humanos, em conformidade com os imperativos de igualdade, justiça e solidariedade. Prevê, ainda, que a infor mação genética humana de uma pessoa identificável não deverá ser comunicada nem tornada acessível a terceiros, em particular empregadores156.

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A Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos de 2005 tornou se verdadeiro marco no que diz respeito às questões bioéticas suscitadas pela análise genética. Trata das questões éticas originadas pela medicina, pelas ciências da vida, bem como pelas tecnologias que lhes estão associadas quando aplicadas aos seres humanos, tendo em conta as suas dimensões social, jurídica e ambiental. Estabelece, assim, os princípios que deverão ser observados pela comunidade internacional e incorpora as regras que norteiam o respeito pela dignidade humana, pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. Reconhece, ainda, a inter ligação que existe entre ética e direito, ao consagrar a bioética entre os direitos humanos internacionais e ao garantir o respeito pela vida dos seres humanos157.

6.1.2. Quadro Normativo em Portugal

A legislação portuguesa está bastante avançada no que diz respeito à utili zação da informação genética no âmbito do contrato de trabalho. Apresentando normatização específica sobre informação genética pessoal e informação de saúde, Lei n. 12/2005, de 26 de janeiro, bem como disposições pontuais no Código do Trabalho, que se preocupam com a dignidade do trabalhador e garantem a tutela dos direitos de personalidade do candidato a emprego e do trabalhador, seja nos preliminares da formação contratual, na execução ou na cessação do contrato158.

No art. 16 , o código laboral afirma como direito a reserva da intimidade da vida privada do trabalhador, proscrevendo tanto o acesso quanto a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal do indivíduo. Estabelece, ainda, que, mesmo nos casos em que haja consentimento quanto à tomada de conhecimen

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to, continua a incidir sobre a entidade patronal o dever de não revelar a terceiros aspectos da vida do trabalhador. Tal artigo marca e influencia o regime dos testes e exames médicos. Assim, se alguém exige ao indivíduo que labora a realização ou apresentação dessas análises para comprovação das respectivas condições físicas ou psíquicas, além do que é legalmente admitido, é posto em causa o regime do art. 19 do mesmo diploma normativo159.

Destaca se que o referido art. 19 , n. 1, aponta, como princípio geral, que o empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou trabalhador a realiza ção ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, seja para efeitos de admissão ou permanência no emprego. As limitações ao referido princípio necessitam do pre enchimento dos seguintes requisitos: em termos substantivos, que a finalidade da exigência se prenda com a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem do ponto de vista formal: que o empregador forneça por escrito a fundamentação que preside à referida exigência e que as informações sejam prestadas ao médico.

O n. 2 do preceito baliza a abertura conferida por meio das limitações anterior mente referidas e define que em circunstância alguma, o empregador pode exigir à candidata a emprego ou à trabalhadora a apresentação de testes ou exames de gravidez. Guilherme Dray, ao analizar o dispositivo, ensina que:

Trata se de um preceito absolutamente imperativo, que não admite derrogação em contrário, em nome do personalismo ético e da dig nidade...

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