GÊNERO E TECNOLOGIA NA ERRADICAÇÃO DA VARÍOLA

AutorJonatan Sacramento
Páginas80-102
GÊNERO|Niterói|v.18|n.2|80 |1. sem.2018p.080-102
GÊNERO E TECNOLOGIA NA ERRADICAÇÃO DA VARÍOLA1
Jonatan Sacramento2
Resumo: O objetivo desse texto é discutir a generificação das tecnologias de
saúde pública, a agulha bifurcada e a vacina liofilizada, utilizadas na Campanha de
Erradicação da Varíola. Ao mesmo tempo, lança-se mão da análise da trajetória
profissional da enfermeira e educadora sanitária paulista, Geraldina Passeri, de
modo a compreender como o gênero moldava as performances profissionais e o
fazer burocrático e operacional de uma ação de saúde. O argumento sustentado
ao longo do artigo é que mesmo os processos de gestão e execução de políticas
de saúde, assim como das técnicas e tecnologias utilizadas, não estão isentos de
significados de masculinidade e feminilidade.
Palavras-chave: gênero e saúde; tecnologias de saúde; erradicação da varíola.
Abstract: The aim of this text is to discuss the genderization of public health
technologies, the bifurcated needle and the lyophilized vaccine, used in the
Smallpox Eradication Campaign. At the same time, the analysis of the professional
trajectory of the nurse and sanitary educator of São Paulo, Geraldina Passeri,
is used to understand how how gender molded professional and bureaucratic
performamnces and the operational health action. The argument discussed
throughout the article is that even the health policy management and execution
processes, as well as the techniques and technologies used, are not exempt from
the meanings of masculinity and femininity.
Keywords: gender and health; health technologies; smallpox - eradication.
Introdução
A produção sobre gênero e saúde consolidada nas últimas décadas têm
centrado suas análises nos modos como as práticas e discursos médicos recaem,
1 O presente artigo é parte das reflexões apresentadas em minha dissertação de mestrado, orientada pela Profª.
Drª Heloísa Pontes, a quem sou mais do que grato. A pesquisa contou com o financiamento da FAPESP, mas as opiniões aqui
emitidas são de minha inteira responsabilidade, não representado a opinião da agência.
2 Doutorando em Ciências Sociais no IFCH/UNICAMP. E-mail: jonatansacramento@gmail.com.
GÊNERO|Niterói|v.18|n.2| 81|1. sem.2018p.080-102
de diferentes formas, sobre os corpos masculinos e femininos (ROHDEN, 2001;
LAQUEUR, 2001; MACHADO, 2005). Ao mesmo tempo em que contribuem
para alargamento da nossa compreensão de que os processos de conhecimento
e as práticas sociais são claramente marcadas pelos imaginários de gênero, esses
estudos também nos oferecem o ferramental analítico para a compreensão de que
essas mesmas práticas e os discursos médicos e científicos são construtores das
ideias de gênero e, consequente, dos imaginários sobre as diferentes sexualidades
Nesse passo, um dos aspectos largamente criticados tem sido a noção de que
as mulheres sejam natural ou biologicamente menos capazes. Isto é, as teorias
feministas têm questionado os discursos que legitimam a inferioridade feminina.
Comungando com tal fortuna crítica, esse artigo pretende compreender como
as tecnologias de saúde estão marcados pelos papéis de gênero, em especial, como
as tecnologias de saúde pública utilizadas para a erradicação da varíola (anos 1960
e 1970) materializaram imaginários de masculinidade de feminilidade. Ou seja, o
objetivo aqui é pensar como o gênero foi performado nas ações de erradicação da
varíola, seja na concepção e desenvolvimentos das técnicas e tecnologias de saúde,
quanto no papel desempenhado por homens e mulheres em tais atividades. O artigo
foi desenvolvido a partir de pesquisa documental. Para tanto, lancei mão da análise dos
documentos oficiais produzidos pelos responsáveis pelas atividades das Campanhas
de Erradicação da Varíola no Brasil e no estado de São Paulo, depositados na Casa
de Oswaldo Cruz/Fiocruz, no Rio de Janeiro, e no Centro de Memória do Museu
de Saúde Pública Emílio Ribas, em São Paulo; do levantamento bibliográfico sobre
a temática, de modo a lançar luz sobre a documentação arquivística, e da análise
de entrevistas e depoimentos com os e as participantes da Campanha, também
depositados na Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.
A Campanha de Erradicação da Varíola
A erradicação mundial da varíola aconteceu em 1977, após uma intensa
campanha de vacinação em massa nos países da África, na Índia e no Brasil,
coordenada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em cooperação com
os governos locais. No Brasil, último país do continente americano a não ter
erradicado a doença até aquele momento, a Campanha de Erradicação da Varíola

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT