Gestão e PAIR

AutorLenz Alberto Alves Cabral
Ocupação do AutorMédico do Trabalho, especialista em Medicina do Trabalho pela AMB/ANAMT
Páginas75-116

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1. Introdução

A perda auditiva laboral já havia sido descrita por Ramazzini: “Observamos esses artífices todos sentados sobre pequenos colchões postos no chão, trabalhando constantemente encurvados, usando martelos a princípio de madeira, depois de ferro, e batendo o bronze novo para dar-lhe a ductilidade desejada. Primeiramente, o contínuo ruído danifica o ouvido, e depois toda a cabeça; tornam-se um pouco surdos e se envelhecem no mister, ficam completamente surdos, porque o tímpano do ouvido perde sua tensão natural com a incessante percussão que repercute, por sua vez, para os lados, no interior da orelha, perturbando e debilitando todos os órgãos da audição; acontece a esses operários o mesmo que se dá com os que vivem às margens do Nilo, tornando-se surdos por causa do estrondo das cataratas”.(34)

O ruído sempre esteve presente em nosso planeta, com alta e baixa intensidade, desde aqueles produzidos por invertebrados se alimentando, vento, chuva, até ruídos ensurdecedores causados por impacto de meteoros, explosões vulcânicas, trovões, ondas do mar, entre outros.

Porém, juntamente com a revolução industrial, o ruído foi efetivamente introduzido na vida do homem, passando de um simples agente ambiental para um risco ambiental, com alto poder lesivo para o homem, causando danos variados, entre eles a perda auditiva. Vale destacar a caracterização de risco laboral, com base nos conceitos de risco genérico versus risco específico, em que o último (risco específico) é decorrente da atividade laboral e, o primeiro (risco genérico), é um risco natural da vida humana.(4)

Este capítulo foi organizado com o objetivo de facilitar e aprimorar a aprendizagem da “audiologia ocupacional”, tema imprescindível para os profissionais ligados às áreas de Saúde e Segurança Ocupacional.

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Os nossos objetivos específicos são:

- Conhecer a legislação brasileira referente à audiologia ocupacional;

- Entender as diretrizes para prevenir a perda auditiva ocupacional, tanto por ruído quanto por outros agentes ototóxicos;

- Estabelecer o Nexo Causal, ou seja, a caracterização da perda auditiva como sendo ou não sendo do trabalho;

- Determinar o enquadramento do paciente como deficiente auditivo;

- Determinar o Padrão Operacional diante de uma perda auditiva.

3. Pair e a legislação brasileira

Como legislação de destaque, podemos citar:

- NR-7, em seu Anexo I do quadro II, incluído pela Portaria n. 19.

- NR-15, em seu Anexo 1.

- Decreto n. 5.296, item “b”, e os seus critérios de enquadramento da Pessoa Portadora de Deficiência auditiva.

4. Transmissão do som na orelha humana

(DE VIBRAÇÕES MECÂNICAS EM IMPULSOS NERVOSOS)

O som é originado por uma vibração mecânica que se propaga no ar e atinge o ouvido. Quando essa vibração estimula o aparelho auditivo ela é chamada de vibração sonora. Assim, o som é definido como qualquer vibração ou conjunto de vibrações ou ondas mecânicas que podem ser ouvidas.(26)

O som é a sensação produzida no sistema auditivo e ruído é um som indesejável.(30)

O sistema auditivo é formado pela orelha externa, orelha média, orelha interna e VIII par craniano e, sistema auditivo central, formado pelo tronco cerebral, vias subcorticais, córtex auditivo/lobo temporal e corpo caloso.(10)

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O ruído segue o seguinte caminho: pavilhão auricular, conduto auditivo externo, membrana timpânica, ossículos da orelha média, janela oval, cóclea, onde se encontra o Órgão de Corti, responsável por transformar as vibrações mecânicas em impulsos nervosos; aliás, exatamente onde se dá a agressão pelo ruído.

Aí, o som já decodificado é transmitido ao nervo auditivo e, a seguir ao cérebro, onde será interpretado.

5. Divisão funcional da orelha

Para facilitar o nosso entendimento, podemos dividir a orelha em duas partes:

- A primeira, formada pela orelha externa e média, onde o som é transmitido na forma de vibrações mecânicas.

- A segunda, formada pela orelha interna, em especial a cóclea, onde se encontra o Órgão de Corti, que decodifica o som, transformando as vibrações mecânicas em impulsos elétricos, que são enviados pelo nervo auditivo ao cérebro para ser interpretado.

6. Tipos de perda auditiva: aérea e óssea

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Assim:

- As alterações que ocorrem nas orelhas “externa” e “média” são caracterizadas por perdas condutivas, detectadas apenas pela via aérea, mantendo assim a via óssea sem alteração.

- Já as alterações que acorrem a partir da orelha interna, resultam em perdas neurossensoriais, que são detectadas tanto pela via aérea quanto pela via óssea.

7. Pair, três “máximas”

O conceito de PAIR, esta doença decorrente da exposição sistemática e prolongada a ruídos com altos níveis de pressão sonora, apresenta três características, a saber:

- Primeiro: é o resultado da agressão ao Órgão de Corti, pela exposição ao ruído;

- Segundo: Doença crônica, portanto de evolução lenta, ao longo de meses, anos;

- Terceiro: Irreversível.

Assim, podemos definir PAIR como sendo uma perda auditiva crônica e irreversível, resultante da agressão às células ciliares do órgão auditivo de Corti, que decorre da exposição sistemática e prolongada a ruído cujos níveis de pressão sonora (NPS) são elevados.

8. “Normalidade auditiva” na legislação brasileira

Interpretação de um audiograma (de acordo com a legislação brasileira, com base na Portaria n. 19):

- A condição de normalidade está presente quando os limiares auditivos se encontram até 25 decibéis, ou seja, com limiares em 25 decibéis ou “melhores” do que 25 dB, o audiograma está normal.

O decibel (dB) é uma unidade logarítmica de mensuração utilizada para expressar a magnitude de um som em relação a algum nível de referência. O decibel nível de audição, ou dB NA é comumente utilizado em Audiologia, uma vez que ele corresponde ao nível em decibel do audiômetro. O nível de referência para dB NA é “0”, que está relacionado com o limiar médio em decibel nível de pressão sonora (dB NPS) do ouvinte médio, com audição normal.(35)

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- A perda auditiva está presente quando os limiares auditivos se encontram acima de 25 decibéis. Ou seja, com limiares auditivos “piores” do que 25 dB, o audiograma está registrando uma perda auditiva.

9. Alteração temporária ou transitória dos limiares auditivos (atlas) - TTS = Temporary threshold shift

Esta alteração ocorre após algumas horas de exposição a ruído com elevados Níveis de Pressão Sonora, porém revertem completamente à normalidade após 24 horas, a partir do momento em que o indivíduo é afastado da exposição.

10. Diagrama de atlas

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Assim, o diagrama mostra a evolução dos audiogramas seriados:

- 1 - Em laranja, o período antes da exposição ao ruído, onde se pode ver um traçado de audiograma normal.

- 2 - Em azul, trinta segundos após a exposição a altos níveis de pressão sonora, há um rebaixamento significativo.

- Os diagramas 3, 4 e 5 representam o retorno gradativo à normalidade, demonstrando que a...

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