Gincana institucional: o novo pacto antirrepublicano no Brasil

Se alguém ainda tinha dúvidas sobre a gravidade da situação brasileira, o último domingo (817) deve ter servido para escancarar a nossa deterioração jurídico-política. Não que uma sequência de decisionismos judiciais (para todos os gostos) seja algo inteiramente novo em nosso país. Nossa prática jurídica já opera com esse mal há muito tempo, tendo criado várias artimanhas para acomodá-lo. Estamos longe de ser ingênuos quanto à violência das disputas pelo poder no país. Aliás, já em 2016[1] se falava em supremacia judicial consentida, uma espécie de conveniente moderação entre os Poderes sobre quem tem mais autoridade e sob quais circunstâncias. Então, qual a novidade? A novidade é que a coisa toda virou uma gincana, uma espécie de competição cujas regras exigem de seus participantes uma exposição crescente ao ridículo[2].

Não há nada mais perigoso para a autoridade do que se tornar ridícula. E quando todas as autoridades concorrem para jogar as instituições no ridículo, o que nos aguarda?

O republicanismo nasceu para conter exageros passionais na vida pública, que poderiam jogar um país numa guerra de facções. Atualmente, o arranjo e os atores brasileiros estão conseguindo produzir uma curiosa antirrepública, em que a guerra de facções e as passionalidades não só passam ao centro do sistema como são espetacularizadas. Nessa conjuntura, o surpreendente seria alguém abrir mão de suas convicções/interesses pessoais em favor do Direito, ao menos pelo temor de comprometer as próprias condições da convivência democrática.

Ao que tudo indica, o pai fundador dessa antirrepública brasileira foi Eduardo Cunha. Não que ele seja o vilão cujas ações, por força prática, o tornem o único responsável pela crise atual. Se não existe república de um homem só, tampouco corrosão republicana que tenha único culpado. Contudo, talvez seja possível dizer que ele foi seu mito (des)civilizador. A questão aqui é a dimensão simbólica, o paradigma que ele ajudou a instaurar. Como bem observou Marcos Nobre[3], normalmente, quando um ator político atraía muitos ataques, ele se afastava dos holofotes até as coisas esfriarem. Com essa “moderação” à brasileira, o sistema ia se reacomodando. Cunha reconfigurou esse quadro. Ao ser atacado publicamente, forçava sua posição o máximo que podia, subia ao lugar mais visível da disputa, e de lá passava à ofensiva contra todos. Nesse nível de ousadia, foi uma tática inédita. Funcionou bem até que passou a ser adotada por...

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