Globalização e precarização do trabalho feminino no BRASIL

AutorCamila Vieira Marinho
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e Bacharela em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco
Páginas34-42

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1. Globalização e flexibilização das normas trabalhistas

Inicialmente cumpre destacar que a Globalização não é entendida, neste estudo, como um processo autônomo, natural, inevitável e aceito sem contestação. Na realidade, a globalização é um fenômeno complexo, resultado de processos históricos que levaram a mudanças no campo da política, da economia, da cultura e da sociedade. Isso significa que a ideia da inevitabilidade da globalização é muito mais uma questão ideológica do que propriamente um determinismo histórico.

A globalização consiste num processo social construído historicamente. Por esse viés, ela é entendida como uma dinâmica multifacetada em diversos âmbitos, tais como na economia, na cultura, na política e na sociedade.

A globalização tem uma vasta gama de conceitos1, os quais demonstram que a complexidade inerente ao fenômeno globalizante produz a cada dia novas configurações e sistemas na modernidade.

Esse fenômeno hegemonizou a maneira como as pessoas passaram a legitimar o conhecimento, homogeneizou os estilos de vida e consolidou o sistema econômico capitalista.

Isso significa que, em face da diversidade de acepções, não há um conceito definitivo sobre o assunto, mas existem características conceituais que delineiam um cenário comum globalizante, tais como o livre comércio, o Estado mínimo-neoliberal, a ideologia de inevitabilidade do capitalismo e a ideia de que as desigualdades sociais são resultados de processos naturais.

Dentre as características do processo globalizante, a política de estado mínimo e o neoliberalismo ganham sentido robusto, já que justificam a crescente desresponsabilização do Estado. Destacam-se, também, dentre as características da globalização, a consolidação do sistema econômico capitalista, o aprofundamento das desigualdades sociais, a intensificação da criminalidade e o descontentamento social, isto é, a ruptura do Estado de Bem-Estar Social.

Nesse contexto, a ideia de que o capitalismo é o meio mais saudável para o desenvolvimento das sociedades e de que ele é inevitável funciona como uma estratégia política de dominação.2

A política de estado mínimo é marcada pelo predomínio do capital financeiro, pela inserção massiva de novas tecnologias e pela adoção do neoliberalismo. Nesse sentido, ocorreram alterações nas relações individuais de trabalho, caracterizada por uma tendência crescente de privatização do Direito. Isso significa que o trabalho duradouro e o pleno emprego foram sendo substituídos

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por um novo modelo de organização em que os valores sociais do trabalho foram suplantados pela supremacia do capital especulativo, da tecnologia da informação e da comunicação.3

Sendo assim, a nova ordem econômica, influenciada pelo neoliberalismo, inaugura uma nova ordem jurídica; essa é utilizada como um meio institucional para legitimar os interesses do capital. Isso significa que há uma tendência à privatização do Direito, com a diminuição legal do Estado na promoção das necessidades básicas sociais. Assim, o Direito é afetado pela globalização, servindo como meio institucional para imposição do sistema. O ordenamento jurídico-positivo se ocupa de ser um fator fundamental para a ampliação e transposição das "fronteiras globalizadas" no âmbito de atuação estatal e nas relações transnacionais.4

Na seara jurídica laboral brasileira, a política do Estado mínimo perfaz-se pela flexibilização laboral, por meio da qual, com a diminuição do Estado, cria-se um mecanismo legal para modificação de leis trabalhistas rígidas com o objetivo de atender às demandas mercadológicas e empresariais, de adaptar o direito laboral às mudanças econômicas, tecnológicas e sociais e de promover a redução das taxas de desemprego e o aumento dos postos de trabalho.

Não obstante às promessas de desenvolvimento da privatização, não houve aumento do número dos postos de trabalho, mas sim ocorreu a mitigação da dignidade humana do trabalhador, a mercantilização da força de trabalho para atender aos dados de funcionalidade do capital e o aumento das diferenças sociais existentes.

Os resultados da privatização do direito foram a subcontratação do obreiro, os contratos part-time, a terceirização, os contratos por prazo determinado, além do desemprego estrutural.

Destaca-se que a privatização do direito atingiu sobremaneira as mulheres. Isso aconteceu porque, além delas ocuparem massivamente trabalhos precários e informais, não tinham uma legislação que lhes resguardasse labor compatível com sua condição orgânica e fisiológica, sobretudo no tocante às grávidas.

Nesse contexto, depreende-se que as mulheres não estiveram inteiramente alijadas da esfera de trabalho. Na realidade, foi durante o desenvolvimento da industrialização, na segunda fase da globalização, que as trabalhadoras foram inseridas na produção de larga escala. Contudo, nessa época, a desvalorização do labor feminino era latente. Isso se traduzia concretamente em baixas remunerações e em atividades menos qualificadas em relação aos homens, para a execução do mesmo tipo de tarefa.

Por esse viés, as obreiras estavam sujeitas ao assédio sexual, à exploração e à violência empreendida pelos empregadores. Inclusive, quando grávidas, elas eram obrigadas a trabalhar até a última semana de gestação, retornando à fábrica três semanas ou menos após o parto, com receio de perder seus postos de trabalho.

Em face desse cenário globalizante, no Brasil, as relações individuais de trabalho sofreram grandes transformações até os dias atuais, sobretudo no tocante às relações de gênero. Isso porque foi nesse novo cenário, a partir dos anos 1970, que houve a intensificação da incorporação da mulher na força de trabalho brasileira. Isso propiciou, desde então, mudanças no perfil das mulheres ativas no mercado de trabalho e no perfil da sociedade brasileira.

Em suma, o fenômeno da flexibilização resultou na perda da qualidade dos empregos e principalmente na acentuação da precarização laboral, sobretudo no âmbito laboral feminino, já que elas ocuparam massivamente empregos informais e precários.

Destaca-se que a flexibilização atinge a todos os trabalhadores indistintamente, mas existem fatores de gênero, como a divisão sexual do trabalho e o patriarcado, que incidem com maior peso na vida das mulheres no contexto de flexibilização, tornando-as ainda mais vulneráveis com relação ao trabalho.

2. A globalização e o trabalho feminino

O ingresso das mulheres no mercado brasileiro iniciou-se a partir da década de 40. Mas foi a partir dos anos 70, com o advento da globalização, que houve o ingresso massivo das mulheres no mercado de trabalho brasileiro.

Esse fenômeno foi resultado da confluência de fatores econômicos e culturais, tais como: o avanço da industrialização que transformou a estrutura produtiva, o desenvolvimento dos processos de globalização, a continuidade do processo de urbanização e a diminuição das taxas de fecundidade que proporcionou um aumento da possibilidade das mulheres encontrarem trabalho. Ocorreram também transformações culturais relativas ao papel social da mulher, moldando uma identidade feminina mais voltada para o trabalho.

As mudanças sociais impulsionaram as mulheres para as universidades, bem como estimularam racionalização

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de algumas profissões, antes consideradas masculinas, abrindo novas possibilidades para as mulheres se formaram nessas carreiras.

Ocorreram também transformações demográficas desencadeadas pela queda da taxa de fecundidade, pelo envelhecimento da população com maior expectativa para as mulheres, bem como pelo crescimento de arranjos familiares chefiados por mulheres.

As mudanças sociais impulsionaram as mulheres para as universidades, bem como estimularam racionalização de algumas profissões, antes consideradas masculinas, abrindo novas possibilidades para as mulheres se formaram nessas carreiras.

A questão é que apesar da inserção das mulheres no mercado de trabalho impulsionada pelos processos de globalização, ainda persistem inúmeras condições desfavoráveis, traços de segregação que concentram as mulheres em guetos ocupacionais tradicionalmente femininos.

De acordo com os dados do IBGE, pode-se perceber que, apesar de não ser tão latente nos dias atuais, a segregação ocupacional ainda é perceptível: na construção civil, 97,2 % dos empregados são homens e apenas 2,8% são mulheres, no serviço doméstico 7% são homens e 93% são mulheres.5

Nesse compasso, os dados demonstram que a presença masculina ainda é predominante nos trabalhos produtivos, quais sejam indústria e construção civil. Em contraposição, as mulheres marcam presença majoritária nos setores de cuidado, de serviço doméstico, de educação, de saúde e de serviços sociais coletivos.

Além disso, de acordo com os dados do Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio de 2008, da população ocupada com 15 anos ou mais, em ocupações consideradas precárias, dividia-se da seguinte forma quanto ao sexo: 42,1% das mulheres encontravam-se nessa situação, ao passo que no caso dos homens esse total era do 26,2%.6

Persistem também diferenças salariais em relação aos homens que ocupam a mesma função e a responsabilidade das mulheres pelos afazeres domésticos e cuidados com os filhos.

Com efeito, em 2009, o total de mulheres ocupadas recebia cerca de 70,9% do rendimento médio dos homens ocupados, sendo que, no mercado formal, essa razão alcançava 74,6%. No mercado informal, a distância entre o rendimento de homens e mulheres é ainda maior: as mulheres no mercado informal recebem somente 63,2% do rendimento dos homens. (Síntese de Indicadores Sociais, IBGE, 2009). Segundo dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o salário...

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