A globalização e suas inferências no direito internacional do trabalho: o trabalhador migrante

AutorSayonara Grillo Coutinho Leona da Silva
Ocupação do AutorOrganizadora
Páginas185-192

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1. Introdução

Atualmente, não há como mencionar o Direito Internacional do Trabalho alijado do contexto no qual se insere, em que a globalização exerce forte influência no âmbito social, econômico e político dos Estados. Tal conjuntura globalizante estabelece um paradoxo de benefícios e malefícios ao indivíduo enquanto sujeito de direitos e, inevitavelmente, altera a esfera deste enquanto trabalhador. Desse modo, no presente trabalho, apresentamos o estudo de como o processo de globalização possui relevância perante o Direito Internacional do Trabalho, trazendo o enfoque sobre a temática das migrações, que é uma importante evidência e consequência do processo globalizante sobre o mundo do trabalho. Cabe fazer a ressalva de que se trata de uma pesquisa que ainda não está concluída, trazendo somente o entendimento inicial sobre a temática e as perspectivas imediatas que dela decorrem.

2. A crise do modelo fordista de processo de trabalho

O modelo fordista remonta historicamente à hegemonia da Inglaterra em tempos de revolução industrial ainda no final do século xIx, consistindo em um modo capitalista de produção que, ao longo dos anos, sofreu diversas alterações técnicas decorrentes do advento de importantes insumos e tecnologias centrais e auxiliares à produção, principalmente com o princípio da eletricidade, das matérias sintéticas, do motor à explosão e das indústrias de manufatura com alta precisão.

Todavia, com o surgimento da segunda revolução industrial, gradativamente restou um novo padrão produtivo caracterizado, resultado não somente da adoção de novas tecnologias, como também de um novo tratamento estatal da economia e das relações sociais. Em 1930, e durante Segunda Guerra mundial, este novo padrão ganhou notoriedade, denotando um novo ciclo de crescimento mundial.

Este ciclo foi responsável pelo desenvolvimento de novos paradigmas produtivos e tecnológicos, com a adoção desde o final do século xIx e início do século xx do método taylorista, e com a ampla utilização de máquinas elétricas e automação aceleraram e dinamizaram o processo produtivo. Estas novas tecnologias tiveram ainda o impulso trazido pela adoção da linha de montagem da Ford, que deu ensejo ao fordismo, caracterizado pela produção em massa organizada e racionalizada com técnicas dotadas de tecnologia avançada.

Ademais, uniu-se a esse novo padrão de produção, um maior intervencionismo estatal no domínio econômico, principalmente após 1930, o que demonstra uma alteração da prática liberalista de até então, visto que, além da intervenção na economia, os Estados nesse momento preocupavam-se também com as questões sociais, baseados na política de bem-estar social e inspirados no new deal dos Estados Unidos. Neste entrelace entre intervenção econô-mica e bem-estar social, tem-se embrionariamente a noção do pleno emprego.

No tocante ao Direito do Trabalho, esta adoção de novos modelos produtivos, entre os quais ainda se sublinha o modelo keynesiano, vigente no contexto do intervencionismo estatal, criou um novo perfil de trabalhador, que se organizou e se massificou, acabando por fortalecer os movimentos sindicais que eclodiram no segundo pós-guerra. Esse novo perfil era dualizado à medida que unia uma pequena quantidade de trabalhadores qualificados a uma grande massa de trabalhadores sem qualificação e com bastante força negocial.

Em 1960, no entanto, em virtude do período de estagnação econômica e financeira, com a alta da inflação nos países

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desenvolvidos, deu-se a crise do modelo de produção até então adotado. A produção, que naquela época se acelerava pelas novas tecnologias, teve uma queda, o que deflagrou uma concorrência internacional ainda maior e uma consequente reestruturação industrial, diminuindo o poder de articulação sindical.

Finalmente, em 1989, o Consenso de Washington, que foi um conjunto de medidas econômicas com dez regras básicas elaboradas por grandes economistas, determinado pelas suntuosas dívidas externas de 1982, motivou as organizações internacionais a formularem um novo padrão de ajuste macroeconômico. Este novo ajuste, unido à incorporação de novas tecnologias de informação, sem olvidar de todo o contexto histórico inerente, levaram a ruptura gradual devido ao fordismo.

Dentro desse novo modelo de produção e reestruturação produtiva que se desenvolvia com a paulatina ruptura do fordismo, ganhava realce a ideia de flexibilização. A princípio, flexibilizou-se o sistema integrado de automação, até que a flexibilização se desprendeu da máquina e chegou ao homem. O trabalhador, dessa forma, teve que se adaptar e flexibilizar a medida que as plantas industriais exigiam não mais um trabalhador monoqualificado, mas um trabalhador proativo, que permeasse e participasse de todo o processo produtivo; um trabalhador polivalente e com domínio das técnicas empregadas. Além disso, neste mesmo panorama, denominado de especialização flexível, enfatizou-se a subcontratação externa, de acordo com as características e necessidades da produção e do mercado de consumo.

Estas novas relações de trabalho, polivalentes e flexíveis, tornaram-se pouco afeitas não apenas a normalização centralizada pela contratação coletiva, como também à tipificação legal-protetiva que havia sido forjada no período anterior. Nesse sentido, com a especialização flexível e o desuso do fordismo, e com a adoção do neoliberalismo, houve o enfraquecimento do Direito do Trabalho, a medida que o trabalhador tornou-se vulnerável dentro da dinâmica de lucro e competição imposta, o que flexibilizava máquinas e homens. Além dos movimentos sindicais, também debilitados, a própria proteção normativa do trabalhador sofreu a interferência da flexibilidade, posto que o Estado abdicou de impor sua força normativa no âmbito de proteção e tutela do trabalhador.

Assim sendo, para o Direito Internacional do Trabalho surge a contenda de tutelar os direitos desse trabalhador, polivalente e flexível, sujeito aos novos contornos neoliberais e desarticulados pelo novo modo de produção que surgia após a adoção do fordismo. Ao Direito Internacional, incumbe, portanto, universalizar a proteção desse trabalhador vulnerável de forma a não prejudicar a dinâmica econômico-financeira vigente, o que muitas vezes se demonstra impraticável.

Além desses novos perfis de trabalhador e modos de produção, deu-se ainda, simultaneamente, uma desterritorialização das cadeias produtivas, que ultrapassam agora as fronteiras nacionais e que, por conseguinte, exigem a atuação de um Direito universalizado, internacional, que compreenda os anseios do trabalhador que subjazem da transnacionalização da economia em escala planetária.

Nesta intensificação da concorrência internacional, fragmentou-se o processo produtivo com o fito de uma maior eficiência aliada a um custo mais baixo. As terceirizações ou subcontratações são grandes exemplos desse processo de fragmentação, ao lado do crescimento do trabalho informal.

A globalização, portanto, vem a robustecer a concorrência internacional, muito embora se baseie em um processo de integração entre os Estados, que ocorre em diferentes ramos, tanto na economia quanto no que tange a questões sociais, culturais e até mesmo políticas, tendo sido resultante, principal-mente, do menor custo dos meios de transporte e difusão dos meios de comunicação no final do século xx e início do século xxI. é um fenômeno ou processo que decorre daquilo que o capitalismo almeja, isto é, a consecução de um mercado global que supere a saturação dos mercados internos dos países centrais e suas características são o objeto do próximo item.

3. Os processos de globalização

Nesse sentido, antes de adentrar a temática do Direito Internacional do Trabalho propriamente dito, insta trazer a célebre definição de globalização elaborada por Boaventura de Souza Santos, qual seja:

A globalização é o processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival1.

Frisa-se que Boaventura (1997) fez um esmerado esforço de concisão para conceituar “globalização”, visto que, de acordo com a sua própria concepção do fenômeno, não há somente um processo de globalização, mas sim processos de globalização diversos, que resultam dos conjuntos de relações sociais. Não há, portanto, uma entidade única de globalização, cabendo, inclusive, conforme salienta, utilizar-se do termo “globalizações”, no plural. No entanto, para fins analíticos, convencionou-se utilizar o termo no singular2.

Pode-se dizer que sofremos os influxos da globalização na comunicação, na troca de informações e cultura, no meio midiático e em muitos outros aspectos que não é a intenção abordar neste trabalho. Especialmente, analisa-se como esse processo, ou processos, nas palavras de Boaventura, afetam o mundo do trabalho e, mais especificamente, o que diz respeito ao Direito Internacional do Trabalho.

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O mundo globalizado, assim, significa um mundo conectado e correlativo. Explica-se: O mundo está conectado, pois há uma codependência entre os países que faz com que haja uma necessária conexão entre os mesmos, de forma que o que é desconhecido não é desejado e, em uma sociedade de consumo, imersa no poder do capital, o que é desconhecido é descartável.

Nesse sentido, não obstante a desigualdade socioeconô-mica não tenha diminuído ao longo do processo de globalização, não se pode mais ignorar ou pretensamente esquecer de nenhum Estado em nenhuma condição. Não há países em desenvolvimento e países centrais, mas sim Estados em estágio de desenvolvimento diferentes...

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