Gravidez. A violência obstétrica na legislação brasileira

AutorFabiana Dal'Mas Rocha Paes
CargoPromotora de justiça do MP/SP
Páginas11-14
TRIBUNA LIVRE
11
REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 656 I FEV/MAR 2019
tupro, em que, até os dias atuais,
de forma pacífica pela doutrina
e jurisprudência, a satisfação
da lascívia era conditio sine qua
non para o crime, ainda que não
de forma expressa?!
Se houve uma lei para esta-
belecer, de forma taxativa, que o
fim específico para a tipificação
do crime de importunação se-
xual deve, necessariamente, sa-
tisfazer a lascívia do agente ou
de terceiros, como interpretar a
redação do crime de estupro pe-
rante a nova tipicidade penal do
artigo 215-A a partir de agora?
Muitos podem questionar
se existe caso de estupro sem
que o indivíduo (homem ou
mulher) esteja excitado para
praticar o ato. A resposta é
bem simples e não demanda
maiores esforços: claro que
pode! Imaginemos uma mu-
lher que, com uma arma de
fogo em mãos, obriga o homem
a ter conjunção carnal com ela
(sobre grave ameaça de levar
um tiro se assim não o fizer)
para que tente engravidar.
Ela estava excitada? Em tese,
não, pois o objetivo (fim especí-
fico) dela era engravidar, e não
saciar a sua lascívia. Sobre a
vítima (homem, na hipótese),
se conseguiria praticar o ato ou
não, é uma outra questão que
não está em discussão aqui.
Nesse caso, a conduta a ser tipi-
ficada seria o crime de estupro
(consumado ou tentado)?
Outro exemplo em que figura
o homem como sujeito passivo
do crime é o caso de priapismo,
que é uma ereção involuntária
e persistente e que pode ocor-
rer, entre outras causas, devido
à ingestão de certos antidepres-
sivos ou fármacos. Uma mulher
pode perfeitamente obrigar
(mediante violência ou grave
ameaça) um homem a ingerir
um medicamento capaz de pro-
vocar uma ereção involuntária
e, assim, manter relações com
ela com diversas finalidades.
Uma outra situação que
merece atenção é o fato de o
indivíduo, por vingança, se-
questrar e manter em cárcere a
esposa de seu desafeto e pene-
trar, por exemplo, um sabugo
de milho na cavidade vaginal
ou anal da vítima. Haveria es-
tupro, já que não houve qual-
quer satisfação da lascívia por
parte do criminoso?
São questões relevantes que
devem ser muito bem discuti-
das, pois, com a taxatividade da
lascívia presente no novo insti-
tuto, passou-se a ser interpreta-
tivo – e a interpretação deve ser
sempre a favor do réu – se a las-
cívia no crime de estupro per-
manece como elemento subje-
tivo do injusto de forma tácita.
A Lei 13.718/18 fez significa-
tivas alterações no Código Pe-
nal, porém, a nosso ver, deixou
uma lacuna imensa para que
novas e desejáveis discussões
sejam efetivadas em relação ao
fim específico de se atingir (ou
não) a lascívia do indivíduo. n
Denis Caramigo Ventura é advogado
criminalista, especialista em Direito Pe-
nal e Direito Processual Penal, pós-gra-
duado em Direito Civil e Direito Proces-
sual Civil, pós-graduando em Direito
Tributário, presidente da Comissão de
Direito Penal e Direito Processual Penal
da OAB/SP-Subseção Lapa e defensor
da 6ª Turma Disciplinar do Tribunal de
Ética e Disciplina da OAB-SP.
Fabiana Dal’Mas Rocha Paes PROMOTORA DE JUSTIÇA DO MP/SP
A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
... os Estados-Partes garanti-
rão à mulher assistência apro-
priada em relação à gravidez,
ao parto e ao período poste-
rior ao parto, proporcionando
assistência gratuita quando
assim for necessário, e lhe as-
segurarão uma nutrição ade-
quada durante a gravidez e a
lactância.1
Aviolência obstétrica é
um assunto invisibili-
zado no Brasil, conside-
rando que as pesquisas
revelam que uma a cada qua-
tro brasileiras já foi vítima de
violência obstétrica2.
Entende-se por violência
obstétrica toda ação ou omissão
direcionada à mulher durante o
pré-natal, parto ou puerpério
que cause dor, dano ou sofri-
mento desnecessário à mulher,

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