Guerra do Pacífico a história de uma derrota

AutorRuth Cavalcante Neiva
CargoDoutoranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo
Páginas74-94
Ruth Cavalcante Neiva Cadernos Prolam/USP, v. 18, n. 34, p. 74-94, jan./jul. 2019
DOI: 10.11606/issn.1676-6288.prolam.2019.161550
GUERRA DO PACÍFICO: A HISTÓRIA DE UMA DERROTA
PACIFIC WAR: THE HISTORY OF A DEFEAT
Ruth Cavalcante
1
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
RESUMO
A Guerra do Pacífico (1879-1884) foi um conflito bélico que envolveu o Chile, o Peru e
a Bolívia. O objetivo desse artigo consiste em refletir sobre as consequências desse
confronto para o Estado peruano. Para tanto, analisamos duas fontes históricas que
foram produzidas por intelectuais que pegaram em armas e lutaram em batalhas: Cartas
a Piérola sobre la ocupación chilena de Lima (entre 1880 e 1889) , de Ricardo Palma e
Discurso en el Politeama (1888) , de Manuel González Prada. O primeiro alegou que a
razão do fracasso do Peru no combate beligerante contra os chilenos se deu pelo motivo
do país ter uma população massivamente indígena, considerada inferior e inútil; ao
passo que o segundo afirmou que a razão do fiasco bélico se deu justamente pelo fato
dos índios serem subalternizados e tratados como serviçais, e não como cidadãos da
República peruana. Esse trabalho faz uma reflexão dessas duas perspectivas distintas e
demonstra o quanto a questão indígena foi um tema importante, no contexto dos fins do
século XIX, para discutir as razões da derrota do Peru na Guerra do Pacífico.
PALAVRAS-CHAVE: Peru; Guerra do Pacífico; Índios; Ricardo Palma; González
Prada.
ABSTRACT
The Pacific War (1879-1884) was a war conflict that involved Chile, Peru and Bolivia.
The purpose of this article is to reflect on the consequences of this confrontation for the
Peruvian state. To this end, we analyzed two historical sources that were produced by
intellectuals who took up arms and fought in battles: Cartas a Piérola sobre la
ocupación chilena de Lima (between 1880 and 1889), by Ricardo Palma and Discurso
en el Politeama (1888), by Manuel González Prada. The first alleged that the reason for
Peru's failure in the war against the chileans was because the country had a massively
indigenous population, considered inferior and worthless; whereas the second stated that
the reason for the war fiasco was precisely because the Indians were subordinated and
treated as servants, not as citizens of the Peruvian Republic. This paper reflects on these
two distinct perspectives and demonstrates how important the indigenous issue was, in
the context of the late nineteenth century, to discuss the reasons for Peru's defeat in the
Pacific War.
KEYWORDS: Peru; Pacific War; Indians; Ricardo Palma; González Prada.
1Doutoranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas da
Universidade Federal do Espírito Santo. Este artigo faz parte da pesquisa de doutorado, em andamento,
intitulada El problema del indio es el problema del Perú , financiada pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES. E-mail: donaruth26@hotmail.com.
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Ruth Cavalcante Neiva Cadernos Prolam/USP, v. 18, n. 34, p. 74-94, jan./jul. 2019
DOI: 10.11606/issn.1676-6288.prolam.2019.161550
1 INTRODUÇÃO
Esse trabalho faz uma reflexão sobre o quanto a questão indígena foi um tema
importante para que intelectualidade peruana dos fins do século XIX pensasse as causas
da derrota do Peru na Guerra do Pacífico (1879-1884). Nesse artigo, apresentamos de
forma panorâmica quais foram as motivações do conflito, quais foram as consequências
desse evento para o Estado peruano e como indivíduos que lutaram na guerra, como
Ricardo Palma, Andrés Cáceres e Manuel González Prada pensaram o papel do índio no
confronto bélico contra os chilenos. Para tanto, recorremos a análise de fontes históricas
produzidas por esses personagens, com destaque especial para o escrito Discurso en el
Politeama (1888), de González Prada.
No contexto do século XIX, a maioria da população peruana era constituída por
povos indígenas. No entanto, esses setores eram excluídos da participação da vida
política do país, sofriam com a aguda exploração do seu trabalho e não recebiam
nenhum benefício de políticas públicas voltadas para o seu bem-estar social.
É importante demarcar que não podemos pensar os índios peruanos como se eles
fossem um bloco unitário com o mesmo idioma, cultura, sistema de crenças e de
valores . Havia no século XIX uma pluralidade de povos indígenas no Peru. Os
2
principais grupos étnicos que residiam na região e que, não raro, mantinham relações
3
2González Prada não enxergava a heterogeneidade social/racial do Peru como um elemento positivo. Que
fique claro que ele não chegou a se aprofundar em nenhuma ideia de “heterogeneidade étnica”, mas
identificou que existia uma total “falta de acordo” entre os brancos, os índios, os negros e os orientais. Na
visão do intelectual, essa variedade de “povos” dificultava que a nação pudesse se desenvolver de forma
mais harmoniosa. Contudo, o problema maior não estava necessariamente na variedade de grupos que
habitavam o país, mas sim na inabilidade e na incapacidade do Estado em congregá-los e unifica-los.
González Prada percibía esta heterogeneidad que veía como una debilidad nacional. De hecho, como
sugiere Bonilla, uno de los mensajes del iconoclasta fue el de mostrar la profunda incapacidad de la
clase dirigente para cohesionar efectivamente una nación y levantar un Estado efectivamente nacional
(WARD, 2009, p. 142). Apesar de visualizar a dificuldade do Estado peruano em integrar em seu seio
todos os membros da nação, González Prada acreditava que o Peru não teria futuro enquanto a população
indígena não fosse assimilada, incluída e integrada à nacionalidade.
3Joan Davidson nos esclarece sobre o conceito de etnia. Segundo o autor, a raiz das palavras
étnico/etnicidade provém do grego ethnos, que quer dizer povo, ou nação. No Velho Testamento, o grego
ethnos significa os bárbaros, os "outros"; sendo uma tradução direta do hebraico goyim . A palavra inglesa
"ethnic " foi usada pela primeira vez com o sentido de "não convertido". No século XIX, quando uma
visão biológica das divisões raciais era aceita quase que universalmente, "étnico" se referia à raça. À
medida que a visão biológica da “variação humana” se enfraqueceu no século XX, os termos "étnico" e
"grupos étnicos" passaram a se referir mais a linguagem e a cultura, embora ainda estivessem
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