Hermenêutica e o estudo da linguagem

AutorAntonio Baptista Gonçalves
Páginas1-75
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CAPÍTULO 1
HERMENÊUTICA E O ESTUDO DA LINGUAGEM
1.1 Introdução
O estudo da hermenêutica1 tem por escopo a compreen-
são.2 Contudo, por que entender e compreender alguma coisa
1.
Lucia Barros Freitas de Alvarenga: “De origen griego, la expresión hermenéutica
guarda conexión semántica con Hermes, el Dios alado que traía los mensajes de otros
dioses o el ‘dios de la comunicación y de la circulación, dios de la intermediación, per-
sonaje modesto en el oficio de representante y portavoz que es olvidado em beneficio
de la prosecución del juego mismo”. ALVARENGA, Lucia Barros Freitas de. Aplica-
ción judicial del derecho em perspectiva hermenéutica. Porto Alegre: Sergio Anto-
nio Fabris Editor, 2007, p. 17.
Sobre o Deus Hermes: Hermes desenvolve também a sinuosidade, como o mensageiro
que é, com ele se aprendem as mediações que se buscam para se pensar a emancipa-
ção na contemporaneidade, porque Hermes é o único deus que vai igualmente aos
céus e ao inferno. Carece-se da presença hermetiana para a reflexão da subjetividade,
do inconsciente, quer seja do que está no escuro, do invisível e desconhecido, até alçar
o plano visível do funcionamento dos organismos internacionais, possíveis macro-or-
denadores do mundo contemporâneo, com seus altos níveis de poder e barganha. (...)
Mas a grande tarefa de Hermes, o filho de Maia, mensageiro, “consistia em ser o intér-
prete da vontade dos deuses”. Persista-se nas pegadas de Hermes. Faça-se a tradução
de deuses para o que emerge de nossa alma, que se faça o ser desejante passível de vir
a ser aquele que trilha e constrói o caminho vazio e inesgotável, imagem vocativa do
Desejo, mas também da utopia. E esta passa pela questão do conhecimento, a forma
de ver a realidade já propõe a realidade, com possíveis e respectivas intervenções so-
ciais. MANZINI-COVRE, Marilou. No caminho de Hermes e Sherazade – cultura, ci-
dadania e subjetividade. Taubaté: Vogal Editora, 1996, págs. 9 e 10.
2.
Friedrich Schleiermacher: “A concepção preliminar de hermenêutica, a saber, como
“arte da compreensão correta do discurso de um outro”, traz já uma delimitação e
uma generalização, na medida em que circunscreve o objeto ao domínio da linguagem
2
ANTONIO BAPTISTA GONÇALVES
são importantes? A resposta está na interpretação das pala-
vras para se decodificar a própria linguagem.3
O telefone sem fio, por exemplo, brincadeira muito usada
pelas crianças (apesar de, nos tempos globalizados de hoje,
ainda não sabermos se ainda prospera). Tal atividade consis-
te, essencialmente, em transmitir uma mensagem a outrem,
em outras palavras um processo rudimentar de comunicação.4
No entanto, se não forem estabelecidas regras, a mensa-
gem chegará ao receptor completamente diversa da que foi en-
viada pelo emissor. Eis a importância de se compreender bem
as palavras.5 As palavras têm, quando são compreendidas, um
caráter autonormatizante, isto é, regulam comportamentos.
falada ou escrita e, por outro lado, deixa de lado todas as divisões tradicionais dos dis-
cursos”. SCHLEIERMACHER, Friedrich. D. E. Hermenêutica – arte e técnica de in-
terpretação. Trad. Celso Reni Braida. 8.. ed. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 15.
3. Raimundo Falcão: “De qualquer forma, em que pese às várias doutrinas, em re-
gra, fala-se de linguagem na acepção de uma atividade humana universal em que se
utiliza um sistema de sinais coordenados entre si com base em determinadas regras
que se pressupõem aceitas geralmente. Desse modo, entende-se linguagem como
sendo o uso de sinais que possibilitam a comunicação, isto é, o conjunto dos sinais
intersubjetivos”. FALCÃO, Raimundo. Bezerra. Hermenêutica. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 48.
4. A palavra “comunicação”, assim como a quase totalidade dos termos idiomáticos
conhecidos, padece do problema da ambiguidade. No falar quotidiano, e até mesmo
em obras que pretendem esclarecer o significado dos vocábulos (dicionários), “co-
municação” seria uma palavra utilizada em ocasiões diversas, com sentidos varia-
dos. Cientificamente, porém, a situação é outra. “Comunicação”deve ser entendida
em conformidade com a Ciência que estuda os signos, isto é, a Semiótica, abando-
nando-se os sentidos resultantes dos usos comuns. CARVALHO, Paulo de Barros.
Direito tributário – linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 165.
5. Vilém Flusser: “Cada palavra, cada forma gramatical é não somente um acumu-
lador de todo o passado, mas também um gerador de todo o futuro. Cada palavra é
uma obra de arte projetada para dentro da realidade da conversação a partir do in-
dizível, em cujo aperfeiçoamento colaboram as gerações incontáveis dos intelectos
em conversação e a qual nos é confiada pela conversação a fim de que a aperfeiçoe-
mos ainda mais e a transmitamos aos que virão, para servir-lhes de instrumento de
busca ao indizível. Qual a catedral, qual a sinfonia, qual a obra que pode comparar-
se em significado, em beleza e em sabedoria com a palavra, com qualquer palavra
de qualquer língua?” FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3. ed. São Paulo: An-
nablume, 2007, p. 199.
3
HERMENÊUTICA E A LINGUAGEM
Inicialmente imperceptível, as palavras possuem coman-
dos, imperativos de linguagem que determinam ou estipulam
ações a serem cumpridas pelo receptor da mensagem, mesmo
que não sejam de forma explícita ou perceptível, mas a men-
sagem está lá.6
As palavras expressam condutas que são aprendidas,
mas não notadas ou percebidas em um primeiro momento,
visto que o cotidiano social nos faz pensar que aquele tipo
de comportamento sempre existiu, quando em verdade, fora
aprendido, foi fruto de um cotidiano social.7 As palavras são
compreendidas muitas vezes sem nem sequer se imaginar du-
vidar de seu significado.8
Como afirma Manuel Ballestero:9
A palavra se entende sem que seja necessário, nem possível, às
vezes, dar o sentido exato ou definir o conteúdo intelectual que
possui, seu significado, e não porque apenas existe diferenças
dentro do “sistema” (este é um problema derivado), e sim por-
que sua significação não pode e nem tem que ser alcançada a
margem da palavra em sua imediatez e enunciação real; neste
sentido, o “conteúdo intelectual” da palavra só existe como “não
6. A esse processo denomina-se comunicação.
7. Martin Davies cita Noam Chomsky acerca do tema: “De acordo com Chomsky,
portanto, os usuários comuns da língua possuem um corpo de conhecimento lin-
guístico que, em sua maior parte, é inacessível à consciência. Por esse motivo, é de-
nominado, com frequência, conhecimento tácito. É porque possuem esse corpo de
conhecimento tácito das regras linguísticas que são capazes de conhecer o grande
número de coisas particulares sobre sua língua”. DAVIES, Martin. Filosofia da lin-
guagem. In: BUNNIN, Nicholas & TSUI-JAMES, E. P. (orgs.).Compêndio de filoso-
fia. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 111.
8.
A linguagem é qual a montanha de gelo flutuante. Uma parte – a produção da fala
no trato vocal, os gestos que a acompanham, a passagem do som através do ar e seu
impacto no ouvido – oferece-se à observação imediata. Mas a parte mais vasta, a for-
mação da elocução no cérebro de quem fala, sua recepção pelo ouvinte e a associação
do sinal com a experiência – passada e presente, individualmente isolada e social-
mente partilhada – está abaixo da superfície e só pode ser medida pela sonoridade.
LOTZ, John. Os símbolos fazem o homem. In: WHITE JR., Lynn. As fronteiras do
conhecimento um estudo do homem. Rio de Janeiro: Fundo de cultura, 1963, p. 208.
9. BALLESTERO, Manuel. Sondas de hermenéutica y de poética. Madrid: Hipe-
rión, 1981, p. 15.

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