Hermenêutica negra e interpretação da igualdade

AutorAdilson José Moreira
Páginas261-284
261
CAPÍTULO XI
HERMENÊUTICA NEGRA E
INTERPRETAÇÃO DA IGUALDADE
Preciso agora abordar um tema importante para finalizar as minhas
reflexões sobre a Hermenêutica Negra: qual deve ser a postura interpre-
tativa daquele que pensa como um negro? Você pode estar pensando
que minha proposta tem um caráter subjetivo, que estou defendendo
algo que interessa apenas à população negra, que ela não pode ter cará-
ter sistemático. Não é caso meu caro leitor, minha cara leitora. Demons-
tramos ao longo deste trabalho os problemas relacionados a um tipo de
hermenêutica que não problematiza aquele que aplica o Direito ao dar
atenção quase exclusiva à questões relacionadas com a norma jurídica
enquanto objeto do conhecimento. Um jurista que pensa como um
negro não opera apenas a partir de suas presunção da objetividade por-
que ele está ciente da dimensão social da formação da subjetividade
jurídica. A subjetividade jurídica, esse lugar a partir da qual fala o intér-
prete do Direito, tem uma natureza narrativa porque está baseada em
uma série de cognições sociais responsáveis pela construção do sujeito
como um efeito de sentidos sociais. Esse é um ponto importante desse
processo porque a subjetividade jurídica não pode ser vista como pura
abstração; o intérprete fala a partir de um lugar específico e precisamos
pensar sobre ele.
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ADILSON JOSÉ MOREIRA
11.1 Hermenêutica Negra e princípios constitucionais
Devemos estar cientes de que essa posição interpretativa não pode
partir daquele velho pressuposto epistemológico de uma consciência
unitária que permite uma compreensão racional de si mesmo e também
do mundo. Não estamos mais em uma realidade social e política na qual
as pessoas pensam que podemos fundamentar o conhecimento a partir
de categorias metafísicas que expressam verdades transcendentais. O
jurista que pensa como um negro não está interessado em buscar o sen-
tido concreto das palavras presentes em um texto jurídico porque ele
sabe que estes sentidos são construções sociais também responsáveis pela
sua própria subjetividade. Ele precisa estar atento ao fato de que o pro-
cesso de construção de sua subjetividade, de sua perspectiva interpreta-
tiva ocorre dentro de um horizonte histórico particular, motivo pelo
qual a norma também adquire sentido dentro dessa dimensão.240
O tipo de subjetividade jurídica presente dentro da Hermenêutica
Negra está baseado no reconhecimento de que o intérprete ocupa uma
série de posições sociais, que ele deve falar a partir de diferentes posições
de sujeito. Os indivíduos estão inseridos em várias interações que são
constituídas por meio de relações de poder, relações que marcam o lugar
e sua experiência. Portanto, a subjetividade jurídica subjacente a essa po-
sição hermenêutica precisa reconhecer a dimensão política da atividade
interpretativa, uma vez que as normas jurídicas também são expressões
dessas hierarquias dentro das quais ele está situado. Esse é um dos motivos
pelos quais o jurista que pensa como um negro está ciente de que não
pode pensar a partir da pressuposição de uma experiência universal, de
um lugar de plena inteligibilidade, mas de uma consciência múltipla. A
interpretação do princípio da igualdade não pode partir do pressuposto de
que a vida em sociedade produza uma experiência social homogênea; ele
precisa considerar a situação dos que estão em uma posição estruturalmen-
te distinta da dele, ele precisa refletir sobre o valor normativo das expe-
riências daqueles que falam de um lugar distinto. O tema da consciência
240 COURA, Alexandre. Hermenêutica jurídica e Jurisdição (in)constitucional. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2009, pp. 31-59.

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