História e cultura afro-brasileira na educação básica: origens e implicações da lei 10.639/2003

AutorFlávio Gonçalves Dos Santos
CargoFlávio Gonçalves dos Santos é doutorando em História (Universidade Federal Fluminense) e professor da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). [abikun@yahoo.com.br]
Páginas23-36
HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
ORIGENS E IMPLICAÇÕES DA LEI 10.639/2003
FLÁVIO GONÇALVES DOS SANTOS *
“Negro acorde, é hora de acordar,
não negue a raça, torne toda manhã um dia de graça...
E cante um samba na universidade
e verás que seu filho será um príncipe de verdade”
(Candeias, Dia de Graça)
1. INTRODUÇÃO
Pensar “a África” como homogênea, precária, tribal e que só tem seu charme
quando associada às savanas com seus leões, zebras e antílopes é o comum,
para não dizer o normal. É daquelas informações que nem mais se procura
saber a validade, toma-se por verdade, tão verdadeira que imaginar a
possibilidade de ser diferente é intangível. A humanidade africana é um
capítulo à parte, nem parece humanidade quando representada nos filmes de
Tarzan ou nos desenhos animados de Walt Disney ou da Warner Brothers. É
uma humanidade em tudo selvagem, pouco distinta da fauna que a cerca. Ela
está sempre a correr, seminua, de lança e escudo na mão e com ossos
espetados no cabelo e no nariz, atrás dos heróis para devorá-los em seus
rituais de canibalismo e satisfazer sua necessidade básica de alimentos, como
fazem os animais. Esta é a representação da África e dos africanos que se
costuma ver desde muito cedo.
O africano retratado desta maneira é o estereótipo da humanidade africana,
criado a partir da caricatura feita dos orgulhosos guerreiros zulus, responsáveis
pela dura resistência à implantação do imperialismo britânico da África do Sul.
É a caricatura de um povo orgulhoso que até a pouco tempo lutava contra o
sistema do Apartheid. É assim que o Ocidente capitalista, nele incluso o Brasil,
cria o mito de sua superioridade e civilização. Desqualificando e até
ridicularizando aqueles que durante séculos foram suas principais fontes de
riqueza (cf. Fanon, 1979: 61).
No Brasil, “a África” tem significados distintos. As culturas africanas estão entre
as principais matrizes de sua formação. Apesar disso, o continente africano é
muito mal traduzido. As duas representações mais freqüentes são aquelas que
se enquadram na categoria do estereótipo que o mundo ocidental faz da África
ou aquelas que, igualmente estereotipadas, a enquadram na categoria mítica
de “Mama África”:
A África, no Brasil, tem sido em grande medida o resultado do sistema
de relações raciais, muito mais do que da capacidade de preservar o
que Herskovits chamou de africanismos. Se aceito este ponto de vista,
não há surpresas, portanto, em constatar que tanto o conformismo
quanto o protesto se relacionaram e criaram a sua própria África
(Sansone, 2000: 249-250)

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